Segundo a doutrina de Platão contida nos seus diálogos
República e Leis, o governo do Estado devia caber aos filósofos. Da sua época
até a Idade Média inclusive, o estudo sobre a natureza, o homem, a sociedade e
a divindade, era tratado como Filosofia.
Na Idade Moderna, diversos ramos do saber foram se despregando da Filosofia.
Receberam o título de Ciência. Em
termos atuais, a doutrina de Platão significaria que o governo do Estado deve
caber a pessoas iniciadas no conhecimento científico e filosófico. Assinale-se
que o saber racional também é
possível em outras áreas do conhecimento (arte, religião, misticismo) em
paralelo com o saber intuitivo e em
concorrência com a credulidade.
Do ponto de vista racional, o bom governo tem essa
característica aristocrática, mesmo no regime democrático. Os mais bem dotados
do ponto de vista moral e intelectual devem governar. Atualmente, no Brasil,
essa qualificação ainda é apanágio da magistratura. A maioria dos legisladores
e administradores brasileiros carece de tal qualificação. Isto não significa
ausência de juízes desonestos desde a base até a cúpula do sistema judiciário;
significa isto sim, que a imoralidade no Judiciário é a exceção enquanto que no Legislativo e no Executivo a imoralidade é
a regra. Aos partidos políticos cabe
oferecer aos eleitores candidatos moral e intelectualmente bem preparados para
legislar e administrar. Aos eleitores cabe escolher, entre os candidatos, aqueles
que melhor atendam aos anseios da nação.
Entre homens de
natureza desigual a igualdade faz-se desigualdade se não se mantém entre eles a
relação correta.
Deste pensamento de Platão, seu discípulo Aristóteles tirou a célebre definição
de justiça: tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais na proporção em que se desigualam.
Não só Platão como também outros pensadores antigos e
modernos olhavam com desconfiança o governo do Estado pelo povo. Eles entendiam
que o governo do Estado por pessoas da camada pobre e ignorante da população
era contrário à natureza das coisas. O lógico, o natural e o desejável, era que
esse governo coubesse às pessoas mais bem preparadas da nação.
A história política do Brasil no Império, referente ao
período da regência, fornece candente exemplo. A Cabanagem, movimento social deflagrado na então Província do
Grão-Pará, região amazônica, proveio das agruras daquela gente pobre e
trabalhadora (sertanejos, ribeirinhos, negros, caboclos), cujas habitações
pareciam cabanas, de onde derivou o seu nome
(1835 a
1840). Os cabanos pleiteavam melhores condições de vida. Desatendidos e
reprimidos pelo governo, reagiram e partiram para a luta armada. Sem
planejamento, guiavam-se pela emoção e pela intuição. Expulsaram o Presidente
da Província, assumiram o governo, mas não sabiam governar. Embora
insatisfeitos com o governo anterior, faltava-lhes ideário e projeto de mudança.
Só vontade e insatisfação eram insuficientes para governar. O movimento
fracassou e o governo da província retornou ao poder central.
No período republicano, o Brasil foi governado por
algumas pessoas bem preparadas do ponto de vista moral e intelectual. O
ex-presidente Itamar Franco é o exemplo mais recente desse fato. Houve, também,
governantes intelectualmente preparados e moralmente deficientes. O ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, professor universitário, é o exemplo mais recente e
bem acabado desse fato vergonhoso. No que tange ao ex-presidente Luiz Inácio da
Silva, em que pese a sua origem humilde, ele não era mais operário, nem pobre e
nem ignorante, quando ocupou a presidência da república. Tanto assim, que foi
reconhecido como estadista pela
comunidade internacional. O povo o reelegeu. Entre os predicados da atual
Presidente da República, Dilma Rousseff, notam-se: a boa formação moral, a forte
personalidade, o caráter sem jaça e razoável preparo intelectual. Este perfil dá
a medida do seu provável desconforto ante a contingência de lidar com os “300
picaretas” do Congresso Nacional, a começar pelos dois pilantras que presidem a
Câmara dos Deputados e o Senado Federal.
No que concerne à justiça
como princípio da divisão do trabalho, Platão diz que a busca da resposta para
a questão sobre a essência da justiça não é uma brincadeira infantil, pois
exige um olho aguçado. Tal afirmativa merece ponderação. A criança pode não
definir o que seja justiça, porém sente o que é justo e o que é injusto; sente
que não é justo o pai bater na sua mãe; que não é justo o amiguinho lhe
arrebatar o brinquedo; que não é justo ficar de castigo por ordem da professora
porque o colega lhe chamou a atenção durante a aula; que não é justo ser
caçoada pelos colegas por ser gorda, vesga ou desajeitada.
Cada um só pode
cuidar de apenas um dos negócios relativos ao Estado, ou seja, daquele para o
qual, por natureza, se encontre mais habilitado. Justiça é cada um fazer a sua parte, sem imiscuir-se em todas as coisas
possíveis. Justiça consiste em que
cada um tenha e faça o que lhe cabe. Nestes conceitos de Platão está o
embrião filosófico do princípio da separação dos poderes no Estado e da divisão
do trabalho na Sociedade.
Que Estado é
esse que transborda de liberdade e descompostura no uso da palavra, onde todos
podem fazer sempre e livremente o que bem entendem? A fome insaciável de
liberdade, supostamente o bem mais belo da democracia, só pode conduzir
necessariamente à sua própria dissolução e à tirania. O ímpeto da liberdade há
de introduzir-se nas casas dos indivíduos, instaurando-se essa aversão pela
ordem; os pais temem os seus filhos; os mestres, os seus discípulos. Parece que Platão falava ao
Brasil de hoje.
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