sábado, 18 de julho de 2015

FIM DO MUNDO V



FIM DO MUNDO V

A doutrina da alma é contraditória, diz Hans Kelsen, jurista e filósofo tcheco (austríaco), em seu livro “A Ilusão da Justiça” (1985). Kelsen notou vacilo da doutrina que, de um lado, afirma existir uma única alma imortal e, de outro, afirma existir duas almas: a divina e a humana, ambas imortais. A alma divina é pura e contempla o verdadeiro, o justo, o bom e o belo. A alma humana, impregnada do mal, é submetida a julgamento perante um tribunal. Por causa do seu peso, a humana tende a voltar para a Terra e a reencarnar. A essência da doutrina da alma é a justiça como valor ético. Bem e mal são as díades da doutrina. O bem é recompensado com o bem e o mal é castigado com o mal. Cuida-se do princípio retributivo: prêmio e penalidade.

O princípio retributivo mencionado por Kelsen é conhecido como karma no hinduísmo. Bons pensamentos e sentimentos, boas palavras e ações, geram benefício para a pessoa e para a coletividade. Maus pensamentos e sentimentos, más palavras e ações, geram malefício para a pessoa e para a coletividade. O karma corresponde à lei natural de causa e efeito, ação e reação. Vulgarmente, o karma é visto como relação pessoal de caráter punitivo. Cada indivíduo carrega a sua cruz com o peso dos seus pecados. O mal que hoje fizeres, amanhã o receberás; quem com ferro fere, com ferro será ferido; quem semeia vento, colhe tempestade; aqui se faz, aqui se paga; frases usuais que expressam o funcionamento da referida lei. Há, todavia, o menos lembrado karma recompensador: o bem que hoje fizeres, amanhã o receberás. Nos pratos da balança da justiça cármica pesarão a boa e a má conduta do indivíduo. Se o prato da bondade pesar mais, a alma do indivíduo, após a morte do corpo, gozará da bem-aventurança; se o prato da maldade pesar mais, a alma do indivíduo permanecerá no ciclo das reencarnações. A vida aqui na Terra é vista como castigo e sofrimento purificador. Com o propósito de ajudar a humanidade a se elevar espiritualmente, mestres iluminados abdicam da bem-aventurança e reencarnam. No budismo, eles recebem o nome de boddhisatvas. Há, também, o karma coletivo de uma cidade, ou de uma nação, que se manifesta como felicidade e infortúnio, progresso e retrocesso, paz e guerra, segundo sejam bons ou maus os costumes e o proceder da comunidade.
   
A alma tem sido conceituada como algo imaterial e imortal cuja existência o ser humano intui em si mesmo. Todavia, a placidez da crença na imaterialidade da alma está sendo perturbada pela Física. Cientistas contemporâneos como Fritjof Capra, Stephen W. Hawking e Brian Greene, em suas respectivas obras de divulgação científica, arrolam três componentes básicos do universo: (1) matéria clara (átomos, fótons, neutrinos), parte menor do universo + (2) matéria escura (partículas desconhecidas), parte maior do que a anterior + (3) tecido difuso (natureza desconhecida), parte maior do que as duas outras juntas.

Na opinião dos cientistas, a terceira parte (ou camada) que se convencionou chamar de plasma, compõe 65% do universo e pode ser a fonte de energia das outras duas partes (ou camadas). Esse plasma aproxima-se do que se entende por alma cósmica em linguagem mística. Platão já asseverava que a alma gera todo movimento e toda mudança. O referido tecido cósmico, difuso e diáfano, fonte da energia inteligente responsável pelo movimento e pela vida do universo, assemelha-se à alma cósmica de que falam os místicos, com a espantosa diferença de a sua natureza ser material e imaterial. O plasma integra os dois mundos: material e espiritual. Disto se extrai a ilação de que o corpo humano está no interior da alma (plasma). A personalidade humana é como um decalque na alma cósmica. A matéria do universo (na qual se inclui o corpo humano) está mergulhada no oceano cósmico (plasma, influxo provedor e conservador que liga todas as coisas). Há uma conexão entre tudo o que existe nas faces material e espiritual do universo. A personalidade humana (alma “individual”) é um dos efeitos dessa conexão. A personalidade permanece com a sua freqüência vibratória no seio da alma cósmica após a morte do corpo humano. Essa personalidade anímica pode reencarnar, segundo a crença oriental. Os monges tibetanos percebem quando a personalidade anímica do Dalai Lama reencarna e saem à sua procura até localizá-lo, identificá-lo e entronizá-lo. O exemplo mais sensível para o ocidente cristão foi dado pelos magos do século XX. Eles afirmaram que a personalidade anímica de Jesus reencarnou no Curdistão. Portanto, nesta encarnação, Jesus tem outro nome, a aparência, as vestes e os hábitos do povo curdo, e está com 45 anos de idade, aproximadamente. 

