A destruição do mundo físico implica destruição do
mundo espiritual? O fim do mundo com seus múltiplos universos cada qual com
bilhões de galáxias afigura-se possibilidade remota, mas se ocorrer será por
determinação natural e não por “castigo de deus”. Os humanos vivem num desses
universos, no sistema solar localizado na periferia de uma galáxia chamada Via
Láctea. Os cientistas elaboram suas teorias a partir da observação desse
universo. Acreditam que ele teve origem em uma explosão de energia concentrada
e supõem que o mesmo deve ter acontecido com os outros universos. Notaram que o
nosso universo está em
expansão. Alguns entendem que essa expansão é infinita;
outros que haverá um limite e o universo ficará estacionário; outros que,
atingido o limite, haverá movimento inverso, o universo começará a se contrair,
as galáxias e os astros se fundirão até um ponto máximo de concentração quando
explodirá e formará um novo universo. Tudo na forma da lei natural e não por
ira divina. A vida na Terra extinguir-se-á dentro de um bilhão de anos,
aproximadamente, quando o Sol consumir todo o seu combustível.
O fim do mundo noticiado nas profecias bíblicas
referia-se, na verdade, à extinção da vida vegetal e animal em nosso planeta,
especialmente da vida humana por sua implicação com o pecado, violação dos
mandamentos divinos. Verificamos que as profecias do Antigo Testamento são
todas posteriores aos fatos a que aludem. Antigo Testamento é uma coleção de
livros sobre o povo hebreu (israelita + judeu) organizada no século quarto
antes de Cristo e que juntamente com o Novo Testamento constitui a Bíblia. Novo
Testamento é uma coleção de textos elaborados em nome dos apóstolos cristãos organizada no século
quarto depois de Cristo. A única profecia de algo que ainda não havia
acontecido e que iria acontecer consta do Novo Testamento, atribuída a Jesus. Tratava-se de predição
de curto prazo sobre o que iria acontecer naqueles dias com aquela geração: o juízo final. Esse dia não chegou para aquela e nem para as gerações
futuras. Certamente, a profecia foi inventada pelos apóstolos.
Sabemos o que é o mundo físico, desde o átomo até a
galáxia, desde a semente até o pinheiro, desde a bactéria até o ser humano, mas
não sabemos o que é o mundo espiritual. Na opinião dos adeptos do materialismo,
tal mundo não existe; a vida é um fenômeno químico próprio do mundo material; a
vida começa e acaba neste mundo; não há vida após a morte. Na opinião dos
adeptos do espiritualismo, o mundo espiritual existe, a sua organização é invisível
e nele habitam almas que foram encarnadas e passaram pela morte física.
Há uma concepção restrita de mundo espiritual para designar a produção cultural dos humanos:
idéias, sentimentos, crenças, aspirações, valores éticos e estéticos, que compõem o
conhecimento vulgar, técnico, artístico, científico, filosófico, religioso, místico, e
orientam os aspectos pessoais e institucionais da vida em sociedade. Embora
criadores desse mundo, os humanos divergem constantemente sobre o significado
daquilo que eles mesmos criaram. Assim, por exemplo, criaram o Estado e divergem
quanto a sua definição (há dezenas de definições); criaram divindades e
divergem quanto aos atributos divinos. Outra concepção de mundo espiritual considera-o de existência autônoma, acima do mundo
natural e do mundo cultural. Trata-se de um mundo imaterial organizado segundo
leis divinas e povoado por seres desprovidos de corpo físico. Essa crença é o
alicerce das religiões. Cada pessoa, cada tribo, cada nação, constrói a imagem
desse mundo.
Em decorrência da sua arquitetura mental, os humanos
pensam o mundo espiritual em termos de espaço e tempo. O brocardo assim como encima é embaixo exemplifica
esse pensamento. A ordem natural e a ordem social são consideradas réplica da
ordem celestial. Na alegoria da caverna, Platão lança a imagem do mundo material como
sombra do mundo espiritual. Segundo esse filósofo, as idéias e ações humanas reproduzem
os arquétipos existentes no outro mundo. Doutrinas religiosas povoam o mundo
espiritual com deuses, deusas, santos, santas, anjos, arcanjos, querubins,
serafins e entes diáfanos bons e maus, sábios e ignorantes.
A necessidade humana do pão espiritual torna viáveis a
mitologia e a religiosidade. Mito e religião são aparentados. O ser humano cria
o mito: narrativa, deuses e heróis. Os membros do clã ou da nação compartilham
do mito. A tradição conserva-o. No seu livro “O Poder do Mito”, diz Joseph
Campbell: O mito é uma pista para as
potencialidades espirituais da vida humana. Ao invés de um sentido para a vida, busca-se uma experiência de estar
vivo de modo que essa experiência no plano puramente físico tenha ressonância
no interior do ser humano. Essa ressonância provoca o enlevo de estar vivo. O
mito ajuda a colocar a mente em contacto com a experiência de estar vivo.
A ilusão é o
fermento do pão espiritual, armadilha do conhecimento. As igrejas exigem dos
crentes a fé antes do saber; acreditar no desconhecido. Quem pauta sua existência
pelo conhecimento racional procede de modo contrário: busca saber antes de
crer. A fé lúcida consiste nisto: primeiro saber e depois crer. Em seu livro Las Formas Elementales de la Vida Religiosa
o sociólogo francês Émile Durkheim considera a religião fenômeno social
derivado dessa fome espiritual sentida pelo grupo humano desde remota
antiguidade quando ainda não havia templo nem teologia. Os líderes religiosos
aconselham os seguidores a ter fé e abandonar a razão nos assuntos espirituais
como se a faculdade de raciocinar fosse coisa do demônio. Deus colocou fé no coração do homem. Lúcifer colocou razão no cérebro do homem.
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