domingo, 18 de junho de 2023

PROVA

As religiões com suas doutrinas e seus rituais de louvor, oferendas, nascimento, fertilização, morte, resultam da necessidade de superior proteção sentida pela humanidade. A insegurança diante dos perigos e danos causados pela natureza e pela vida em sociedade; a certeza da transitoriedade do presente; a incerteza do futuro; a precariedade dos meios para solucionar problemas existenciais; a esperança de uma vida melhor e de um mundo melhor; tudo isto leva os humanos a suplicar pela intervenção de forças sobrenaturais existentes num suposto mundo espiritual governado por alguma  divindade; tudo isto congrega os humanos em religiões cujas liturgias visam à sublimação. Há deuses e ritos comuns às religiões. Os romanos adotaram deuses gregos dando-lhes nomes latinos. Há trindades divinas nas religiões egípcia, hindu, romana e cristã. Os hebreus, originalmente politeístas, adotaram o monoteísmo do faraó Aquenáton (1372-1334 a.C.).
Consta do Novo Testamento que os apóstolos não acreditaram de imediato naquele homem que se apresentou como o profeta crucificado. Então, ele exibiu as mãos e os pés. Explicou-lhes que “era necessário que se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. Referindo-se a si mesmo, prossegue: “Assim é que está escrito e assim era necessário que Cristo padecesse, mas que ressuscitasse dos mortos ao terceiro dia”. O apóstolo Tomé, que estava ausente naquele encontro, não acreditou quando lhe deram a notícia da ressurreição do mestre. Ele precisava ver para crer. Viu, tocou no corpo do homem e acreditou. Em resposta, Jesus lhe disse: “Creste porque me viste. Felizes aqueles que creem sem ter visto”. Implicitamente, o profeta sugeriu que (i) o caminho para o conhecimento das coisas sagradas é o da fé e não o da razão (ii) o olhar do buscador deve ser para dentro de si e não para fora. As marcas no corpo eram a prova de que se tratava de homem que fora crucificado, mas, não era prova de que esse homem era o profeta. A prova complementar consistiu no modo pelo qual aquele homem se comportava, falava e expressava a sua vontade e o seu pensamento naquela ocasião. Por intuição sensorial, os apóstolos se convenceram de que aquele homem com roupas comuns, de cabelos cortados e barba raspada, era o profeta crucificado. 
A via racional e as vias intuitivas sensorial e intelectual são inadequadas para acessar o suposto mundo espiritual. O acesso a esse conhecimento se dá por via intuitiva espiritual mágica e extática, fora do processo racional de produção de prova. Basta a fé religiosa e mística. A magia implica o uso de ocultas forças cósmicas. O mago sabe operar com essas forças. Elias, Moisés, Jesus e outros profetas milagreiros pertencem à família dos magos. A nuvem que desceu sobre o Monte Sinai, com suas formas, aparelhos e estrépitos no encontro de Moisés com o deus Javé, assemelha-se à nuvem com suas formas, aparelhos e estrépitos mencionada por Ezequiel. Isto também lembra as ascensões ao céu (i) de Elias, num turbilhão de vento (ii) de Jesus, sem nuvem, sem turbilhão e sem nave espacial. No campo do conhecimento até o século XVI da era cristã, na Europa, reinavam o religioso, o sobrenatural e a tradição mágica. Os autores da Bíblia estavam condicionados por essa visão religiosa, sobrenatural e mágica do mundo aliada à experiência social do século V a.C. ao século IV d.C.
As vias intuitivas utilizadas pelo humano para conhecer a si mesmo e ao mundo dispensam o método científico. Assim, por exemplo, sem observação, sem experimentação, sem qualquer prova, fundado apenas nos seus estudos no campo da Física, Einstein admitiu a existência de uma inteligência superior (divina). Fê-lo por via intuitiva intelectual exclusivamente, pois, a especulação em torno da existência de Deus não era objeto da sua investigação científica. Embora respeitável, trata-se de opinião particular baseada na  autoridade intelectual do autor, portanto, sem validade universal. Por séculos e séculos acreditou-se (i) na opinião de Ptolomeu de que o firmamento girava em torno da Terra (ii) na versão da Bíblia de que a Terra era o centro do mundo e que os humanos eram o centro das atenções de Deus e donos da natureza (iii) que Moisés subiu ao Monte Sinai e de lá desceu com as tábuas da lei (iv) que Deus gastou 6 dias para criar o mundo e gastou 40 dias e 40 noites para redigir e gravar na pedra 10 frases curtas. Na redação da escritura religiosa participam instintos, sentidos, crenças, propósitos, vontades, sentimentos, fé, inteligência e fraquezas dos redatores; vale dizer: entram em cena a falsidade, a malícia e a opinião facciosa,
O conhecimento religioso centra-se na ideia da criação divina do mundo. Tal conhecimento obtido por revelação divina vale por si mesmo. Consideradas sagradas, as escrituras são apresentadas como prova documental. Notoriedade e autoridade do doutrinador e do pregador bastam para convencer os crentes, mas, não bastam para convencer quem pretenda investigar de modo livre e racional a origem e a dinâmica dos atos e fatos religiosos. As narrativas ficam restritas ao terreno da ficção se não houver prova obtida no adequado processo racional. Entretanto, segundo o “apóstolo” Paulo, Deus pode ser conhecido pela luz natural da razão humana a partir das coisas criadas (intuição intelectual). Diferente de uma escritura pública de compra e venda de imóvel, a escritura religiosa não é prova documental do que nela se contém. As suas fabulações e apologias, os seus enfoques teológicos de acontecimentos históricos, tudo aguarda comprovação. A escritura expõe doutrinas e dogmas que (i) condicionam a mente e sensibilizam o coração dos humanos (ii) informam leis e costumes (iii) influem na hierarquia dos valores. A Bíblia, por exemplo, integra a cultura de povos europeus e americanos.

Bíblia Sagrada. São Paulo. Editora Ave Maria. 1987. Antigo Testamento. Êxodo 24: 18 + 31: 18 + 34: 28. Ezequiel. 01: 4/28. II Reis 2: 01. Novo Testamento. Romanos 01: 18/20. Mateus 28: 16/17. Marcos 16: 12/14, 19. Lucas 24: 30/31, 36/46. João 20: 19/29.
Biblia Sagrada. Rio de Janeiro. Edição Barsa. 1967.
Burns, Edward McNall. História da Civilização Ocidental. Porto Alegre. Globo. 1955.
Henry, John. A Revolução Científica. RJ. Jorge Zahar Editor. 1998.
Hessen, Johannes. Teoria do Conhecimento. Coimbra. Armênio Amado Editor. 1978. 
Mahfuz, Naguib. Akhenaton. O Rei Herege. Rio/São Paulo. Editora Record. 2005.
Velasco, Francisco Diez. Breve Historia de las Religiones. Madri. Alianza Editorial. 2008. 

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