Aquela frase atribuída a Jesus (o meu reino não é deste mundo) pode significar a existência de uma esfera
metafísica, sobrenatural, imaterial; domínio espiritual diverso do mundo
natural e humano; realidade sem estrutura molecular onde vivem entidades
diáfanas. A essa esfera acessam personalidades que desencarnam, sem
possibilidade de ascensão do corpo. Segundo a doutrina cristã, personalidades
encarnadas têm acesso mental e temporário à esfera metafísica mediante prece e a
intermediação de Jesus. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao
Pai senão por mim” (João 14: 6). Modéstia não era o forte de Jesus.
Intrigante a afirmação de que o reino de Deus não virá
de um modo ostensivo porque ele já está
no meio de vós (Lucas 17: 20/21). A expressão “meio de vós” permite mais de
uma interpretação: (i) como dentro de nós,
em nossos corações e (ii) como entre nós,
difuso no mundo natural. A segunda interpretação sugere que o mundo natural
está embrenhado no mundo sobrenatural. O universo físico está mergulhado no
oceano cósmico denominado reino de Deus
à semelhança do que os astrofísicos contemporâneos denominam mar de matéria escura (Hawking e Greene,
nas obras já citadas). Lícito é concluir que o universo físico e o universo
espiritual interagem e integram o reino
de Deus. Desse modo, a compatibilidade da primeira interpretação com a segunda
mostra-se possível. Interessante notar que na oração ensinada aos discípulos, Jesus
diz: “venha a nós o vosso reino”, como se o reino de Deus viesse de fora, de
outro mundo separado do nosso. As referências ao trono de Deus e ao lado direito
de Deus pressupõem as idéias de corpo, realeza e espaço (posição à esquerda
ou à direita do rei sentado; altura, comprimento, largura) a indicar que o
mundo espiritual e divino concebido pela doutrina cristã tem características do
mundo material e humano.
Deus é uma incógnita, o grande mistério que escapa à
compreensão humana. Deus não se confina em definição alguma, tal como a areia
que a peneira do pedreiro não consegue reter. Em termos lógicos, a idéia deus funciona à semelhança da hipotética
norma fundamental da ordem jurídica que pode ser assim enunciada: todos devem obediência às normas postas pela
autoridade legítima ou pelo costume. (Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito. Coimbra,
Armênio Amado, 1962, vol. I, pág. 16, 44 + vol. II, pág. 64/65). A idéia deus funciona como pressuposto
fundamental do pensamento religioso. A base desse pensamento está na crença de
que Deus é o poder supremo que gerou e
governa o mundo. Destarte, todos os seres estão submetidos às leis emanadas
desse poder. Cada indivíduo faz a sua própria idéia e imagem de Deus, quando
não reproduz as que lhe foram transmitidas na família, na comunidade, na escola
e na igreja. Pessoas criam instituições civis e religiosas para cultivar,
defender e transmitir as idéias e imagens que comungam. Os mistérios do mundo natural
e sobrenatural criados por estas instituições dificilmente resistem à análise
racional. Tome-se como exemplo a trindade católica: pai + filho + espírito
santo. Porque pai e não mãe? Porque filho e não filha? Porque espírito santo e
não alma universal? Na tentativa de suavizar esta arbitrária e discriminatória supremacia
masculina, a igreja inventou a virgindade de Maria (mãe de sete filhos) e a
endeusou. Santa para os olhos (estátuas) e deusa para o coração dos crentes.
Deus independe da idéia e da imagem que dele façam
seres inteligentes deste e de outros planetas. Divina é a fonte de todos os
seres: galáxias, estrelas, planetas, asteróides, minerais, vegetais, animais. Qualificar
como Deus, ou filho de Deus, indivíduo deste ou de outro planeta é fantasia herética.
De acordo com o estágio atual do conhecimento científico, todos os seres
tiveram origem no processo natural evolutivo inaugurado com uma poderosa
explosão há bilhões de anos (big bang).
Esse processo inclui a estrutura e o funcionamento do universo. Formidáveis colisões
com corpos celestes em diferentes épocas produziram alterações geológicas e
climáticas em nosso planeta, extinguiram espécies e ensejaram o aparecimento de
novas formas de vida. Após uma destas colisões (a que extinguiu os dinossauros)
surgiram novas espécies de seres vivos, inclusive a humana, em diferentes
pontos do planeta (e não exclusivamente em solo africano como afirma a teoria
dominante afeiçoada ao Gênesis bíblico). Aliás, a configuração atual dos continentes
não é a mesma do passado remoto, nem o biótipo humano foi sempre o mesmo em
todos os quadrantes e épocas.
Em filme documentário exibido na televisão, o
astrônomo Carl Sagan mostra a Terra do tamanho da cabeça de um alfinete, vista
do planeta Saturno, e tece breve comentário sobre a insensatez humana de
guerrear por território. Vistos da Terra, a olho nu, em noite de céu limpo e
estrelado, o imenso planeta Saturno e estrelas maiores do que o Sol também
parecem cabeças de alfinete. O universo está se expandindo em velocidade cada
vez maior, dizem os astrônomos. Não há posição fixa e definitiva como imaginavam
escritores bíblicos, igreja e filósofos naturais (cientistas medievais). A concepção
do universo de Newton, no século XVII (1601-1700), não encontrou respaldo na
investigação científica do século XX (1901-2000). À medida que se desloca, o universo
cria o seu espaço. Tempo e espaço imbricam-se na teoria de Einstein. Se a expansão
do universo tiver limite, põe-se a questão: o universo fixar-se-á nesse limite
ou retrocederá até a concentração máxima seguida de nova explosão (big bang)? Cientistas modernos acreditam
nesta última hipótese. Místicos orientais afirmam que essa expansão e contração
é a grande respiração do deus Brama.
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