No que concerne à existência do mundo sobrenatural, a humanidade
se divide em três grupos: (1) dos que não acreditam; (2) dos que acreditam; (3)
dos que duvidam.
Os integrantes do primeiro grupo constituem a parcela
da população do globo terrestre denominada materialista.
Essa parcela nega a existência do mundo espiritual. Entende que o universo
é um moto contínuo que gera sua própria energia, produz movimento, reproduz a
si mesmo mediante regularidades do seu mecanismo sem intervenção de vontade externa
e sem fonte criadora anterior. Na recorrente comparação do universo com um
relógio, os materialistas dispensam o relojoeiro. O relógio construiu a si
mesmo, mediante a sua própria e originária força. O mundo físico é a única
realidade existente. Doutrinas sobre um mundo espiritual brotam da imaginação,
sem base empírica, e ensejam a exploração dos povos pelos detentores do poder
político, econômico e religioso.
Os integrantes do segundo grupo constituem a parcela da
humanidade denominada espiritualista. Afirmam
a existência do mundo espiritual. Sem relojoeiro não há relógio. Sem criador
não há criatura. A crença na existência de um mundo sobrenatural está na base
das antigas e modernas religiões. A diversidade de religiões implica distintas respostas
às mesmas questões sobre a estrutura e o funcionamento desse mundo sobrenatural,
tais como: se há espaço, tempo, movimento e vida à semelhança do mundo natural;
se há relacionamento entre os seus habitantes; se há comunicação entre eles e
os humanos; se participam de algum processo evolutivo; se há governantes e
governados como aqui na Terra.
A parcela espiritualista da humanidade biparte-se em
politeísta e monoteísta. O politeísmo é a forma religiosa mais antiga. Está
presente nas culturas dos grupos humanos desde o estágio neolítico (10.000 a.C.) até o atual
estágio da civilização (2.000 d.C.). Os povos antigos (Egito, Suméria, Babilônia,
Assíria, Pérsia, Grécia, Roma) cultuavam uma pletora de deuses. Os povos da atualidade
continuam a cultuar divindades, quer os autóctones dos diversos continentes
(indígenas) quer os adeptos das religiões orientais (civilizados). Para o hindu
e outros povos deste século XXI não há deus único. Diferente da trindade cristã
(pai + filho + espírito santo) a trindade hindu Brama, Vishnu, Shiva não constitui
uma só pessoa; são três divindades distintas, cada qual com função e poder
próprios. O politeísmo é uma forte tendência do espírito humano. Os deuses e as
deusas são idealizações dos anseios e temores humanos; expressões do amor e do
ódio; imagens do bem e do mal; projeções das faces angelical e demoníaca do ser
humano. Dos instintos humanos, da fragilidade humana, da sensação de
impotência, da necessidade de proteção, nascem divindades e cultos. A igreja cristã
camuflou o politeísmo: (i) na pluralidade de santos e de seres angelicais; (ii)
na unidade trina (como na receita de doce: três em um só). Na ocidental
sociedade de consumo, os deuses Mercúrio, Baco e Vênus imperam na economia, no
lazer e no prazer, sem que disto os consumidores estejam cônscios. Culto
instintivo. Rituais costumeiros. Conduta habitual e padronizada de venerar o
dinheiro, a diversão e o sexo.
O monoteísmo surge na XVIII dinastia egípcia, como crença
esotérica de uma fraternidade aristocrática. Amenhotep IV (1380-1362 a.C.), faraó dessa
dinastia, apoiado pelos sacerdotes de Heliópolis, aborrecido com a corrupção
dos sacerdotes de Tebas, estendeu à massa o monoteísmo da elite. Declarou publicamente
a existência de um único deus denominado Aton,
mudou o seu próprio nome para Aquenaton
e convenceu os súditos a render culto ao novo deus. Após a morte desse faraó, o
politeísmo volta a ser praticado pelo povo. Moisés, príncipe egípcio, leva o
monoteísmo a outras terras juntamente com o povo hebreu que vivia no Egito. Depois
de matar cerca de 3.000 hebreus que se recusavam a abandonar o politeísmo e a
idolatria, Moisés enfiou o monoteísmo goela abaixo do “povo eleito”. No plano
dos fatos, os hebreus tornaram-se henoteístas:
cultuavam Javé (jhwh), mas admitiam deuses de outros povos. Originalmente, o
próprio Javé era deus dos kenitas, povo que habitava as cercanias do Monte
Sinai. Moisés serviu-se desse deus como ícone da sua religião monoteísta.
(Edward McNall Burns. História da
Civilização Ocidental. Rio, Globo, 1955, vol. I - pág. 144).
Os cristãos herdaram o monoteísmo de Aquenaton e de
Moisés, ramificado em deísta e teísta. Segundo o ramo deísta, o universo é governado por inflexíveis leis divinas. Por isso
mesmo, após o ato de criação, Deus não mais intervém no mundo. A sintonia com
essas leis possibilita aos humanos uma existência tranqüila e feliz. O mecanismo
automático dessas leis explica fatos que os humanos consideram milagrosos ou
derivados da providência divina. Já para o ramo teísta, Deus cria o mundo e nele intervém, revela o oculto aos
humanos e atende pessoalmente as súplicas dos fiéis. Os monoteístas divergem
entre si também quanto à identidade de Deus. Para uma facção, Deus onipotente,
onisciente, onipresente, ostenta forma e substância. Falta concordância nas
respostas dadas por esse grupo a alguns questionamentos sobre a forma de Deus (geométrica,
natural, humana?), a substância de Deus (palpável ou impalpável, visível ou
invisível, estruturada ou difusa?), e a posição de Deus (estática ou dinâmica?).
Para outra facção, Deus não tem forma, é energia poderosa, infinita, inteligente,
volitiva, geradora do mundo e das leis que o mantêm em movimento.
No monoteísmo cristão houve dissidência aberta por Ario,
bispo de Alexandria, no século IV (301-400). O sacerdote negava a divindade de
Jesus. Afirmava que a natureza do pai era distinta da natureza do filho. Como
criatura, Jesus estava sujeito ao pecado; não era onipotente, onisciente,
onipresente, como Deus. A doutrina do sacerdote alicerçava-se: (1) na história,
posto que Jesus, por seus contemporâneos, era visto como ser humano e tratado
como profeta e mestre (rabi) e não
como deus; (2) na lógica: criador e criatura são distintos. O arianismo
(doutrina de Ario) abalou o dogma da santíssima trindade e teve muitos adeptos.
A sua propagação foi semelhante ao rastilho de pólvora a que se põe fogo: houve
exílio de papa, tomada de igrejas, batalhas e mortes entre os católicos. A
partir daí, nota-se uma especificação: considera-se cristão quem segue os preceitos ditados por Jesus e católico o cristão que aceita o dogma da
santíssima trindade ditado pela igreja.
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