sexta-feira, 22 de julho de 2016

DIÁLOGO

LORDANUS: Boa tarde, majestade.
LAMERDE: Boa tarde, Lordanus. Aqui te chamei para convidar-te a ocupar uma cadeira na alta corte de justiça da nossa amada nação. Espero que aceites.
Lor – Vosso convite é uma ordem, majestade.
Lam – Tu sabes o quanto estou desgostoso com os ministros daquele tribunal. Neles noto tibieza, vaidade, impontualidade, parcialidade, verborragia, desapreço à toga, o que me leva a duvidar da honestidade do colegiado. Sem estar em férias, eles se ausentam frequentemente a pretexto de cuidar dos seus institutos culturais, de lecionar, palestrar e conferenciar no país e no exterior. Agindo assim, eles relegam o seu principal dever: examinar e decidir as ações judiciais. Mediante decreto presidencial proibirei essas atividades paralelas a todos os magistrados e exigirei assiduidade e dedicação exclusiva ao seu trabalho jurisdicional. 
Lor – Vossa majestade tem razão, mas gostaria de lembrar que o subsídio mensal dos ministros é uma miséria. Eles complementam a sua renda anual através daquelas atividades paralelas. Os gastos com viagens e estadias são pagos pelas universidades e pelos patrocinadores dos eventos. Quanto aos milhares de processos que aguardam exame e decisão da alta corte, não vejo como poderei ajudar, pois se trata de um problema crônico no contexto maior da corrupção endêmica e da frouxidão moral que campeiam em nossa sociedade. Ademais, baixado o decreto, de duvidosa feição democrática, se me permite o adendo, dispensável será a minha presença, até porque faltam à minha humilde pessoa, os requisitos exigidos para o desempenho de tão elevado cargo.
Lam – Mas, que merda Lordanus! Tu aceitas ou não aceitas a porra do cargo? Se aceitas, pare de resmungar e de me tratar de majestade. Sou democrata por herança paterna, porém a situação no reino, digo, no país, não é propícia à democracia, infelizmente. Aqui estou não por vontade do povo e sim pelas súplicas da nobreza que me honrou com a sua confiança. Pesa sobre os meus ombros a espinhosa missão de salvar a nossa pátria amada. Todos nós queremos a felicidade da nação e só o comando por uma elite branca, honesta e esclarecida torna possível alcançar o sublime desiderato. Precisamos iluminar a entrevada alma da massa ignara. Educação fundada em nossos princípios éticos eliminará a endemia moral. Não sou monarca constitucional e sim ditador temporário desta "republiqueta de corpo gigante e de alma pequena", como disse o poeta.
Lor – Que poeta excelência?
Lam – Não vem ao caso, Lordanus. Contudo, já que falastes em poeta, lembrei dos versos do filósofo pop Vinicius de Moraes, sobre os quais te aconselho meditar a título de cautela: “O homem que diz sou / não é / porque quem é mesmo / não diz”. Tu foste aos EUA, nossa Casa Grande, para justificar tua atuação no comando da operação suja-rápido. Na ocasião, tu declaraste ser um juiz imparcial, apartidário e não-investigativo. O público e os nossos protetores poderão entender o contrário, como nos versos do poeta. Nesta viável hipótese, a opinião pública dirá: “esse juiz diz uma coisa e faz outra oposta”. Já os nossos protetores dirão: “muito bom que ele seja o contrário do que diz ser”. Tu, prezado Lordanus, em comum entendimento com os teus fiéis procuradores, deves arquivar os inquéritos gerados pela dita operação e extinguir os processos em andamento nela fundados. Tão logo isto ocorra, nomearei a ti e aos teus fiéis procuradores, juízes da mais alta corte de justiça.      
Lor – Por favor, excelência, não vos zangueis com as minhas reticências. Eu aceito o cargo, porém não há vaga naquele egrégio sodalício! Seguirei o vosso conselho e tomarei mais cuidado quando falar ao público. Quanto aos inquéritos e processos e a concordância dos meus fiéis procuradores, a ausência de provas facilita o atendimento à ordem de vossa excelência. Colocarei em liberdade os que foram presos por meu bem intencionado e patriótico abuso de autoridade. 
Lam – Para fazer o bem, pequeno abuso até convém. Tu prestaste relevante serviço à pátria, tu és um herói nacional, mereces lugar no panteão, ao lado de Osório, Caxias, Deodoro, Paranhos (Rio Branco), Ruy, Rondon e Pelé. Tu reúnes as qualidades essenciais a um bom juiz: honestidade, imparcialidade, sensatez, pontualidade, urbanidade, bom caráter, isenção política partidária, independência e serenidade no exato cumprimento da Lei, cultura jurídica, plena consciência dos atuais problemas políticos, sociais e econômicos do país, conduta irrepreensível na vida pública e particular. Voz fina e falar mal o idioma inglês são deficiências enjoativas, porém suportáveis. 
