sexta-feira, 9 de junho de 2017

MEA CULPA

Nesta semana foi inaugurado o retrato de Joaquim Barbosa na galeria dos ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF). No discurso laudatório, o ministro Roberto Barroso referiu-se ao homenageado como "negro de primeira linha". Certamente, na África negra essa expressão seria recebida com naturalidade. Todavia, no Brasil e em países como os EUA, essa expressão tem conotação pejorativa reveladora de preconceito racial, mormente se retirada do contexto onde foi manifestada. Tal preconceito é incompatível com uma sociedade democrática. 
A repercussão do discurso na sociedade brasileira foi imediata. No início da sessão do STF realizada no dia 08 de junho de 2017, Barroso pediu a palavra e apresentou suas desculpas ao povo brasileiro. A sua evidente intenção foi a de enaltecer a qualificação moral e intelectual do ex-presidente e a sua notável contribuição para o prestígio da suprema corte.
No meio em que vivemos, há ideias, imagens e frases introduzidas de modo subliminar em nossas mentes. Criança e adolescente no Paraná, eu ouvia a respeito de pessoas negras, frases como estas: “Arlindo é negro de alma branca”; “Tenório é negro, mas é gente fina”; “Luís é negro, mas trabalhador; “Eduarda é negra, mas honesta e excelente cozinheira”; “negra é boa de cama”; “negro quando não caga na entrada, caga na saída”; “isto é serviço de negro”, e assim por diante. Pessoa negra não frequentava clube de pessoa branca, nem era atendente em loja ou recepcionista em hotel. Na escola primária e secundária, o estudante negro era objeto de curiosidade e condescendência, quando não assediado maldosamente e discriminado acintosamente.
Desse modo, ficou gravada na minha mente a impressão de que a pessoa negra faz parte de uma espécie animal inferior; que negro só é merecedor de alguma atenção e admiração quando se aproxima das superiores qualidades dos brancos. A imagem predominante é a de que o negro é sujo, vagabundo, bandido; a negra só é boa na cozinha e na cama; negros e negras gostam de sambar e tomar cachaça. Embora eu seja radicalmente contrário a essa imagem e ao preconceito que está na sua base, a minha expressão verbal pode com ela se embaralhar, caso eu afrouxe a vigilância num momento de descontração.
De primeira linha, há brancos, negros, amarelos, vermelhos, pardos, neste imenso país. Pessoas que enfrentaram e superaram preconceitos e toda sorte de obstáculos no curso das suas vidas. Triunfaram no campo do direito, da medicina, da engenharia, das ciências naturais, da literatura, das artes, dos esportes e em outros setores da vida nacional. Exerceram com excelência relevante papel na sociedade. Destarte, referir-se a uma dessas pessoas como cidadão ou cidadã de primeira linha é mais adequado do que mencionar a cor da pele. De segunda linha, são os cidadãos e cidadãs sem aquele destaque nas suas respectivas existências, embora todos mereçam respeito por integrarem a espécie humana e serem destinatários dos mesmos direitos fundamentais.

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