terça-feira, 7 de julho de 2015

FIM DO MUNDO III



A destruição do mundo físico implica destruição do mundo espiritual? O fim do mundo com seus múltiplos universos cada qual com bilhões de galáxias afigura-se possibilidade remota, mas se ocorrer será por determinação natural e não por “castigo de deus”. Os humanos vivem num desses universos, no sistema solar localizado na periferia de uma galáxia chamada Via Láctea. Os cientistas elaboram suas teorias a partir da observação desse universo. Acreditam que ele teve origem em uma explosão de energia concentrada e supõem que o mesmo deve ter acontecido com os outros universos. Notaram que o nosso universo está em expansão. Alguns entendem que essa expansão é infinita; outros que haverá um limite e o universo ficará estacionário; outros que, atingido o limite, haverá movimento inverso, o universo começará a se contrair, as galáxias e os astros se fundirão até um ponto máximo de concentração quando explodirá e formará um novo universo. Tudo na forma da lei natural e não por ira divina. A vida na Terra extinguir-se-á dentro de um bilhão de anos, aproximadamente, quando o Sol consumir todo o seu combustível.

O fim do mundo noticiado nas profecias bíblicas referia-se, na verdade, à extinção da vida vegetal e animal em nosso planeta, especialmente da vida humana por sua implicação com o pecado, violação dos mandamentos divinos. Verificamos que as profecias do Antigo Testamento são todas posteriores aos fatos a que aludem. Antigo Testamento é uma coleção de livros sobre o povo hebreu (israelita + judeu) organizada no século quarto antes de Cristo e que juntamente com o Novo Testamento constitui a Bíblia. Novo Testamento é uma coleção de textos elaborados em  nome dos apóstolos cristãos organizada no século quarto depois de Cristo. A única profecia de algo que ainda não havia acontecido e que iria acontecer consta do Novo Testamento, atribuída a Jesus. Tratava-se de predição de curto prazo sobre o que iria acontecer naqueles dias com aquela geração: o juízo final. Esse dia não chegou para aquela e nem para as gerações futuras. Certamente, a profecia foi inventada pelos apóstolos. 

Sabemos o que é o mundo físico, desde o átomo até a galáxia, desde a semente até o pinheiro, desde a bactéria até o ser humano, mas não sabemos o que é o mundo espiritual. Na opinião dos adeptos do materialismo, tal mundo não existe; a vida é um fenômeno químico próprio do mundo material; a vida começa e acaba neste mundo; não há vida após a morte. Na opinião dos adeptos do espiritualismo, o mundo espiritual existe, a sua organização é invisível e nele habitam almas que foram encarnadas e passaram pela morte física. 

Há uma concepção restrita de mundo espiritual para designar a produção cultural dos humanos: idéias, sentimentos, crenças, aspirações, valores éticos e estéticos, que compõem o conhecimento vulgar, técnico, artístico, científico, filosófico, religioso, místico, e orientam os aspectos pessoais e institucionais da vida em sociedade. Embora criadores desse mundo, os humanos divergem constantemente sobre o significado daquilo que eles mesmos criaram. Assim, por exemplo, criaram o Estado e divergem quanto a sua definição (há dezenas de definições); criaram divindades e divergem quanto aos atributos divinos. Outra concepção de mundo espiritual considera-o de existência autônoma, acima do mundo natural e do mundo cultural. Trata-se de um mundo imaterial organizado segundo leis divinas e povoado por seres desprovidos de corpo físico. Essa crença é o alicerce das religiões. Cada pessoa, cada tribo, cada nação, constrói a imagem desse mundo.

Em decorrência da sua arquitetura mental, os humanos pensam o mundo espiritual em termos de espaço e tempo. O brocardo assim como encima é embaixo exemplifica esse pensamento. A ordem natural e a ordem social são consideradas réplica da ordem celestial. Na alegoria da caverna, Platão lança a imagem do mundo material como sombra do mundo espiritual. Segundo esse filósofo, as idéias e ações humanas reproduzem os arquétipos existentes no outro mundo. Doutrinas religiosas povoam o mundo espiritual com deuses, deusas, santos, santas, anjos, arcanjos, querubins, serafins e entes diáfanos bons e maus, sábios e ignorantes.

A necessidade humana do pão espiritual torna viáveis a mitologia e a religiosidade. Mito e religião são aparentados. O ser humano cria o mito: narrativa, deuses e heróis. Os membros do clã ou da nação compartilham do mito. A tradição conserva-o. No seu livro “O Poder do Mito”, diz Joseph Campbell: O mito é uma pista para as potencialidades espirituais da vida humana. Ao invés de um sentido para a vida, busca-se uma experiência de estar vivo de modo que essa experiência no plano puramente físico tenha ressonância no interior do ser humano. Essa ressonância provoca o enlevo de estar vivo. O mito ajuda a colocar a mente em contacto com a experiência de estar vivo.

A ilusão é o fermento do pão espiritual, armadilha do conhecimento. As igrejas exigem dos crentes a fé antes do saber; acreditar no desconhecido. Quem pauta sua existência pelo conhecimento racional procede de modo contrário: busca saber antes de crer. A fé lúcida consiste nisto: primeiro saber e depois crer. Em seu livro Las Formas Elementales de la Vida Religiosa o sociólogo francês Émile Durkheim considera a religião fenômeno social derivado dessa fome espiritual sentida pelo grupo humano desde remota antiguidade quando ainda não havia templo nem teologia. Os líderes religiosos aconselham os seguidores a ter fé e abandonar a razão nos assuntos espirituais como se a faculdade de raciocinar fosse coisa do demônio. Deus colocou no coração do homem. Lúcifer colocou razão no cérebro do homem.

Nenhum comentário: