terça-feira, 21 de julho de 2015

SUICIDIO DE DEUS



O problema teológico começa com a pergunta: deus existe?

A resposta negativa é dada pelos ateus. O ateísmo nega a existência de deus. Os ateus admitem o governo da natureza por ela mesma. Negam a necessidade de explicar e justificar o mundo através de um deus. Basta a razão.

A resposta afirmativa comporta duas vertentes: a deísta e a teísta. O deísmo afirma a existência de deus, criador do universo, mas não interventor. Após criar o mundo, deus não mais interfere; deixa-o sob o comando das leis naturais impregnadas da sua inteligência. Os deístas não admitem a revelação divina como fonte do conhecimento; deus nada revela aos homens. O teísmo afirma a existência de deus personalizado, criador do universo, interventor e providencial, que revela aos homens o seu saber e os seus mistérios. Os teístas admitem a revelação divina como fonte do verdadeiro conhecimento.

A seguir, vem outra pergunta: o mundo espiritual existe?

A resposta dada pelos materialistas é não. O mundo sobrenatural é invenção de pessoas que apreciam a ilusão e se deixam por ela convencer. Existe apenas o mundo natural em que vivemos. Tudo o que nele nasce nele perece. A alma nasce e morre com o corpo. Vida após a morte é pura ilusão, sonho de eternidade.

A resposta dada pelos espiritualistas é sim. Há um mundo além do mundo natural. Esse mundo sobrenatural é a morada dos deuses (ou do deus único) e das almas individuais, segundo a crença dos diferentes povos no curso da história. Os espiritualistas divergem entre si, quanto à estrutura e ao funcionamento desse mundo espiritual.

Os espiritualistas filiados à linha platônica entendem que o mundo espiritual é a realidade verdadeira; o mundo material é apenas a sombra daquele. O que existe no mundo material é uma projeção do que existe no mundo espiritual. Os dois mundos são independentes. O mundo espiritual continuará a existir ainda que o mundo material seja destruído. Deus continuará a existir na sua morada celestial. Nessa mesma linha, morto o corpo humano, a alma individual prossegue a sua existência no outro mundo. Há, pois, vida após a morte.

Algumas correntes espiritualistas (como a hinduísta e a budista) ensinam que a alma humana é individual e reencarna para se purificar pelo sofrimento. O nosso planeta é visto como um cadinho purificador. Alcançada a pureza, a alma individual não mais reencarna; permanece no mundo espiritual na companhia dos bem-aventurados. A doutrina da igreja cristã ensina que a alma individual não reencarna, permanece no mundo espiritual onde é julgada, absolvida dos pecados ou condenada ao sofrimento eterno.

Ante algumas dificuldades decorrentes da idéia de separação entre dois mundos, pensadores platônicos defendem a existência de um terceiro mundo, exclusivamente divino. Deus tem a sua própria morada que não se confunde com nenhum dos dois mundos por ele criados. Ao seu inteiro e exclusivo arbítrio deus poderá, querendo, destruir os dois mundos enquanto ele próprio continuará a existir no seu mundo exclusivo.
   
Pensadores e escolas esotéricas ensinam que entre o mundo material e o espiritual há distinção, mas não separação. Os dois mundos são harmônicos e ambos formam uma unidade cósmica: o múltiplo no uno (universo). A diferença entre os dois é apenas de freqüência vibratória, pois, na origem, comungam a mesma energia. Destarte, se um perecer o outro também perecerá. Considerando que a existência de ambos implica a existência de deus, a dissolução de ambos acarreta a morte de deus. Nesse contexto, se a dissolução decorrer da vontade divina, significará que deus se suicidou.

Na doutrina platônica e cristã, deus é ato puro; deus não foi e nem será; simples e eternamente, deus é. Deus existe por si mesmo, imóvel, imutável, infinito, primeiro motor do mundo, causa primeira de todas as coisas. Entre os povos semitas, as letras EL e AL indicam o laço sagrado ou a própria divindade (Rafael, Al-Corão). O deus dos hebreus (judeus + israelitas) recebia nomes diferentes: Elohim (singular) ou Eloah (plural), Adonai e YHWH (Javé). O deus dos cristãos é tratado de Pai Celestial, o deus dos muçulmanos, de Allah, o deus dos místicos, de Ser e Absoluto. Os gregos referiam-se à divindade como Theos.

Apesar de ser uma questão de fé, há tentativas de provar a existência de deus mediante o uso da razão. A consciência moral inata no ser humano é um dos argumentos racionais utilizados. Os humanos são dotados naturalmente da noção do bem e do mal, embora a avaliação das ações e omissões como morais ou imorais possa variar segundo a cultura de cada povo. Aquela noção natural supõe uma fonte de moralidade anterior e superior que orienta o humano em direção à justiça, à bondade, à santidade. Essa fonte é deus.

A inteligência criadora também é mencionada como prova da existência de deus. Ao contemplar a estrutura e o funcionamento do mundo natural, ao intuir as leis que o governam, impregnadas de inteligência, o ser humano percebe a existência de uma superior inteligência governante. Essa inteligência é deus. O movimento característico do universo também é apresentado como prova. O movimento indica a necessária existência de um motor que deu o impulso inicial. Esse primeiro motor é deus. O princípio da causalidade constitui outro argumento racional. Da constatação de que tudo no mundo material tem uma causa e de que cada causa é efeito de outra antecedente (sucessão de causas e efeitos), infere-se a existência de uma causa inicial. A causa primeira de todas as coisas é deus. Argumenta-se ainda com a transitoriedade das coisas no mundo material. Ao verificar a contingência, natural ao mundo físico, onde tudo que nele nasce nele perece, o espiritualista intui que só deus é permanente, estável e absoluto. A essencialidade é outro argumento racional. Atributos como sabedoria, poder, nobreza moral, podem se conservar ou se perder durante a existência de cada indivíduo. Todavia, em deus, poderes e virtudes são da sua essência; deus não tem sabedoria, poder e nobreza; deus é sabedoria, poder e nobreza.         

Pensadores, sacerdotes, escolas esotéricas, apresentam deus sob diferentes formas, ora como ser animado, ora como inanimado; ora concentrado, ora difuso. Geralmente, apresentam-no sob forma humana, com predicados humanos. A religião dos hebreus e a religião dos cristãos atribuem forma humana aos seus deuses. Afirmam que o homem foi criado à imagem e semelhança de deus. Isto faz do homem um projeto divino e afaga o seu ego. Deus também é apresentado como algo semelhante ao Sol, que ilumina a mente e aquece o coração dos humanos (doutrina monoteísta do faraó Aquenaton).

Para alguns místicos, deus não tem forma alguma; apenas, essência. Deus não ocupa lugar no espaço e nem dura no tempo. Deus não é feio e nem bonito, não é bom e nem mau, não é justo e nem injusto, não é verdadeiro e nem falso. Na incapacidade de atingir a verdade suprema, os humanos imaginam o que deus é e como deus é. Imaginam, também, o que deus deve ser e os atributos que deus deve ter. Os humanos tomam a si mesmos e o mundo em que vivem como premissas das suas inferências. Na esfera metafísica, há somente opinião ao invés de certeza; reina a suposição; há muita dúvida e vasta ignorância.   

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