sábado, 20 de maio de 2017

CRISE INSTITUCIONAL

O público nacional e internacional tomou conhecimento da existência de gravações feitas por um empresário da indústria de carnes estabelecido no Brasil sobre negociações ilegais com o presidente da república Michel Temer, o deputado Eduardo Cunha e o senador Aécio Neves. A notícia agravou a crise política. Parlamentares apressaram-se em protocolar requerimentos de instauração de processo por crime de responsabilidade contra o presidente da república. O procurador-geral da república requereu abertura de inquérito visando a apuração da responsabilidade do presidente da república por crimes praticados. O requerimento foi deferido por ministro do supremo tribunal federal (STF). 
Apesar do alarde feito pela imprensa, o episódio não causou surpresa. São notórios a podridão moral no alto escalão da república e o péssimo conceito dos políticos (desonestos, bandidos do colarinho branco que fazem da atividade política o meio para atingir os seus fins ilícitos). O que surpreendeu, dada a diferença do figurino, foi o empresário prestar depoimento na procuradoria da república sem estar preso e ainda trazer consigo documentos e gravações sobre os fatos narrados. 
O depoimento (que inclui outros políticos como José Serra, Marta Suplicy, Luiz Inácio, Dilma Rousseff) e o conteúdo das gravações referem-se a doações informais de altas quantias em dinheiro e notas de compras fictícias ou de compras reais porém superfaturadas como, por exemplo, a de um camarote pelo valor de 6 milhões de reais. O dinheiro saiu dos cofres da empresa com o objetivo de: (1) silenciar o deputado Cunha sobre assuntos tratados com Temer; (2) prover despesas de Aécio com a sua defesa nas questões oriundas da operação lava-jato; (3) contribuir para a campanha eleitoral de Serra, Marta, Dilma e outros.  
De tão elevadas, as somas mencionadas pelo depoente parecem irreais. O capital da empresa e a sua movimentação financeira devem rondar a casa dos bilhões para suportar o volume das doações informais e das despesas ordinárias e legais. Os milhões aplicados na informalidade certamente entram no cálculo do custo da produção; portanto, integram o preço dos produtos pago pelo consumidor. Se não fosse a propina, o preço dos produtos brasileiros no mercado exterior poderia ser mais competitivo e no mercado interior mais acessível à população.    
A linguagem utilizada por Aécio na gravação vem do esgoto. Vocabulário chulo. Gramática precária. Fala em matar o portador do dinheiro para evitar futura delação. Maldiz a operação policial. A linguagem de Temer é suficiente para patentear o seu aval à ajuda prestada pela empresa ao deputado Cunha. Essa ajuda pode frustrar a produção de prova sobre ilícitos investigados na operação policial.
Pelo teor do depoimento e das gravações, inexistia obrigação civil da empresa a exigir pagamento em dinheiro. Não havia base contratual para justificar a entrega daquele dinheiro (compra e venda, locação, empréstimo). O negócio assemelhava-se à doação sem contrato escrito. Não se tratava de doação lícita e sim de valores para integrar patrimônio particular que não podem constar das declarações de renda.
Do ponto de vista jurídico, para valer como prova em processo judicial, as gravações devem ser submetidas a exame pericial. Embora elaborado por perito, o laudo carece de valor absoluto. Tanto na esfera cível como na esfera criminal há desvirtuamento nos exames periciais, consequência da corrupção sistêmica. Basta lembrar dos laudos sobre os “suicídios” nas prisões. Daí o especial cuidado dos juízes ao pesarem esse tipo de prova. Gravações montadas não servem como prova. Nas gravações editadas só têm eficácia as partes que sintonizam com outras provas. Editar não é sinônimo de enganar e sim de selecionar. De um modo geral, seleciona-se o melhor. Aproveita-se o que for possível.
Verificada a autenticidade da gravação, cabe investigar a sua origem, se lícita ou ilícita. Nos termos da Constituição da República, são inadmissíveis provas obtidas por meios ilícitos (furto, invasão da privacidade). Desde que o conteúdo seja verdadeiro, gravação feita sem o conhecimento de um dos partícipes da conversa pode ser utilizada se houve prévia autorização judicial, ou quando serve de apoio a um depoimento que tenha sido impugnado como falso (prova da verdade do testemunho).
A posição do empresário ainda não é a de réu e sim a de indiciado ou de informante. Na futura ação penal, ele poderá figurar como réu, como informante ou como testemunha, segundo o que ficar apurado após a obtenção de outras provas. O agente do ministério público pode mudar o enquadramento legal dos fatos depois de ampliada a investigação e de obter maior volume de provas. Instaurado processo penal com o recebimento da denúncia, o réu e as testemunhas podem mudar a versão dos fatos dada no inquérito policial. Por sua vez, o juiz poderá mudar o enquadramento com base na instrução criminal (após examinar a prova oral, documental e pericial e refletir sobre os argumentos das partes).
No que tange ao impeachment, a motivação política do processo parlamentar é mais forte do que a regra de direito. Isto se evidenciou nos precedentes Collor e Rousseff. O depoimento e as gravações no caso presente autorizam a instauração do processo porque a prova da materialidade e da autoria do crime de responsabilidade surge mais robusta do que nos dois casos precedentes. O afastamento de Temer tranquilizará a nação brasileira, ainda mais se a presidente do STF assumir a presidência da república até as próximas eleições. Conforme jurisprudência do STF, os presidentes da Câmara e do Senado, sucessores naturais, não podem assumir a presidência da república em virtude das práticas criminosas.

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