No Congresso Internacional de Controle e Políticas
Públicas, organizado pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e pelo
Instituto Rui Barbosa, reunido em Belo Horizonte no dia 08/10/2015, proferiu
palestra o ministro Augusto Nardes, relator do parecer sobre as contas
apresentadas pela presidência da república relativas ao ano de 2014. No dia
anterior, em Brasília, o Tribunal de Contas da União (TCU) havia rejeitado as
contas em corporativa sessão. Oriundo do Rio Grande do Sul, celeiro de nazistas,
o ministro classificou de histórica a
decisão do TCU e de muito importante
neste momento de crise de credibilidade
pela qual atravessa o País. Reafirmou que a deliberação do TCU foi
exclusivamente técnica.
Ante o que a nação testemunhou, não merece guarida
aquela reafirmação. No campo político, não existe isenção e neutralidade. O
examinador das contas está inserido no clima político do seu País e se
posiciona segundo as suas preferências, os seus valores e a sua ideologia.
Tanto pode seguir o direito retilíneo como o direito curvilíneo. Nesse campo,
os vetores cardeais são: esquerda e direita, simetricamente aos dois
hemisférios do cérebro humano. Na aura desses vetores há posições moderadas e
posições radicais representadas por diferentes partidos políticos. Os ocupantes
dessas posições pretendem, em teoria, governar segundo o seu programa
estatutário, embora, na prática, visem à satisfação dos interesses privados dos
seus líderes e grupos satélites. Os partidos situados fora do governo oferecem
oposição aos partidos que estão dentro. Este é o jogo democrático, às vezes
praticado com elegância e respeito, outras vezes, sem limites éticos e
jurídicos, como acontece atualmente no Brasil.
A crise de
credibilidade de que fala esse ministro atinge o tribunal a que ele
pertence. A deliberação do TCU, realmente foi histórica: atingiu o ápice da falta de credibilidade e agravou sua
fraqueza moral. O exame de contas é passível de manipulação. Esse tribunal
inclui-se nas instituições nacionais referidas pelo ministro. Logo, insere-se
na crise moral endêmica. Essa crise não é de agora, como ele e o seu tribunal
maliciosamente sugerem, mas vem de longe, desde o governo Sarney, passando
pelos governos Collor, Cardoso e Silva.
Apesar dessa crise perenal, não há notícia de algum anterior parecer do TCU pela rejeição de contas
da presidência da república, salvo à do governo Vargas, sob a égide da
Constituição de 1934, que não prosperou, mormente com o advento da Carta
Orgânica de 1937, que instaurou o regime autocrático no Brasil em sintonia com
igual regime então em vigor na Alemanha.
A principal finalidade do tribunal é a de examinar
contas e não a de julgar pessoas. Eventual apuração de responsabilidade
política, administrativa, civil ou penal de administradores dos dinheiros, bens
e valores públicos, tem lugar próprio e oportuno tempo no âmbito do Poder
Judiciário. Aplicar sanções, na forma da lei, aos responsáveis por ilegalidade
de despesas ou irregularidades de contas é função meramente administrativa do
TCU. Os pacientes de tais sanções podem invocar a tutela jurisdicional: a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito (CR 5º, XXXV).
As atribuições do tribunal de contas foram se
ampliando no curso da história. A Constituição de 1891 instituiu esse tribunal
em termos simples: (1) para liquidar as contas de receita e despesa; (2)
verificar a legalidade das contas antes de prestadas ao Legislativo. A
Constituição de 1934 incluiu o tribunal de contas entre os órgãos de cooperação
nas atividades governamentais, com as atribuições de: (1) acompanhar a execução
orçamentária; (2) julgar contas dos responsáveis por dinheiros ou bens
públicos; (3) emitir parecer prévio sobre as contas que o Presidente da
República deve anualmente prestar à Câmara dos Deputados; (4) apresentar à
Câmara dos Deputados minucioso relatório do exercício financeiro terminado. Os
ministros do tribunal, nomeados pelo Presidente da República, depois de
aprovados seus nomes pelo Senado Federal, gozavam das mesmas garantias dos
ministros da Corte Suprema.
A Carta Orgânica de 1937 (ditadura civil) instituiu um
tribunal de contas cujos membros eram nomeados pelo Presidente da República com
garantias de ministros do Supremo Tribunal Federal e as seguintes atribuições:
(1) acompanhar a execução orçamentária; (2) julgar: (I) as contas dos
responsáveis por dinheiros e bens públicos; (II) a legalidade dos contratos
celebrados com a União.
