sábado, 3 de junho de 2017

JUSTIÇA MOROSA

Na sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) realizada no dia 1º/06/2017, estava em julgamento questão de ordem na ação penal 937, sobre prerrogativa de foro decorrente da função pública exercida pelo réu, matéria disciplinada no artigo 102, letras b) e c), da Constituição da República. Cuida-se da competência originária do STF para processar e julgar, nas infrações penais, as autoridades ali mencionadas.
Toda ação judicial deve ser proposta perante o juiz natural (singular ou coletivo, indicado na Constituição e na lei) sob cuja jurisdição deve permanecer o respectivo processo até sentença final (perpetuae jurisdictio). Esta regra processual é exigência da segurança jurídica. Se no curso do processo, o réu deixa a função pública, ele perde o foro especial. A direção do processo passa para outro juiz ou tribunal no foro comum.
A questão acima citada versa o limite das modificações da competência quando alterada a situação funcional da autoridade infratora. O STF busca interpretação sensata dessa norma constitucional para evitar o que Marco Aurélio apelidou de “elevador”: o interminável sobe-desce-sobe-desce do processo, de um grau de jurisdição a outro, de uma esfera a outra do Judiciário. Desse passeio do processo pode resultar a prescrição do crime, a impunidade do réu, efeito negativo da morosidade a frustrar o princípio da celeridade constitucionalmente assegurado.           
O ministro Roberto Barroso, no seu voto como relator, afirma que a Constituição não autoriza esse deslocamento do processo de um órgão julgador a outro todas as vezes que muda o status funcional do réu. Destarte, nos crimes praticados no exercício da função pública e com esta relacionados, o respectivo processo deve permanecer no foro primitivo sempre que a instrução estiver concluída, ainda que haja mudança na situação funcional do réu.
Todavia, penso que a solução a espelhar mais fielmente as regras da estabilidade e da celeridade é a que fixa a competência em definitivo ao ser proposta a ação. Desse modo, mantém-se o mesmo foro até a sentença final, independente da eventual alteração do status do réu, esteja ou não concluída a instrução.    
O ministro Alexandre de Moraes, primeiro a votar depois do relator, falou por quase duas horas, com sotaque paulista e oratória cheia de repetições. Ao invés de concluir o que parecia ser o seu voto, pediu vista com a maior cara-de-pau. Moraes pareceu brincar de “pegadinha”, de “enganei um bobo com uma casca de ovo”. Consumiu aquele tempo enorme para no final pedir vista do processo! Moraes abusou da paciência alheia e frustrou a expectativa de todos que aguardavam um voto conclusivo após a longa peroração. O julgamento foi suspenso depois dos votos de Marco Aurélio, Rosa Weber e Carmen Lúcia, que acompanhavam o entendimento do relator. 
O pedido de vista é facultativo e independe de justificação. Bastam 7 (sete) segundos para ser formulado: “Senhora Presidente. Peço vista dos autos”. A padronização de formulas, a imitação de precedentes, inclusive o plágio, na discussão das causas no tribunal, são permitidos aos juízes a bem da objetividade, da celeridade e de um rumo estável e previsível. Ao alegar repercussão reflexa (?) no seu extenso e irritante discurso, Moraes se afastou do ponto central da controvérsia. A questão está sob o manto da repercussão geral. Logo, os efeitos da decisão do STF se estenderão a todos os casos sobre foro especial, presentes e futuros, sendo inócua a especificação pretendida por Moraes. A tese do relator, já apoiada por 3 (três) colegas, é abrangente (erga omnes); resolve a questão nas esferas federal e estadual.
O episódio em tela exemplifica um dos fatores da morosidade no Judiciário: a qualificação dos servidores (magistrados e funcionários). Os juízes estão submetidos às leis da natureza e da sociedade, aos vícios e às virtudes humanas. Na referida sessão, os ministros discutiram eficiência e ineficiência da justiça. Divagaram e se esforçaram para tapar o sol com peneira. Em todas as instâncias do Judiciário há magistrados (juízes, desembargadores, ministros) mui dedicados à judicatura, honestos, cultos, eficientes, de satisfatória produtividade, sensíveis ao drama dos jurisdicionados. Por outro lado, há também magistrados que negligenciam a pontualidade, faltosos, preguiçosos, politiqueiros, carreiristas, desonestos, barnabés de toga, dedicados mais aos seus particulares interesses do que aos processos sob sua direção. Esta é uma praga de profundas raízes na história do poder judiciário brasileiro, presente a seiva do nepotismo.
A ação de todos os servidores da justiça, desde o detetive até o ministro da corte suprema, está balizada por regras constitucionais e legais. Nas comarcas do interior e nas varas das capitais, os juízes se deparam com locais de trabalho insalubres, instalações precárias, com a falta de pessoal e de material. No que tange ao pessoal, à insuficiência quantitativa soma-se a deficiência qualitativa: servidores despreparados técnica, intelectual e moralmente (incultos, negligentes, desonestos).
Eficiência, no sentido positivo de produzir bom e desejável efeito, é predicado das pessoas naturais e, por extensão, das pessoas jurídicas e demais entidades desprovidas de personalidade. Nessa extensão entram os sistemas que se dizem eficazes ou ineficazes no cumprimento das suas finalidades. Destarte, a eficiência e a ineficiência podem provir dos indivíduos, dos grupos, das instituições e dos sistemas.
A morosidade da justiça é notória, antiga, endêmica e sistêmica. São bem conhecidos os seus malefícios. Essa lentidão, própria da justiça, deve ser debitada não apenas ao modo de atuação dos juízes e serventuários, mas também ao sistema processual, ao excesso de zelo pelos direitos fundamentais e a fatores políticos e econômicos. A maior ou menor velocidade na solução dos casos criminais depende da boa ou da má atuação dos policiais, dos peritos e dos membros do ministério público. Trata-se aqui da justiça orgânica como instituição estatal: delegacias de polícia, presídios, departamentos e laboratórios de exames periciais, ministério público, defensoria pública, magistratura. Pontualmente, pode haver celeridade em algum caso, ainda mais se houver tráfico de influência e pressão dos meios de comunicação social.

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