quinta-feira, 6 de abril de 2023

DIÁLOGOS

Primeiro diálogo. 
Cidadão informando o policial: Seu guarda, há um homem, logo ali, estuprando uma mulher. 
Policial: Tem certeza?
Cid: Tenho. Eu vi com estes olhos que a terra um dia há de comer. 
Pol: Então, vamos lá. 
Cid [chegando ao local]: Eu não disse? Ai está!
Pol: Realmente. 
Cid: Como assim, “realmente”? O senhor não vai fazer nada? Vamos só ficar olhando?
Pol: Evidente que vou fazer alguma coisa pois este é o meu dever como zelador da lei e da ordem. 
Cid: Mas, então, o que estamos esperando?
Pol: O homem gozar.
Cid: E a mulher? Não conta?
Pol [sério, com o semblante fechado, explicando]: Conta sim. Se ela quiser, também pode gozar. A natureza não dá saltos. Não se pode interromper o fluxo natural das coisas. A mulher foi feita para o homem comê-la. Multiplicar é a lei da natureza. Entre os humanos essa lei atua mediante coito. Após consumado o ato sexual, ou seja, depois de a cópula carnal chegar ao seu clímax, atingindo a finalidade da lei natural, aí então, caso não tenha havido consentimento da parceira, eu prendo e arrebento o safado, na forma do costume. Dura lex sed lex!
Segundo diálogo. 
Cidadão informando o policial: Seu guarda, há um homem ali do outro lado da praça, estuprando a nação. 
Policial: Tem certeza?
Cidadão: Tenho. Eu não só vi como senti na carne a violência. 
Pol: Então, vamos lá. 
Cid [chegando ao elegante gabinete no último andar do imponente edifício]: Eu não disse? Aí está!
Pol: Realmente. 
Cid: Como assim, “realmente”? O senhor não vai fazer nada? Só vai ficar olhando?
Pol [já de mau humor]: Evidente que, opportuno tempore, eu vou fazer alguma coisa, pois este é o meu dever como zelador da lei, da ordem, da integridade, da saúde e do desenvolvimento da nação. 
Cid: Mas, então, o que o senhor está esperando?
Pol: O homem gozar, porra!
Cid: Como assim, esperar o sujeito gozar? E a nação, como fica?
Pol [fingindo complacência em tom doutoral]: Se me permite o uso do linguajar palaciano, lembro-te que a nação foi criada para ser fodida, mesmo sem o consentimento dela, por pequeno grupo de pessoas. Tecnicamente, portanto, data vênia das opiniões em contrário, o que você está vendo não tipifica estupro e sim licença pra foder. Antigo chefe autoritário baixou lei transferindo o seu poder soberano de foder a nação ao funcionário que assumir a posição que ora estamos a testemunhar. 
Cid: Não estou entendendo! Se estamos numa república democrática presidencialista onde a Constituição jurídica distribui o poder político soberano aos 3 órgãos que especifica, como pode haver um quarto, quinto ou sexto poder, sem que uma assembléia constituinte assim o determine?  
Pol: Para entender, você tem que desvincular o que deve ser daquilo que é e que acontece de fato no país. O fato, o hábito e o costume, integram a dinâmica do ser e nem sempre correspondem à virtualidade do dever ser. O direito não se realiza plenamente na sua pureza e quando positivado, também não cobre toda a complexa e mutante realidade social. 
Cid: Desculpe, mas estou sentindo náuseas. Preciso sair daqui. 
Pol [fingindo tristeza e descontentamento com o status quo]: Lamento. No plano dos fatos, o funcionário nomeado para a função pode foder a nação quantas vezes lhe aprouver durante 4 anos consecutivos. Antes disto, nem deus pode interromper esse conúbio. Destarte, eu nada posso fazer além de um arcabouço fiscal. Exaurido o quatriênio, eu chamo a ambulância, encaminho a nação à UTI e tomo as providências cabíveis a fim de, no devido processo legal, nos próximos 30 anos, apurar a responsabilidade do pilantra e lançá-lo no calabouço. Dura lex sed lex!

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