domingo, 19 de março de 2017

FELICIDADE

“A felicidade é como a pluma / que o vento vai soprando pelo ar/ voa tão alto / mas tem a vida breve / precisa que haja vento sem cessar.” Trecho poético de canção popular.
Estados da alma, como a felicidade, são de difícil definição. Mais fácil referi-los na poesia do que conceitua-los na filosofia. Segundo Platão, felicidade não é livrar-se do mal (entendido como pobreza, doença, injustiça), mas sim, não adquirir o mal (ou seja: negociar, permanecer na riqueza, preservar a boa saúde, agir com justiça). [Górgias. SP. Perspectiva, 2014, p. 281].
Felicidade é o estado da alma de quem é feliz. Do ponto de vista espiritual, feliz é o bem-aventurado e glorificado no reino de deus. “O fim divino em vista do gênero humano (de sua criação e de sua direção) não pode ser pensado de outra maneira senão por amor, isto é, que este fim seja a felicidade dos homens”. [Kant. Metafísica dos Costumes. Petrópolis. Vozes, 2013, p. 305].
No reino dos homens não há bem-aventurança e a glória é efêmera; não há felicidade permanente, contínua, eterna. Indivíduos, grupos e nações vivem momentos e períodos de felicidade nos intervalos da rotina tediosa, das crises e dos conflitos internos e externos. Feliz é quem goza: (i) de boa sorte; (ii) de liberdade para ser e estar segundo a sua natureza e a sua vontade; (iii) da capacidade para fazer o que mais gosta segundo a sua inclinação; (iv) da ventura de ter os bens essenciais a uma existência digna; (v) da oportunidade para manifestar suas potencialidades físicas, morais e intelectuais. Bons pensamentos, bons sentimentos, boa conduta, sucesso no trabalho, segurança econômica, harmonia na vida doméstica e social, são fatores que proporcionam prazer, alegria e felicidade ao indivíduo e à família.
Felicidade geral significa presença das condições materiais, morais e espirituais que torna feliz a humanidade. Em menor extensão, significa o desfrute dessas condições pelo maior número possível de pessoas no seio de uma comunidade. A doutrina da felicidade – exposta neste blog nos meses de setembro/outubro de 2011 – alicerça projetos políticos e sociais. Na dimensão política, felicidade geral significa o desfrute pela nação, ou pela maioria do povo, daquelas boas condições materiais, morais e espirituais. Para tal felicidade, contribui o pleno exercício, pela totalidade ou pela maior parcela da população do país, dos direitos fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O desenvolvimento social e econômico da nação tem por fim possibilitar a felicidade geral. Essa finalidade é desvirtuada quando: (i) só poucos indivíduos, famílias e grupos beneficiam-se da riqueza nacional; (ii) a oportunidade de trabalho remunerado é reduzida; (iii) a remuneração dos trabalhadores não permite acesso aos bens essenciais da vida; (iv) o progresso científico e tecnológico não beneficia a maioria do povo; (v) o padrão de vida dessa maioria é aviltante, incompatível com a dignidade da pessoa natural.     
A felicidade geral não se efetivou plenamente em qualquer país do mundo. A maior ou menor desigualdade social e econômica no âmbito de todos os países do mundo é um óbice à felicidade geral. Noruega, Suécia, Islândia, Finlândia e Dinamarca aproximaram-se dessa meta pela menor desigualdade. Embora a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) assegure a busca da felicidade, parcela maior da população estadunidense não a encontrou, situação agravada pelo episódio “Onze de Setembro” que retirou a paz de espírito daquele povo. No Brasil, a desigualdade foi amenizada na Era Vargas e nos governos Silva e Rousseff. Neste país, tem sido mais fácil desfrutar felicidade individual. Basta o sujeito permanecer impune depois de aderir à roubalheira, ao assalto aos cofres públicos, à venda do patrimônio público estratégico, à entrega da riqueza nacional aos estrangeiros, ao comércio e consumo de drogas ilícitas, ao golpe de estado perpetrado por um bando de gatunos e apoiado por juízes venais.
Na experiência política das nações prevalecem desonestidade, mentira, hipocrisia, fato que se constitui em óbice à felicidade geral. Sob esse aspecto moral, os civilizados estão aquém dos silvícolas. Os indígenas da América padeceram horrores por acreditarem na palavra dos civilizados. No Brasil, o virtuoso trabalho de Rondon, dos irmãos Vilas Boas, de Darcy Ribeiro, foi desvirtuado pela burocracia estatal em proveito de grileiros, fazendeiros, mineradoras, madeireiras. O episódio do cacique Juruna com o gravador diante das autoridades foi emblemático.
Oração, meditação, êxtase espiritual, ajudam os que agem dentro dos limites éticos, embora espiritualmente a humanidade esteja no período neolítico. As crenças e práticas religiosas dos civilizados estão próximas das crenças e práticas das tribos daquele período pré-histórico. Os civilizados ainda cultuam figuras humanas como se fossem divindades. Exemplo desse atraso é a crença na divindade de Jesus, o Cristo. Há os que concebem deus como um ser antropomórfico com os mesmos atributos dos seres humanos. Exemplo desse atraso é o diabólico Jeová (Javé) deus dos judeus e dos cristãos protestantes (“evangélicos”).
Civilizados ou não, os humanos acreditam que a divindade interfere na vida das pessoas e das nações. Interpretam como castigo divino os efeitos danosos: (i) dos fenômenos do mundo da natureza; (ii) dos fatos que ocorrem no mundo da cultura. Enfim, os humanos atribuem a sua infelicidade a deus, à natureza, ou à sociedade; remotamente, a si mesmos. 

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