sexta-feira, 1 de julho de 2016

CRISES PERIÓDICAS V

A cada época histórica os humanos reclamam das crises. No período compreendido entre 6.000 a.C. a 2.000 d.C. houve enorme progresso material. Na esfera espiritual, o avanço foi grande no discurso e diminuto na prática.
Movimentos de pessoas e de instituições sociais contra armas nucleares e a favor da proteção ambiental revelam uma tomada de consciência, em nível planetário, da necessidade de assegurar a sobrevivência da espécie humana e a boa qualidade de vida. Nessa consciência cosmopolita imbrica-se um sentimento de fraternidade e de comum destino da humanidade. Este sentimento torna-se mais vivo: (1) nas ocasiões festivas, como as competições esportivas e o congraçamento religioso de pessoas de diversas nacionalidades; (2) nas ocasiões trágicas, como calamidades naturais ou produzidas por ação humana, que atingem diferentes regiões do planeta.
No cotidiano, porém, a fraternidade e a solidariedade são sufocadas pela competição econômica, política e religiosa, cujos ingredientes são o egocentrismo, a desonestidade, a cobiça, a fraude, a inveja, a traição, a hipocrisia, a perversidade, a difamação, o fanatismo e o ódio. Exemplo disto é dado pela União Europeia (UE). Confederação de 28 estados europeus associados por comuns interesses econômicos e estratégicos, a UE estremeceu afetada pela crise econômica mundial, pela imigração, pela xenofobia e pelo retorno do nacionalismo exacerbado (fascismo + nazismo). Havia expectativa de os estados confederados celebrarem pacto federativo no evoluir histórico, à semelhança do que ocorreu no século XVIII, nos EUA. Todavia, ronda o perigo de dissolução da UE ao prosperar o movimento separatista decorrente dos atuais desafios sociais e econômicos da Europa. Lideranças da França, Alemanha, Itália, lutam para evitar a ruptura. A pressão popular poderá ser forte nos dois sentidos: da união e da dissolução. 
A base jurídica de uma confederação de estados (como a UE) é o tratado internacional. O vínculo entre eles é dissolúvel. Cada estado é livre para dela se desligar. A base jurídica de uma federação de estados (como os EUA) é a Constituição. O vínculo entre eles é indissolúvel. A questão da indissolubilidade do vínculo federativo gerou guerra civil nos EUA, entre os estados do Norte, de um lado, a defender a união e o fim da escravatura e, de outro, os estados do Sul, que pretendiam a secessão e manter o regime escravocrata (1861 a 1865). Com a vitória do Norte, a regra da indissolubilidade se cristalizou, tornou-se dogma do constitucionalismo.  
Embora indissolúveis do ponto de vista jurídico, os laços federativos podem ser desfeitos pela via do fato. Concretas situações de efervescência política, social e econômica, provocam crises que podem implodir a federação de estados, tal como aconteceu na década de 80, do século XX, com a União Soviética. Em defesa da união, o governo federal reage ao movimento separatista valendo-se de meios pacíficos de dissuasão (conferências, acordos) ou mediante o uso da força.
A crise europeia irrompida do plebiscito de 23/06/2016, no Reino Unido (RU), está impregnada de alguns dos citados ingredientes. O RU compõe-se de quatro estados: Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte, sendo que os três primeiros convivem na grande ilha (Grã-Bretanha) e o quarto situa-se na ilha vizinha, ambas no Oceano Atlântico, Trópico de Câncer. Parcela da população do RU quer separar-se da UE. Os bretões reclamam que contribuem para a UE muito mais do que dela recebem. Mostram insatisfação com o autoritarismo do comando da UE, com a política de imigração e com a influência do Papa nessa questão. O descontentamento culminou com uma consulta aos eleitores do RU, apelidada de “brexit”, sobre romper com a UE. A maioria dos eleitores da Escócia e da Irlanda do Norte votou pela permanência na UE. A maioria dos eleitores da Inglaterra e do País de Gales votou pela saída. Na soma dos votos de todo o RU, venceu a decisão pela saída (51,9%). Escoceses e irlandeses ameaçam separar-se do RU e se integrar à UE por vontade própria e autônoma. Se tal independência concretizar-se, o RU ficará composto só de dois estados: Inglaterra e Gales. 
O alvoroço ocorreu antes de o desmembramento RU x UE estar homologado pelos parlamentos britânico e europeu. A decisão plebiscitária pode ser revista. Há forte pressão das grandes cidades da Inglaterra visando a realizar um segundo plebiscito com quorum qualificado (participação de todo o eleitorado ou, pelo menos, de uma fração significativa dele como, por exemplo, 2/3, 4/5). Pretende-se que decisão de tal magnitude obtenha, pelo menos, 60% dos votos. O Presidente da França pressiona visando ao desligamento sem demora.     
A atual crise europeia mostra a extrema sensibilidade do sistema capitalista. Imediatamente à publicação do resultado do plebiscito, houve queda nas bolsas de valores de diversos países da Europa, da América e da Ásia, bem como, a desvalorização da libra esterlina (moeda inglesa concorrente do euro e do dólar). Chefes de governo e autoridades em economia reuniram-se para analisar os efeitos econômicos da crise em níveis local e mundial, tendo em vista a globalização do mercado, da indústria e dos negócios especulativos. Nessa discussão, entra o problema da vigência e eficácia de tratados internacionais ante o princípio pacta sunt servanda e a cláusula rebus sic stantibus (os tratados vigoram e devem ser cumpridos enquanto não se alterarem as essenciais condições da sua celebração).

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