quarta-feira, 17 de maio de 2017

INTERROGATÓRIO II

Repercutiram no Brasil e outros países, dentro e fora do continente americano, os fatos ocorridos durante a audiência do dia 10 de maio de 2017, na 13ª Vara Federal de Curitiba. A imagem do judiciário brasileiro não ficou melhor; talvez, pior, devido à imensa visibilidade do evento. O que devia ser um simples e rotineiro interrogatório judicial converteu-se em autêntico debate e num espetáculo popular com milhares de pessoas nas ruas e praças gritando, protestando, comícios com lideranças políticas discursando. Na sala de audiências, juiz e réu trocavam perguntas e respostas entre si. Agente do ministério público interpelava o réu. Advogado levantava questões de ordem. Regras processuais desobedecidas. 
No processo penal brasileiro, somente o juiz pode fazer perguntas diretamente ao réu. A este não cabe questionar as perguntas formuladas pelo juiz; discuti-las com o juiz pode configurar desacato. Ao réu assiste apenas o direito de responder ou não responder, ou seja, ele tem direito ao silêncio contra o qual o juiz nada pode fazer. Juiz e réu se devem mútuo respeito como expressão do princípio da dignidade da pessoa humana. Na referida audiência, o desacato não se tipificou porque o juiz permitiu e participou do debate. Ademais, não se viu nem se ouviu ofensas. 
Dentre as atribuições do acusador e do defensor não está a de interrogar o réu. Essa atribuição é exclusiva do juiz. Depois de o juiz ouvir o réu e se dar por satisfeito, indagará se o acusador e o defensor desejam esclarecimento. Se a resposta for afirmativa, eles o requerem oralmente ao juiz. Então, o juiz filtra o pedido e, se for o caso, formula a pergunta ao réu. Essa filtragem é uma garantia processual do réu destinada a livrá-lo de perguntas capciosas elaboradas pelo acusador ou pelo defensor. O juiz é guardião da clareza e da objetividade do questionamento e da limpeza moral do processo sob sua presidência. Se descumprir essa função, o juiz deve ser afastado.   
Contrariando normas e garantias processuais, no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o juiz permitiu que: (1) o interrogatório virasse debate; (2) o acusador interrogasse diretamente o acusado sem que as perguntas passagem pelo necessário e obrigatório filtro judicial; (3) perguntas fossem repetidas inúmeras vezes.    
Além do pedido de esclarecimento, o acusador e o defensor podem intervir no interrogatório tão somente para levantar questões de ordem. Essas questões postas pelas partes devem se limitar exclusivamente às regras ordinatórias do processo (ausência ou excesso de formalidades, matérias estranhas ao objeto da ação penal, inexatidão ou impertinência do questionamento). Antes de resolver a questão de ordem, o juiz deve ouvir as partes em atenção ao princípio do contraditório. Se a questão for posta pelo acusador, o juiz deve ouvir o defensor; se posta pelo defensor, o juiz deve ouvir o acusador. As questões de ordem devem ser resolvidas de imediato pelo juiz. Na hipótese de o juiz não ouvir previamente as partes sobre essas questões, o ato poderá ser anulado pelo tribunal. A declaração de nulidade pelo tribunal também pode ocorrer quando violadas as demais regras e garantias processuais.
No que tange à alegada perseguição política empreendida pelos partidos de direita (PSDB, PMDB, DEM, PP), pelos meios de comunicação privados (jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão) e pela justiça federal (policia, ministério público, juiz e tribunal), os ex-presidentes da república, Silva e Rousseff, colhem o que plantaram. Incidiu o princípio da causalidade. Ao se relacionarem com a oposição (partidos, meios de comunicação social, banqueiros, empresários, justiça federal), os governos Silva & Rousseff pretenderam mostrar imparcialidade, republicanismo, espírito democrático, interesse público, defesa do bem comum. Provavelmente, os governantes petistas esperavam que essas corporações privadas e públicas manifestassem gratidão e reconhecimento pelas atenções e benesses recebidas.
Os governos petistas destacaram-se pela frouxidão. Os seus membros sofrem as consequências da sua idiotice. Quiseram ser diferentes, bonzinhos, imparciais, santamente puros. Desprezaram o que de melhor havia em seus quadros para prestigiar gente da direita. Apoiaram corporações tradicionalmente de direita. Resultado: levaram paulada e ganharam ingratidão. Agora, choram o leite derramado. Tarde piaste. 
Em política não há imparcialidade, amor e gratidão. Republicanismo e democracia não são sinônimos de imbecilidade e nem vias apropriadas para vazão de eventual complexo de inferioridade de quem governa. Esperteza e flexibilidade excessivas conduzem ao descrédito e ao rebaixamento moral. No jogo político, o normal é cada governo prestigiar a ideologia e o programa do seu partido sem dar armas e munição aos opositores. Governo de direita aparelha-se com pessoas da direita e não nomeia gente da esquerda para cargos públicos, principalmente para a suprema corte.
Os efeitos do golpe à democracia brasileira podem se estender por alguns anos, em prejuízo das futuras eleições. Assim indicam as atuais manobras parlamentares e judiciárias que caracterizam o lawfare (procedimentos jurídicos subversivos). A marcha subversiva da direita só será contida se houver organizada resistência da maioria do povo. Espera-se que essa resistência não implique confronto armado entre o Exército de Caxias (defensor dos interesses dos EUA) e o Exército do Povo (defensor dos interesses do Brasil).               

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