Lor – Obrigado, excelência. Eu me esforço para ser um bom juiz, tal como aspirava Salomão, rei hebreu, apesar do meu mísero subsídio mensal, pequeno patrimônio e humilde padrão social.
Lam – Amenizarei as tuas privações. Aumentarei os parcos subsídios teus e dos magistrados em geral. Quanto à vaga, renovarei a alta corte de justiça, onde não quero mais ministros. Na alta corte e nos tribunais ordinários devem atuar juízes e não ministros. Somente haverá ministros: no meu gabinete e no tribunal de contas, futuro Conselho Nacional de Contas.
Lor – Perdoai-me se vos incomodo com as minhas dúvidas, excelência, mas como será essa renovação ante as garantias constitucionais dos magistrados?
Lam – Meu caro Lordanus: contra fatos, argumento não prevalece. Não esqueça que o país está em crise e nenhuma garantia pessoal está acima da razão de Estado. No exercício dos meus poderes como legítimo ditador desta nação, expedirei decreto com as seguintes determinações: 1. Os membros do Poder Judiciário terão o título exclusivo de juiz; 2. Ficam extintos os títulos de ministro e desembargador; 3. A alta corte de justiça passa a se denominar Tribunal Constitucional, composto de 21 juízes, que servirão por 10 anos consecutivos, após o que serão compulsoriamente aposentados com proventos proporcionais ao tempo de serviço; 4. As primeiras vagas serão preenchidas pelos juízes das instâncias ordinárias da ex-justiça federal do Paraná e por seus fiéis procuradores; 5. Ficam exonerados do cargo os ministros do ex-supremo tribunal federal com idade igual ou superior a 60 anos; 6. Nenhum juiz será admitido no Tribunal Constitucional com menos de 50 anos de idade e deverá ter, no mínimo, 20 anos de efetiva prática forense, vedada nomeação de bandidos de toga e de barnabés de toga; 7. Os juízes do Tribunal Constitucional receberão o subsídio mensal equivalente a 100 (cem) salários mínimos, tomando-se por base o valor vigente no dia 1º de maio de cada ano; 8. Compete exclusivamente ao Chefe de Estado fixar o valor do salário mínimo; 9. Os juízes das instâncias ordinárias receberão o subsídio mensal equivalente a 95% do subsídio do juiz do Tribunal Constitucional; 10. Ficam proibidos os penduricalhos, assim entendidos: abonos, gratificações, verbas indenizatórias, diárias e adicionais de qualquer natureza; 11. Fica abolida a federação, os Estados ficam transformados em Províncias e o país passa a chamar-se República do Brasil; 12. Fica extinto o Congresso Nacional e criado o Parlamento Brasileiro; 13. Serão eleitos 5 (cinco) deputados por província, independentemente de partido político, mediante os votos da Comissão Nacional Eleitoral, cujos membros serão escolhidos e nomeados pelo Chefe de Estado; 14. O mandato parlamentar será de 6 (seis) anos, vedadas a suplência e a reeleição; 15. O valor do subsídio mensal dos deputados será fixado pelo Chefe de Estado, reajustado no dia 1º de maio de cada ano, vedados os citados penduricalhos; 16. O Chefe de Estado poderá nomear pessoa da sua confiança para chefiar o governo; 17. Ao nomeado caberão os negócios de governo relativos ao desenvolvimento social e econômico, ficando sob a competência exclusiva do Chefe de Estado os assuntos sobre segurança, política e relações internacionais; 18. O Chefe de Estado é vitalício e os seus atos estão fora da apreciação judicial.
Lor – Maravilha de decreto, excelência, verdadeira reforma tão necessária ao nosso sofrido povo e aos nossos atormentados empresários. Ajudarei em tudo que for preciso para o êxito dessa reforma. Se não for abusar da sua bondade, eu poderia formular um pedido?
Lam – Sim, meu caro Lordanus, faça o seu pedido. 
Lor – Na cerimônia de posse no cargo de juiz do Tribunal Constitucional, eu posso colocar na parte frontal do barrete um distintivo com a nossa sagrada e querida cruz suástica?     
Lam – Ótima ideia. Permissão concedida. O emblema servirá para entusuasmar os presentes e colorir o tom cívico e religioso da cerimônia. 
Lor – O modo entusuástico de vossa excelência aprovar a minha singular e singela súplica me deixa agradecido e envaidecido. 

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