quinta-feira, 16 de março de 2023

PRECONCEITO JUVENIL

Três jovens alunas da faculdade de biomedicina de Bauru/SP debocharam, em vídeo, de outra caloura por motivo da idade. Segundo noticiou a média nacional, a vítima é mulher de 44 anos de idade, trabalhadora, ajuda no sustento da família e não teve chance de ingressar na faculdade enquanto jovem, porém, manteve acesa a chama. 
A conduta das mocinhas encaixa-se nas características gerais da juventude americana: imatura, leviana, rebelde, contestadora, impaciente, preconceituosa, maldosa (e até cruel) nos seus julgamentos, nas suas opiniões e atitudes. Por ser da nova geração, essa juventude acha-se mais esperta e inteligente do que as pessoas das gerações anteriores. O episódio paulista mostrou que a discriminação preconceituosa quanto a origem, raça, cor, sexo e idade das pessoas, manifesta-se nas diversas faixas etárias. Jovens, adultos e idosos são agentes e pacientes do preconceito. Nesse episódio, as agentes foram mocinhas da camada social de poder aquisitivo acima da média que independem do trabalho para o próprio sustento. A paciente foi mulher na faixa dos 40, de menor poder aquisitivo e que sempre trabalhou. Nota-se que as mocinhas ficaram incomodadas não apenas com a idade, mas, também, com a origem social da caloura. Elas provavelmente não serão expulsas porque isto representaria perda de receita para a faculdade particular. O desagravo público e a nota da diretoria à imprensa serão vistos como suficientes para compensar a ofensa e remediar o sofrimento da vítima. 
A educação de milhões de brasileiros de famílias pobres depende das escolas públicas. Estas são insuficientes diante da demanda. Muitos que completam o segundo grau não entram na universidade por necessidade de trabalhar durante o dia a fim de prover o sustento próprio e da família. Tomo por amostragem a família em que nasci e que integrava a camada pobre da população paranaense. Meu irmão e duas irmãs não foram além do nível secundário. Circunstancialmente, só eu e as duas outras irmãs conseguimos admissão no ensino superior.  
Na universidade pública de Curitiba/PR, em 1960, só havia cursos diurnos. Em faculdades particulares havia dois cursos noturnos: Direito e Economia. Eu trabalhava durante o dia numa fábrica de bebidas e não podia perder o emprego. Assim, abandonei o cursinho preparatório ao exame vestibular para Engenharia. Depois de outro cursinho preparatório, prestei exame vestibular para Direito em curso noturno de faculdade particular. A mensalidade consumia parte do meu modesto salário. Do que sobrava, a parte maior era entregue aos meus pais; a parte menor cobria os meus gastos com passagens de ônibus e cigarros (fumar ainda estava na moda). As mesmas roupas durante anos. Mamãe as mantinha limpas e passadas a ferro quente. Papai, operário ferroviário, morreu pouco antes de se aposentar e não viu o filho diplomar-se. Gastos na boemia de fim-de-semana por conta dos companheiros. O violão cobria a minha parte. 
Havia 111 (cento e onze) alunos na minha turma da faculdade. A única mulher tinha 25 anos e trabalhava na Assembleia Legislativa. Os “idosos” distribuíam-se nas faixas dos 50 e dos 60, alguns calvos, outros de cabelos brancos, com ares de titios e de vovôs. Os “maduros”, nas faixas dos 30 e dos 40. Os jovens, na faixa dos 20, à qual eu pertencia. A maioria dos alunos trabalhava nos setores público e privado. Pequena minoria era sustentada pelos pais. Apesar das diferenças de idade e de status, todos comportavam-se de modo igualitário como estudantes, conversas sobre as matérias, as provas, os professores e também sobre política, futebol, música popular, filmes, peças teatrais, atores e atrizes destacados. A boemia era exclusiva dos solteiros.  
Embora juiz de direito e professor de direito constitucional, todavia preocupado com a didática, resolvi cursar o mestrado da PUC/RJ, aos 40 anos de idade. Nem todo juiz é bom professor. Nem todo professor é bom juiz. Durante o curso não houve sombras no meu relacionamento com os colegas mais jovens, todos no mesmo plano (1979-1981). 
Das minhas irmãs, a mais nova conquistou, aos 22 anos de idade, o diploma universitário de Educação Física. Exerceu o magistério até se aposentar. Então, com mais de 50 anos de idade, entrou para o curso de Filosofia e se diplomou ao lado de alunas e alunos mais jovens, presente o espírito de camaradagem, sem discriminação ostensiva. A outra irmã casou aos 18 anos de idade, gerou e criou dois filhos e enviuvou aos 46. Então, voltou para a escola, completou o segundo grau, prestou exame vestibular e ingressou na Faculdade de Artes do Paraná aos 50 anos de idade. Ela era a mais velha da turma. Alguns professores eram mais novos. Depois de diplomada, iniciou e concluiu a pós-graduação em Teatro. Ela sempre foi tratada com carinho e respeito pelos colegas mais jovens. 
Ante o exposto, cabe o questionamento: O episódio da faculdade paulista obedece a um comportamento normal da juventude estudantil, ou, a um comportamento desviante? 
Parece tratar-se de comportamento normal no restrito e íntimo círculo de jovens cujos pensamentos e atitudes são mantidos entre eles em sigilosa comunhão e cumplicidade. A descuidada postagem do vídeo rompeu o sigilo e ganhou espaço exterior. Palavras e atitudes preconceituosas chegaram ao conhecimento do público. 


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