sábado, 1 de junho de 2024

DEUSES & AVATARES

Revelação da palavra de Deus aos homens para salvação dos homens nada mais é do que estratagema para atribuir suprema autoridade: (i) às ideias humanas, por mais tolas que sejam (ii) aos propósitos humanos, por mais sórdidos que sejam. Salvar os homens do quê? Eles não são náufragos e sim habitantes de um planeta juntamente com os animais irracionais, todos submetidos às leis da natureza. Além disto, os animais racionais (homo sapiens) submetem-se também às leis ditadas pelos legisladores humanos. O inferno é construção ficcional humana. Deus, sendo poder absoluto, não tem concorrente e não celebra pactos. Deus, sendo alma e inteligência cósmicas, não se equivoca e não se comunica usando palavras do dicionário humano. Ante os equívocos que contém, alguns até grosseiros, a Bíblia não pode ser vista como “Palavra de Deus”. O Gênesis, primeiro livro da Bíblia, por exemplo, está redondamente equivocado no relato sobre a origem do universo e da humanidade. Comete sacrilégio quem atribui a Deus as baboseiras contidas nas escrituras “sagradas”. Assim, também, pratica vigarice quem afirma ter escrito ou falado sob "inspiração divina". Deus não tem pai, mãe, esposa, filho, aluno e nem procuradores. 
Todo conhecimento, seja vulgar, artístico, tecnológico, científico, filosófico ou místico, provém da inteligência e da sensibilidade dos humanos, expresso nas linguagens discursiva e matemática, contém verdades e falsidades de maior ou menor duração e extensão. No curso de 6 mil anos, num movimento ora regular ora irregular, ora retilíneo ora curvilíneo, ora para cima ora para baixo, vicissitudes, necessidades, utilidades e interesses (a) geraram, modificaram e extinguiram costumes, leis e instituições (b) trasladaram domínios tanto empíricos como especulativos (c) forjaram ideologias e crenças.
Mediante erros e acertos, nestes seis milênios, ampliaram-se o autoconhecimento dos humanos e os conhecimentos sobre a natureza, a sociedade e o estado. Da luz do fogo à luz elétrica, da flecha ao míssil, da tração animal à tração motorizada, da carroça à nave espacial, do sinal de fumaça à telecomunicação, da inscrição rupestre à escrita digital eletrônica, da comunidade tribal à comunidade internacional, a humanidade caminhou pelas áreas da técnica, da ciência, da informação e das relações. 
No que tange à moral e à religião, afigura-se inadequado trata-las em termos de progresso e retrocesso tendo em vista a plasticidade da conduta humana. A dinâmica social, desde as primeiras civilizações até as atuais, inclui a geometria fractal da natureza. Caracteriza-se pela regularidade e pela irregularidade, pela calmaria e pela turbulência. Nas relações humanas, ora pacíficas ora conflituosas, incluem-se a obediência e a desobediência às regras, a licitude e a ilicitude, a reprodução e a fragmentação de padrões. Essa dinâmica ajusta-se ao princípio de incerteza da física quântica. 
As relações humanas estribam-se na verdade, na justiça, na honestidade, na bondade, na beleza e na santidade. Esses valores são hierarquizados de maneira distinta conforme a época, o lugar, a mentalidade prevalecente na comunidade, as prioridades e os interesses em jogo. A honestidade, a verdade e a justiça são os valores menos respeitados por governantes e governados. O desrespeito varia na razão inversa do grau da educação moral e cívica de cada nação. Quanto maior o grau da educação de um povo, menos frequente será o desrespeito. 
Após a vitória dos capitalistas sobre os nobres feudais, a dimensão econômica passou a preponderar na Europa e na América. A deusa Pecúnia foi entronada no panteão. No seu altar são sacrificadas vidas, moralidade, fraternidade e dignidade humana. A ascensão do fator econômico implicou redução do poder sacerdotal na seara política. Entretanto, em alguns países ainda é forte a influência da religião (Índia, Irã, Paquistão). A raiz da crença religiosa está fincada no espírito humano. Desde a Idade da Pedra: [1] Evoluíram os cultos, as liturgias, as organizações clericais e a arquitetura dos templos [2] Estagnaram e permanecem vivos e intactos no espírito humano os nutrientes da fé religiosa: (i) medo, ignorância, superstição e debilidade da massa popular (ii) impotência diante das terrificantes forças da natureza (iii) anseio por superior e divina proteção (iv) esperança por vida melhor num mundo espiritual.  
A imaginação envolve numa aura de mistério fatos naturais como: (i) a existência e o movimento dos astros (ii) o formato de uma pedra, de uma montanha, de uma árvore ou de um animal (iii) o nascimento e a morte. Nesse diapasão, os humanos acalentam a fantasia de um mundo espiritual habitado por deuses, anjos, demônios e por espíritos sem corpo físico que aguardam encarnação ou reencarnação. Surgem avatares, profetas, mestres, guias, pastores, missionários, autoproclamando-se mensageiros das ordens e da vontade dos deuses. Jesus foi um deles. Assim como Sócrates, filósofo grego, Jesus, profeta hebreu, também nada deixou por escrito. Ambos foram condenados à morte por decisão judicial. O pouco que se sabe da vida e do pensamento de Jesus foi escrito ou ditado por seus seguidores mais de 60 anos depois da sua morte. Não há registro confiável e desapaixonado feito por historiadores idôneos. 

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