sábado, 31 de outubro de 2015

PLANO DIRETOR



Na sessão do dia 29/10/2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDF). Em discussão, a constitucionalidade de lei distrital que disciplinou os condomínios fechados na Capital da República. O MPDF sustentava que essa lei contrariou o plano diretor de Brasília e, por conseguinte, violou o artigo 182 e seus parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal. Pelo escore de 8 a 3, o plenário do STF julgou constitucional a referida lei e improcedente a ação proposta pelo MPDF.

O interessante é que havia mais concordância do que discordância entre os ministros, incluindo votos vencedores e votos vencidos. Todos estavam de acordo sobre: (1) a importância do plano diretor para as cidades com mais de vinte mil habitantes; (2) tratar-se de instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana que deve ser respeitado pelo legislador e pelo administrador; (3) a necessidade de o proprietário urbano atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade contidas no plano; (4) o censurável hábito de se sobrepor o interesse privado ao interesse da comunidade municipal no que tange à ordenação do solo urbano e das vias públicas [edificações e comércio fora das especificações e dos locais estipulados no plano diretor, com a conivência dos servidores públicos (prefeitos, vereadores, funcionários)]. 

O voto do ministro Tóffoli pautou-se pela brevidade e objetividade, incluindo tese que foi admitida pela maioria dos ministros. Censurou o caráter de repercussão geral atribuído ao caso, tendo em vista as peculiaridades dos 5.575 municípios brasileiros, o que não recomendava um tratamento genérico e centralizado. Segundo a tese aprovada, lei municipal modificativa deve ser específica e compatível com a lei municipal anterior que aprovou o plano diretor.    

Cauteloso e técnico, o ministro Barroso lembrou a regra geral da hermenêutica jurídica: lei posterior revoga lei anterior. Assim, a lei municipal que aprova o plano diretor, em que pese ser este plano um instrumento básico, poderá ser modificada ou revogada por outra lei municipal. Barroso entendeu constitucional a lei distrital impugnada e que ao STF cabia elaborar tese que justificasse o impedimento da vigência de uma lei posterior incompatível com o plano diretor.

Prudente e objetivo, o ministro Fachin, em voto divergente, decidiu pela inconstitucionalidade da lei do Distrito Federal. Afirmou que a lei modificadora do plano diretor devia seguir os mecanismos jurídicos que condicionam a elaboração desse tipo de lei municipal. Posicionou-se contra a tese vencedora.
        
As diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano devem ser fixadas em lei, conforme dispõe a Constituição da República (art. 182). O Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, fixou tais diretrizes na lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) que regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição. Em prol do bem coletivo, da segurança, do bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental, essa lei federal estabeleceu normas de ordem pública e de interesse social reguladoras do uso da propriedade urbana.

Fundado nos princípios constitucionais e nas normas ditadas por essa lei federal, cada município com mais de vinte mil habitantes institui o seu plano diretor mediante lei municipal. No processo de elaboração desse plano, os poderes Legislativo e Executivo municipais devem garantir: (1) a realização de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; (2) a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; (3) o acesso de qualquer interessado a tais documentos e informações.

O plano diretor deve respeitar a forma e o conteúdo previstos no Estatuto da Cidade. A lei municipal não pode discrepar da lei federal nesta matéria, sob pena de incorrer em ilegalidade. Lei posterior que derroga, revoga ou de algum modo altera a lei anterior que aprovou o referido plano, deverá ser compatível, na forma e no conteúdo, com a lei federal. Deverá, portanto, ser precedida de audiência pública, debates, publicidade dos documentos (laudos técnicos, pareceres, projetos) e das informações (estatísticas, equipamentos, recursos). Do ponto de vista substancial, a alteração não pode ser estranha aos objetivos do Estatuto da Cidade.

No caso examinado pelo STF, a questão da legalidade devia preceder a questão da constitucionalidade. Não ficou claro se a lei do Distrito Federal que modificara o plano diretor atendeu ou desatendeu aos requisitos formais e materiais do Estatuto da Cidade. Se o legislador distrital cumpriu as determinações da lei federal, então, agiu legal e legitimamente. Se não cumpriu aquelas determinações, incorreu em ilicitude e, de modo reflexo, contrariou a norma constitucional regulada pela referida lei (10.257/2001). 

Aqui, no Município de Itatiaia, Estado do Rio de Janeiro, onde sou domiciliado, o plano diretor foi revisto. Houve publicidade e amplo debate com a população nos diferentes bairros e na Câmara Municipal. Associações de bairros e entidades representativas dos vários setores da comunidade foram ouvidas. Prefeito e secretários municipais estiveram presentes às reuniões. O projeto de lei foi discutido com a municipalidade. Respeitou-se, pelo menos, formalmente, a lei federal (Estatuto da Cidade). A nova lei municipal revogou a anterior e instituiu novo plano diretor. O futuro dirá se o novo plano será bem executado e se a azáfama em torno da sua elaboração não foi encenação politiqueira visando, por exemplo, a reeleição do prefeito e dos vereadores.

Tendo em vista os costumes brasileiros, não se descarta a hipótese, altamente provável, de modificações introduzidas nos trâmites finais do projeto de lei a pedido de alguma indústria, de comerciantes, de empresários do ramo de transporte urbano ou dos setores imobiliário e hoteleiro. Encarta-se na probabilidade, o recebimento de dinheiro pelo prefeito, pelos secretários, vereadores e partidos, para introduzi-las. Mais grave do que a gorda propina será o fato de essas patrocinadas modificações colidirem com o interesse geral da comunidade.  


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