O plasma (alma, tecido ou oceano cósmicos) poderá ser qualificado de vida no sentido amplo, isto é, como energia fundamental e inteligente geradora e mantenedora dos dois mundos: o de estrutura atômica (mineral, vegetal e animal) e o de matéria escura. Neste amplo sentido da palavra, inverte-se a proposição tradicional: ao invés de a vida ser gerada no mundo físico, a vida é que gera o mundo físico. O sentido amplo da palavra vida aqui utilizado ajusta-se à tríade mística que expressa a base imaterial do universo: Vida+Luz+Amor. No sentido estrito e biológico da palavra, a “vida” (vegetal e animal) só floresceu em nosso planeta quando reunidas condições ambientais favoráveis, o que demorou milhões de anos para acontecer. Na linha evolutiva do reino animal no planeta Terra, a vida humana surgiu por último.

O cientista austríaco Fritjof Capra, especialista em Física de Alta Energia, no livro “O Tao da Física” (1974), traçou o paralelo entre o conhecimento científico situado nos limites da razão, expresso em palavras e números, e o conhecimento místico oriental que dispensa o raciocínio e não pode ser expresso adequadamente em palavras. Capra voltou ao tema no livro “O Ponto de Mutação” (1981), defendendo mudança de paradigma para enfrentar a crise ecológica, social e econômica que eclodiu no planeta na segunda metade do século XX. Crise de percepção, diz ele, conceitos de obsoleta visão de mundo aplicados indevidamente a uma nova realidade.   

O paralelo retro mencionado autoriza a visão de um universo completo, com as suas três partes componentes integradas. As partes menores no interior da parte maior, ou seja, a esfera maior contendo as esferas menores. A esfericidade – e não a hipótese de fundo, aqui aventada – vem mencionada no livro “O Universo numa Casca de Noz” (2001), do físico teórico Stephen Hawking, quando diz que a história mais simples do universo no tempo imaginário é uma esfera, como a superfície da Terra, mas com duas dimensões a mais. A esfericidade é imagem presente no intelecto desde que os humanos contemplaram a abóbada celeste, o Sol, a Lua, e a empregam na linguagem: “esfera celeste”, “esfera social”, “esfera pública”, “esfera particular”, “esfera religiosa”, e assim por diante, para significar o ambiente em cujo interior algo existe. A esfera é a figura mais perfeita (Pitágoras). O SER é imóvel, imutável, completo, sem devir, assemelha-se a uma esfera perfeitamente redonda (Parmênides). No seu interior, reside o bem; fora dos limites dessa esfera reside o mal.
    
A radical separação entre os mundos material e espiritual ainda pode ser questionada com base na teoria do físico Albert Einstein, segundo a qual, na sua origem, a matéria é energia. A energia é vibratória. As vibrações têm diferentes freqüências. Matéria e energia (espírito) distinguem-se apenas pela baixa e alta freqüência das suas vibrações. Mundo material e mundo espiritual são as duas faces do universo, formam uma unidade cósmica e se distinguem apenas pela freqüência vibratória. A expansão da consciência humana de um lado a outro do universo depende da modulação dessa freqüência. Os místicos utilizam incenso, vela, som vocálico, música, oração e concentração, com o objetivo de alterar a freqüência vibratória do ambiente e, assim, torná-lo propício à meditação e facilitar o acesso ao lado espiritual do universo. Eles não buscam o mundo espiritual nas estrelas ou em algum ponto do espaço e sim em outra faixa vibratória.

Sendo inseparáveis o mundo material e o mundo espiritual, a destruição de um implica a destruição do outro. Destarte, o fim do mundo por vontade divina significa o suicídio de deus.

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