domingo, 5 de março de 2023

MARISA

Cidade natal: Ponta Grossa. Estado: Paraná. Século XX. Anos 40. Meninos e meninas com idade igual ou inferior a 7 anos matriculados pelos pais no Jardim da Infância da Escola de Aplicação. As pequenas mãos ensaiam o dedilhar nas contas do rosário. Nos ouvidos, o latim das missas e os rumores da guerra. Vitória dos soldados brasileiros na Itália. Conversa de gente grande. Criança não mete o bico. Criança tem que estudar, respeitar os mais velhos, obedecer aos pais e à professora. “Escreveu não leu, pau comeu”.
No matutino baile infantil de fim do ano letivo, Fritz, meu rival, adiantou-se e tirou para dançar a minha adorada Marisa. Menina quieta, magra, olhos fundos, rosto pálido e miúdo emoldurado por cabelos castanho-escuros. Bailando com ela, Fritz passava por mim e ria zombeteiro com ar de triunfo. Coração apertado e doído, mortificado pelo ciúme, chorei. Minha irmã com apenas 10 anos de idade e a professora tentavam me consolar. Indicavam Sônia, libanesa alegre e bonita, olhos e cabelos castanho-claros, disposta a dançar comigo. Resisti. Só Marisa importava. Contudo, o rosto saudável e sorridente de Sônia e o brilho do seu olhar venceram a minha teimosia. Dançamos. Parei de chorar por quem não gostava de mim. 
No ano seguinte, nós quatro, entre outras crianças, ingressamos na mesma classe inicial do curso primário da mesma escola. Punia-se conversa em aula. O castigo consistia em fazer o menino sentar ao lado de menina. Era vergonhoso menino ficar junto a menina, falar e brincar com menina, como se fosse maricas. Menino tem que conversar, brincar, jogar e brigar com menino. Como castigo por palrear durante a aula, eu fui posto ao lado de Sônia na primeira carteira da fila de frente para o quadro-negro e rente à professora. Sentado junto à delicada libanesa, olhei para trás. Marisa fitava-me de modo estranho, como procurasse entender o porquê da minha paixão se ela nunca manifestara apreço por mim. Eu queria que dos meus olhos emanasse perdão por ela ter preferido o branco, risonho e roliço alemãozinho, mas, o meu moreno, brioso e amante coração fechou-se à magnanimidade. Eu e Sônia entabulamos conversa. Houve empatia. “Parece que não tem jeito”, disse a professora apontando para nós dois com leve e gentil gesto de censura. A classe achou graça. O castigo durou até a aula terminar. Na saída, os coleguinhas não zoaram. Perceberam que não conseguiriam me encabular.      
Chamava-se Irene a jovem, querida e simpática professora. Dela ganhei o livro Pinóquio, colorido, com texto em letras grandes, gravuras e dedicatória, como prêmio pelo primeiro lugar nas provas finais. Hoje, o velho coração acelera com essas reminiscências. Bate mais forte, terno e grato ao lembrar da graciosa menina libanesa. Na calma contemplação do passado, compreendeu que Marisa tinha sido a sua paixão, porém, Sônia foi o seu real, sereno e inocente amor. 
Depois do calor com Marisa
Soprou fresca e suave brisa 
Que afastou a tirana insônia 
E trouxe a candura de Sônia
Voraz e veloz o tempo passou 
Mas nem tudo foi tristeza e dor 
Por Marisa você se apaixonou 
Mas foi Sônia o teu doce amor

Um comentário:

Unknown disse...

Que lindos foram, os seus amores da infância.