A Constituição da República de 1946 manteve o tribunal
de contas com sede na Capital da República e jurisdição em todo o território
nacional. Ministros nomeados pelo Presidente da República depois de aprovada a
escolha pelo Senado Federal, gozando dos mesmos direitos, garantias,
prerrogativas e vencimentos dos ministros do Tribunal Federal de Recursos.
Constavam entre as suas atribuições: (1) acompanhar e fiscalizar a execução do
orçamento; (2) julgar: (i) as contas
dos responsáveis por dinheiros e outros bens públicos e as dos administradores
das entidades autárquicas; (ii) a legalidade
dos contratos e das aposentadorias, reformas e pensões; (3) registrar atos e
contratos da administração pública; (4) emitir parecer prévio sobre as contas
que o Presidente da República devia apresentar anualmente ao Congresso
Nacional; (5) apresentar, ao Congresso Nacional, minucioso relatório do
exercício financeiro encerrado.
Nas Cartas Orgânicas de 1967 e 1969 (ditadura militar)
o tribunal de contas é definido como órgão auxiliar do Congresso Nacional: (1)
na apreciação das contas do Presidente da República; (2) no desempenho das
funções de auditoria financeira e orçamentária; (3) no julgamento das contas
dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos; (4) no
exame da legalidade das concessões iniciais de aposentadorias, reformas e pensões.
O tribunal mantinha a sede na Capital da República e a jurisdição em todo o
território nacional. Os ministros eram nomeados pelo Presidente da República
depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal. Os indicados deviam ter idade
igual ou superior a 35 anos, idoneidade moral, notórios conhecimentos
jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública. Os ministros
eram equiparados aos ministros do Tribunal Federal de Recursos quanto aos
vencimentos, impedimentos, garantias e prerrogativas.
Nos termos da Constituição da República de 1988, o
Tribunal de Contas da União tem sede no Distrito
Federal e jurisdição em todo o território nacional. Os seus nove ministros
são escolhidos pelo Presidente da República (1/3) e pelo Congresso Nacional (2/3),
devem ter idade superior a 35 anos e inferior a 65 anos, idoneidade moral,
reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e
financeiros ou de administração pública, e mais de dez anos de exercício de
função ou de efetiva atividade profissional que exija tais conhecimentos. Os
ministros foram equiparados aos ministros do Superior Tribunal de Justiça no
que concerne aos vencimentos, impedimentos, garantias, prerrogativas e
vantagens. O TCU auxilia o Congresso Nacional no controle externo das contas
públicas, implicando a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e
indireta, quanto à legalidade, à legitimidade, à economicidade, à aplicação das
subvenções e à renúncia de receitas.
Qualquer cidadão, partido político, associação ou
sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou
ilegalidades perante esse tribunal.
Ao TCU compete: (1) apreciar: (I) as contas do
Presidente da República; (II) a legalidade: (i) dos atos de admissão de
pessoal; (ii) das concessões de aposentadorias, reformas e pensões; (2) julgar
as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e
valores públicos; (3) realizar inspeções e auditorias de natureza
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades
administrativas dos três poderes; (4) fiscalizar: (I) as contas
nacionais de empresas supranacionais de cujo capital social a União participe;
(II) a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União a Estado, ao
Distrito Federal ou a Município mediante convênio, acordo, ajuste ou outros
instrumentos congêneres; (5) prestar as informações solicitadas pelo
Congresso Nacional; (6) aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade
de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei; (7) assinar
prazo para que órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; (8) sustar a execução do ato
impugnado, se desatendido; (9) representar ao poder competente sobre
irregularidades ou abusos apurados.
O inchaço do TCU no século XX facilitou o
abuso de autoridade, ex vi da
tendência de quem exerce o poder para dele abusar, como advertia Montesquieu ao
recomendar a separação e o recíproco controle dos poderes do Estado. “Examinei
primeiramente os homens e acreditei que, nesta infinita diversidade de leis e
costumes, eles não eram conduzidos unicamente por suas próprias fantasias.” (Do Espírito das Leis). “Está na própria
essência do desejo de poder o ser ele inesgotável. A sede de poder é uma sede
que não se esgota, que jamais é saciada”. (O
Mito do Estado - Ernest Cassirer).
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