Na sessão do dia 07/10/2015, do Tribunal de Contas da
União (TCU), foi aprovado, por unanimidade, o parecer elaborado pelo relator que recomenda a rejeição das contas
de 2014, prestadas pela Presidente da República. A argüição de suspeição do relator
feita pelo Advogado-Geral da União foi improvida também por unanimidade. O
clima era tenso. O advogado procedeu à sustentação oral para moucos. Tudo já
estava adrede resolvido entre os ministros, cuja postura era de desagravo e
desforra. Os ministros disseram que “nada viram” de irregular na conduta do
relator. Surdez e cegueira de conveniência e de conivência. A unanimidade, em
tal circunstância, revela a mistificação e a prevalência do espírito de
corporação.
Na sessão do dia 08/10/2015, do Senado Federal,
senadores ocuparam a tribuna para criticar a deliberação do TCU. Em síntese, afirmaram:
(1) que a deliberação do TCU está eivada de partidarismo político (2) que as
contas estão corretas e a irregularidade apontada pelo relator não existe; (3)
que se existisse, não impediria a aprovação com ressalvas; (4) que a
“irregularidade” é na verdade uma operação legal conhecida como engenharia orçamentária constante das
prestações de contas de vários governos, como o de Fernando Henrique, Luiz
Ignácio e Dilma Rousseff, até 2013, sem impugnação do TCU; (5) que até o citado
ano, essa operação foi considerada legal e legítima; (6) que diante de
irregularidades, quando realmente existentes, a norma do TCU tem sido a de
aprovar as contas com ressalvas, o que não aconteceu no exame das contas de
2014; (7) que a brusca mudança de rumo no exame das contas de 2014 (realizado
neste ano de 2015) revela incoerência, malícia e parcialidade dos ministros,
que não se pejaram de participar do golpe orquestrado pela oposição após o
resultado das eleições de 2014.
O exame das contas da presidência da república pelo
TCU gerou perplexidades, tais como: (1) a interpelação direta da Presidente da
República pelo TCU, assinando-lhe prazo para a resposta; (2) a argüição de
suspeição do relator do processo como se ele fosse magistrado que violou dever
funcional; (3) a atuação do TCU como se fosse órgão judiciário. O caso
certamente desaguará no Supremo Tribunal Federal em decorrência das questões
constitucionais que suscita.
Prestar contas é obrigação de quem administra coisa alheia.
Trata-se de norma comum aos setores público e privado da sociedade. Nessa
linha, a Constituição da República (CR) impõe essa obrigação a qualquer pessoa
física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie
ou administre dinheiros, bens e valores públicos (art. 70, parágrafo
único).
O Presidente da República tem o dever de prestar
contas ao Congresso Nacional – e não ao TCU – conforme dispõe a CR (art. 49, IX,
c/c art. 84, XXIV). O TCU é órgão
auxiliar do Congresso na tarefa de fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da União. Portanto, não está no mesmo
nível institucional dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Descabe,
pois, ao TCU, interpelar o Chefe de Estado. Essa tarefa compete ao Congresso
Nacional quando alguma explicação sobre as contas apresentadas for necessária.
Ao TCU compete examinar previamente as contas do Chefe
do Executivo e emitir parecer. Em linguagem técnica, parecer não se confunde com julgar. O titular do poder de decisão
sobre as contas do Chefe do Governo é o Congresso Nacional. Ao decidir sobre a
regularidade ou irregularidade, a legalidade ou ilegalidade das contas, o
Congresso Nacional não está adstrito ao parecer
do TCU. No exercício da soberania popular, o Congresso pode decidir até de
modo contrário ao recomendado no parecer,
se isto for mais conveniente para a nação brasileira.
Segundo a origem das contas, o TCU desempenha duas
funções distintas: (1) Se a
fonte é a presidência da república, a função do TCU limita-se a examinar as
contas e emitir parecer para
conhecimento e instrução do órgão julgador que é o Congresso Nacional (CR 71,
I); (2) Se a fonte é a
administração direta e indireta, a função do TCU é a de examinar e julgar as contas (CR 71, II). Nesta
segunda função, entre outras atribuições, cabe a esse tribunal: (1) assinar prazo para que o órgão ou
entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, na
hipótese de alguma ilegalidade; (2)
aplicar sanções aos responsáveis por ilegalidade de despesas ou irregularidades
de contas. Assim, em relação ao Presidente da República, o TCU, no desempenho
da primeira função, carece de autoridade para tomar qualquer dessas medidas. Cabe
ao Congresso Nacional comunicar-se com o Presidente da República (CR 2º).
O TCU comete abuso de direito: (1) ao julgar as
contas do Presidente da República; (2) ao interpelar diretamente o
Presidente da República e lhe assinar prazo para resposta. Além da extrapolação
dos limites da sua competência, essa conduta mandarinesca do TCU impinge uma capitis deminutio ao Chefe do Governo e subverte
a hierarquia institucional.
A suspeição
do relator é evidente no plano fático e moral, porém insuscetível de ser
argüida com base na processualística civil. Inegável que a sua pública
manifestação revela parcialidade e retira credibilidade ao seu trabalho. Juízos
de valor sobre o governo da Presidente não são juízos meramente técnicos. Inserem-se
na guerra declarada pelos perdedores contra os vencedores das eleições de 2014.
Os oposicionistas ao governo federal agem como predadores, travam essa guerra
em todos os setores da vida nacional, sem qualquer freio moral ou jurídico, em
flagrante ofensa à regra democrática, sem preocupação alguma com o bem-comum e
com os superiores interesses da nação brasileira. Tais oposicionistas exibem de
modo escancarado a sua face nazi-fascista.
A nenhum ministro do TCU serve o título de magistrado. Do ponto de vista semântico,
magistrado é quem exerce superior autoridade na ordem pública. Neste amplo
sentido se diz que o Presidente da República “é o mais alto magistrado da
nação”. Todavia, no Brasil, esse título é privativo dos juízes vinculados ao
Poder Judiciário (CR 93). Somente a esses juízes é que se aplicam os preceitos
da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN (LC 35/1979). Os ministros do
TCU gozam das mesmas garantias, prerrogativas, vantagens e impedimentos dos
ministros do Superior Tribunal de Justiça, porém, isto não os torna magistrados
stricto sensu. Cuida-se de
equiparação administrativa e não jurisdicional. “O hábito não faz o monge”. O
fato de usarem vestes talares não os faz juizes de direito. Os ministros não
são juízes integrantes do Poder Judiciário.
Da LOMAN, consta a proibição do magistrado de manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião
sobre processo pendente de julgamento seu ou de outrem (art. 36, III). O
relator do processo da prestação de contas teria violado esse preceito se
fosse magistrado e se o processo fosse jurisdicional e não fiscalizador.
Além disto, a prestação de contas não estava pendente do seu julgamento nem do
julgamento dos seus pares, posto não competir a esse tribunal julgar as contas do Presidente da
República. Logo, a vedação prevista no citado preceito legal não se aplica ao
relator do referido procedimento administrativo nem a qualquer ministro do TCU.
Convém frisar que o preceito da LOMAN acima citado,
não foi recepcionado pela Constituição de 1988. A proibição de o juiz
manifestar opinião não consta do elenco das vedações discriminadas
exaustivamente sob o artigo 95, parágrafo único, da Constituição da República. Se
a Lei Maior não veda, sem referência ao legislador ordinário, não pode a lei
menor vedar. A proibição contida na lei complementar não está mais em vigor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário