sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

CIVILIZAÇÃO II

O Brasil é caudatário da civilização ocidental. Além da predominante cultura portuguesa e das culturas africana e indígena da fase colonial, a nação brasileira recebeu o contributo das culturas francesa e inglesa na época imperial e da estadunidense no período republicano. Essa miscelânea cultural não alterou a frouxidão dos costumes da época colonial e nem a alegria carnavalesca, a vocação musical popular, a atividade esportiva, a leviandade no trato da coisa pública, a debilidade do patriotismo na esfera civil (embora forte no círculo militar), a mentalidade e a postura colonizada de governantes e governados, tudo a facilitar a permanência da estrutura oligárquica da sociedade brasileira, das camadas sociais hierarquizadas e do preconceito social e racial.
Faltam, à massa popular, a noção de proprietária e o sentimento de dona do país. Daí, a ousadia de um grupo canalha colocar o Brasil à venda a fim de receber elevada taxa de corretagem. Os defensores dos interesses estrangeiros visam a aumentar a sua riqueza particular. Alguns deles estão dentro do governo: presidente da república, ministros, senadores, deputados, magistrados; outros, fora: barões dos meios de comunicação social, jornalistas, executivos de bancos e de corporações multinacionais; todos eles sem compromisso com a verdade, com a honestidade e com a decência.
Desde os anos 90, cidadãos brasileiros praticam ações desonestas e impatrióticas dentro do governo (Sarney, Collor, Cardoso, Temer, Serra, Aécio, Jucá, Franco, Padilha, Geddel et caterva) e ao lado do governo (banqueiros, empresários, lobistas, et caterva), quase tudo às escâncaras, o que facilitaria o trabalho da polícia e do ministério público se houvesse disposição e espírito público para investigar e processar. Ninguém escaparia das malhas da justiça se não houvesse seletividade (perseguem e investigam apenas os adversários políticos e blindam os amigos e correligionários).
A desonestidade dessa gente e a do cidadão comum assemelham-se. A diferença é quantitativa. O patrimônio dos figurões da república em bens móveis, imóveis e dinheiro, obtido pelos canais da ilicitude, supera o patrimônio oriundo da desonestidade do cidadão comum. A imoralidade do corrupto pé-de-chinelo é a mesma do figurão, só que o lucro deste último é bem maior.
O Brasil não é um pais sério, teria dito o general De Gaulle. Retifique-se: a falta de seriedade e de vergonha não é do “país” ou do “governo” e sim de quem governa (legisladores, presidente da república, ministros, policiais, membros do ministério público, magistrados) e de quem é governado (elite urbana e rural, funcionários públicos, industriários, comerciários, profissionais liberais). A corrupção, o descumprimento da lei e da palavra empenhada, práticas frequentes dessa canalha, enodoam a imagem do país. Se cada brasileiro examinasse a sua própria consciência antes de acusar, poderia se surpreender ao constatar a sua semelhança com o acusado e assim se justificar: sim, mas eu não sou ladrão. A consciência replicaria: mas, ao se aproveitar de informação privilegiada para ser aprovado em concurso público ou vencer licitação, você “rouba” o direito do concorrente melhor qualificado; ao furar fila, entrar de ratão, burlar exames, o fisco e as regras de trânsito, ao mentir e agir para obter vantagem indevida, você “rouba” o bem público, o bem privado, ou ambos.
Há muitas e notórias situações no setor público e no setor privado em que os funcionários e os cidadãos comuns praticam atos desonestos. Todo brasileiro é desonesto? Não. Evidente que não. Generalizar seria cometer o mesmo erro do general De Gaulle. Há brasileiros decentes e honestos, cumpridores dos seus deveres para com a família, a sociedade e o estado. Inobstante, nota-se, em alguns governantes e governados, deficiência moral responsável pelo mau conceito do Brasil.
Questiona-se: não há desonestos e delinquentes entre os franceses, alemães, japoneses, árabes, israelenses? Nos outros países não há ladrões e corruptos, prisões, processos penais e tribunais? As respostas são afirmativas: sim, há tudo isso. Entretanto, diferem os graus de incidência e de tolerância. No Brasil, esse grau é máximo. A desonestidade campeia a ponto de ser admirada pelo povo: o milionário ladrão é respeitado, o político patife é incensado, o juiz parcial e arbitrário é endeusado, o promotor público malicioso e politiqueiro é aplaudido e, assim, por diante. A corrupção e a impunidade dos figurões são normas consuetudinárias. Daí, a projeção social de forças-tarefas, como a lava-jato, quando assestam baterias contra figurões e quebram o centenário costume.
Os operadores dessas tarefas conferenciam entre si, atuam de forma engenhosa e premeditada e utilizam métodos estranhos à vigente ordem jurídica. Isto confirma a deficiência moral acima citada. Ao prenderem os figurões escolhidos, agradam a um público sedento de justiça contra os poderosos. Além disto, eles satisfazem: (i) os seus objetivos políticos e financeiros; (ii) os seus particulares anseios por fama e confete. Prostituídas, a imprensa e as emissoras de televisão apoiam a safadeza e criam a imagem heroica e salvadora dos operadores, o que a estes possibilita ganhos extras: palestras remuneradas, penduricalhos aos subsídios vedados pela Constituição (Art. 39, 4º).
Na “guerra santa” contra a corrupção (como se fosse possível eliminar epidemia pela via judicial), os operadores contam com o serviço de advogados das suas relações pessoais para obter delações, ainda que sejam falsas as informações prestadas pelos delatores, desde que contribuam para dar aparência de licitude à perseguição política. Esses advogados, inclusive do escritório da esposa do juiz, recebem vultosos honorários, por dentro e por fora. Para conseguir êxito nas suas empreitadas, os operadores ameaçam e constrangem os familiares dos indiciados. Chantagem perversa. A pretexto de combater organizações criminosas, eles próprios atuam como organização desse tipo. Há notícia na rede de computadores de que a organização curitibana (polícia + ministério público + juiz) além das arbitrariedades que pratica, retém para si parte da propina recuperada e das multas aplicadas.
Das malas e caixas do Geddel abarrotadas de dinheiro, apreendidas pela polícia, duas sumiram. Indaga-se: As malas destinavam-se a abastecer alguma “organização extraordinária de combate à corrupção”? Por que logo após a contagem e a lavratura do auto de apreensão o dinheiro não foi depositado em conta judicial na Caixa Econômica Federal ou no Banco do Brasil? Por que o juiz não determinou: (i) a recontagem do dinheiro após o sumiço das duas malas e (ii) o respectivo depósito judicial? Por que não foi instalada comissão civil, militar, ou mista, para investigar o sumiço das malas, recuperar o dinheiro e apurar a responsabilidade dos agentes quando identificados?
O episódio lembra o que outrora acontecia na perseguição policial aos ladrões. Nunca era apreendida a totalidade do dinheiro. Sempre faltava a parte “gasta pelos bandidos”, ou “levada pelo bandido que fugiu”, ou “o banco exagerou ao informar a quantia roubada”, e tudo ficava por isso mesmo.

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