domingo, 30 de janeiro de 2022

LIBERDADE & PODER

A oposição liberdade x poder na política assume, às vezes, proporções dramáticas e deságua em revoluções armadas. No entanto, sob prisma conceitual filosófico, ambas são notas da mesma definição: 1. Liberdade é o poder de alguém (indivíduo, grupo, classe, povo, governo) de eficazmente fazer o que pensa, o que quer, o que lhe interessa, superar óbices, inclusive determinar o agir de outrém (indivíduo, grupo, classe, povo, governo). 2. Poder é a liberdade de alguém de eficazmente... (idem). Essa definição comum aos dois termos supõe (i) ausência de grilhões (ii) capacidade física, intelectual, moral e espiritual, porém, no plano social, encontra barreiras consistentes [1] na mútua dependência dos humanos [2] na busca solidária do bem comum [3] nos impulsos (i) genético para a ordem e (ii) evolutivo para o progresso [4] no ordenamento jurídico. Tais barreiras não esterilizam o absolutismo da verdade, apesar da ironia de Blaise Pascal. A teoria da relatividade de Albert Einstein não significa morte da verdade absoluta. Bertrand Russell demonstrou que nem tudo é relativo, mas tão somente a parte subjetiva da humana observação do mundo físico. 
O relativismo na ética e a relatividade na física são distintos, embora tenham em comum a ideia de relação. O cadáver do messias é uma evidência física. Se digo que o messias está morto, expresso uma verdade absoluta. Ao afirmar [1] que todos são iguais perante a lei, digo uma verdade formal (de direito) [2] que a desigualdade é presença constante nas relações humanas, digo uma verdade material (de fato). No plano lógico, em relação à verdade, toda certeza é absoluta, toda opinião é relativa, toda dúvida é indefinida, toda ignorância é obscuridade.
O animal humano nasce e vive no seio da natureza e da sociedade. Antropólogos constataram que os silvícolas da América, da África, da Oceania: (i) viviam agrupados em famílias (ii) o isolamento do indivíduo era exceção consequente do castigo ou do rito de passagem (iii) pensamento lógico e transcendência espiritual são comuns a silvícolas e a civilizados. Na literatura romântica, Crusoé e Tarzan viveram algum tempo isolados da civilização, conviveram com nativos, exibiram a supremacia branca. Na antiga civilização, os egípcios exibiram a supremacia negra. 
Como animal político, o humano está sujeito aos determinismos do mundo da natureza (leis físicas e biológicas) e do mundo social (regras operacionais, especulativas, morais, jurídicas, religiosas). Esse determinismo natural e social orienta e condiciona a liberdade e o poder dos humanos. Diferentes dos outros animais, os humanos têm a capacidade: [1] de manifestar, expressar e controlar pensamentos, sentimentos, paixões [2] de conhecer a si próprios e o mundo exterior [3] de se propor fins segundo (i) as suas vontades, necessidades, utilidades e possibilidades (ii) os seus ideais, interesses, caprichos, vícios, frustrações e idiossincrasias. As convenções dos usos e costumes, da moral, do direito, da religião, constituem o mecanismo de frenagem dessa humana liberdade. Vezes sem conta, legisladores, chefes de governo, juízes, violam esse mecanismo a fim de substituí-lo ou destruí-lo. Do grau máximo de liberdade e poder resultam: [1] tirania, se exercido pelo governante [2] anarquia, se exercido pelo povo. 
Autoridade e liberdade relacionam-se em proporções variadas sob o manto da Constituição. Assim, por exemplo, no Poder Judiciário, a obediência às regras processuais é dever do juíz e garantia do cidadão. No processo judicial, exige-se prova da materialidade dos fatos. Às partes cabe produzi-la; ao juiz, avalia-la. A prova não é absoluta e nem relativa e sim o meio de se apurar a existência e a verdade dos fatos. Em si mesma, entretanto, a prova pode estar viciada (falso testemunho, documento forjado, laudo pericial tendencioso). Cabe ao juiz examinar o conjunto probatório e decidir em sintonia com a prova que lhe parecer mais convincente. Nisto consistem: [1] a liberdade do juiz na apreciação da prova [2] a base fática e racional da sua convicção. 
A liberdade de convencimento e o poder de julgar têm como parâmetros a razoabilidade e o senso comum de justiça. Restrito ao objeto da demanda, o livre convencimento significa que o juiz (i) não está preso a opinião alheia (ii) não está obrigado a aceitar uma prova em detrimento de outra (iii) decide segundo a certeza que lhe proporcionam a instrução processual e aquilo que de ordinário acontece na sociedade em que vive. A honesta interpretação, a sensata, adequada e serena aplicação da regra de direito ao caso concreto e o código de ética da magistratura são balizas da independência judicial. Fora das balizas (i) o livre convencimento será corolário do direito livre, doutrina francesa incompatível com a ordem jurídica brasileira (ii) o poder de julgar será arbitrário. Segundo o direito brasileiro, o juiz deve decidir a lide nos limites em que foi proposta e com base na lei; na falta de lei, recorrerá (salvo na jurisdição criminal) à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito; só decidirá por equidade nos casos previstos em lei. