sexta-feira, 29 de julho de 2016

CICLOS

A natureza desafia a inteligência humana. A geometria cósmica desafia a geometria humana. O disco solar surge no horizonte avermelhado indiferente ao relógio. Altaneiro, o Sol faz a sua jornada sem se incomodar com a Terra. Ela, a submissa, gira em torno dele, o soberbo. Profusão de cores no céu, quadros de breve duração pintados pela natureza no alvorecer e no crepúsculo. Admiramos. Pronto. Acabou. Esperamos o próximo arrebol, porém as frias manhãs cobertas de cerração frustram a nossa esperança. No entardecer, o Sol esconde-se atrás do Pico das Agulhas Negras. As nuvens se acinzentam, o azul escurece. Surge o disco de prata. Lua cheia. Vem a vontade de tocar violão e cantar em serenata. A Lua mexe com as humanas emoções. Às vezes, ela mostra uma tonalidade alaranjada, exibindo-se a uma miríade de estrelas, algumas cadentes riscando o céu. Antes, ela estava menor. Cresceu. Está plena, mas irá minguar. Depois, voltará a crescer e iluminar a noite. A ciência, essa geleira, dirá: “As fases não significam que a Lua muda realmente de tamanho”. Mas que se dane a ciência! O momento é de poesia. 
Límpido céu azul da manhã primaveril. Vagarosamente, brancas e brilhantes nuvens vão se formando. O vapor que lhes dá existência parece carregar sal ou poeira metálica. Eu saio a caminhar pelas ruas sem calçamento, pista irregular de terra, aqui e acolá um torrão de pedregulhos com escória de asfalto servindo-lhes de liga. Pretinho e Brigitte acompanham-me. Idoso, Pretinho anda lento, marcha na retaguarda, macambúzio, sem a mesma disposição de outrora para perseguir frangas e pombas. Brigitte, cadela malhada, agita-se veloz ao correr, tomar a frente e se distanciar. Os dois farejam por todo o trajeto. Laika, a outra cadela, pelos marrom e branco, bonita, recatada e do lar, resiste em sair. Prefere ficar em casa.
Depois do frio outonal em abril, calor em maio. Aproveitando o veranico de maio como se dizia no Paraná, o corpo seminu à margem da piscina, depois de suportar os raios solares, mergulhava na água para se refrescar. A seguir, retornava à espreguiçadeira, contemplava as nuvens e as brechas azuladas, mas logo as pálpebras se uniam preguiçosamente. Em julho, pleno inverno, céu de nuvens claras, dias quentes e ensolarados. Veranico de julho? Sim, pelo menos no leste brasiliano, meu atual paradeiro. No sul paranaense: frio, de vez em quando sol e chuva de granizo. Na serra catarinense e gaúcha: esperança de neve para gáudio dos turistas. As estações se tornaram invasoras. O verão invade o outono. Desafiadoramente, o bougainville continuou a crescer e a florir, mas agora, vencido pelo inverno, perdeu folhas e flores, exibindo a nudez dos seus galhos. As mangueiras também aguardaram o inverno chegar e quando o vento sacudiu os ramos, as folhas se desprenderam numa solidária revoada, como pequenas borboletas, até pousarem sobre a grama.
O inverno invade a primavera. A menina-moça espanta-se com o sangramento. Por quarenta anos o suportará. Absorventes confortáveis para moça rica fazem esquecer panos do longínquo passado. Na mulher fértil, o embrião se agita e amplia o espaço uterino a cada mês até o nono. O rebento crescerá, tornar-se-á adulto e fenecerá como as plantas, mas enquanto viver sentirá fome, sede, calor, frio, dor, prazer, alternância entre a vigília e o sono, a lucidez e a loucura, os apetites da carne e os anseios do espírito. Ficará submetido ao incessante movimento pendular entre os polos opostos da sua natureza: o demoníaco, fonte das necessidades do corpo e da sabedoria dos instintos, e o angelical, fonte das aspirações da alma e da sabedoria intuitiva, transitando pelo ponto central, fonte da curiosidade, da cultura e da sabedoria racional. Da infância à velhice, desatento ao pulsar do coração, ao ritmo da respiração, da digestão, das glândulas e dos hormônios, ele passará por mudanças físicas, emocionais e mentais. Exercitará o corpo e cultivará o intelecto. Exibirá simplicidade, humildade, simpatia, vaidade, medo, coragem, arrogância, inveja, rancor e prepotência. Arderá no desejo de possuir e de matar. Experimentará os sentimentos de amor, alegria, tristeza e ódio. Valorizará a verdade, a justiça, a beleza, a bondade e a santidade. Utilizará a mentira, a fraude, a calúnia, a perfídia e a violência. Obterá vitórias e satisfação. Sofrerá derrotas e frustração. Criará ilusões e terá desilusões. Ecce homo!
Então, nos últimos segundos da sua existência, deparar-se-á com o mistério que o acompanhou desde o nascimento: existe um mundo espiritual? Se a resposta for negativa, significará que a crença é infundada, o que enseja duas conclusões: (1) a crença é subterfúgio para rejeitar a morte como o derradeiro fim da existência humana; (2) dessa crença se aproveita esperta minoria constituída de sacerdotes, pastores, missionários, rabinos, gurus, pais-de-santo, adivinhos, cartomantes, et cetera, para enganar e explorar a massa. Se a resposta for positiva, significará que a crença é fundada, o que enseja três hipóteses: (1) no mundo espiritual vivem consciências sem corpos físicos; (2) tal mundo é um campo de energia provido de inteligência, mas desprovido de individualidades; (3) o mundo é um só, porém com duas básicas dimensões: a material e a espiritual.
Põe-se a questão correlata: a consciência se apaga com a morte do corpo? Se a resposta for positiva, admitir-se-á que a consciência é tão só relação cognitiva entre o sujeito e o objeto, simples função que não sobrevive à morte cerebral. A experiência e o conhecimento acumulados durante a encarnação se perdem com a morte. Se a resposta for negativa, significa que a consciência tem substância, ou seja, possui um suporte etéreo próprio, o que enseja duas hipóteses opostas: (1) a consciência ocupará um novo corpo em nova jornada na Terra ou em outro planeta; (2) a consciência permanecerá eternamente como decalque no mundo espiritual.
Pessoas que morreram momentaneamente contam que permaneceram conscientes do ambiente em que se encontravam. A morte não fora cerebral. Parada cardíaca. O cérebro retirava da memória imagens de pessoas falecidas que pareciam aguardar a chegada do morto ao mundo espiritual. A crença na existência desse outro mundo causava tal impressão. A travessia de um túnel mencionada nesse tipo de experiência talvez seja lembrança do carnal nascimento da pessoa quando passou do útero materno à claridade do ambiente externo. O coração voltou a palpitar e aquelas pessoas recobraram os sentidos como saídas de um sono profundo e do mundo dos sonhos.
Cabe indagar: o sonho tem algum significado? Se a resposta for negativa, o sonho será apenas uma saraivada de impulsos orgânicos durante o sono infensos a qualquer interpretação válida. Se a resposta for positiva, os sonhos podem ser interpretados validamente. Questiona-se: durante o sono a mente seleciona o que o sonhador gostaria de viver, sem os limites convencionais, religiosos, éticos e jurídicos? Se a resposta for positiva, significa que os sonhos expressam desejos recalcados. Deles, o sonhador não tem consciência no estado de vigília. Se a resposta for negativa, cabem as hipóteses: (1) as imagens oníricas são realidades psíquicas à semelhança da virtualidade televisiva, ou seja, ondas ou partículas captadas e reunidas em som e imagem pelo aparelho sensorial humano; (2) os sonhos são dados oriundos do banco existente na dimensão espiritual do mundo  que afloram à consciência subjetiva enquanto a consciência objetiva está adormecida; (3) durante o sono são projetados na tela da mente diálogos e imagens, alguns extraídos do arquivo do mundo espiritual e outros construídos pelo cérebro com material retirado da memória do sonhador. 
Sem estar dormindo, o humano também sonha. A utopia é algo situado fora da realidade atual com o qual ele sonha em vigília. A pessoa sonha em ser alguma celebridade, ter um alto padrão de vida. A ambição faz sonhar acordado e a esperança alimenta o sonho. Ter casa própria, automóvel, emprego bem remunerado, poupança para gozar férias no país e no exterior, filhos diplomados por universidade, pode ser o sonho de algumas pessoas. A nação sonha ser grande, próspera, forte e dominar o mundo. Se realizado, tal sonho poderá ser um pesadelo para as demais nações.
Quando se esgotarem os segundos finais da sua vida, o ser gerado no ventre da mulher, ao completar a sua jornada terrena, terá as respostas definitivas. Enquanto viver, terá respostas provisórias ancoradas na fé religiosa, na fé mística, ou na fé científica.      

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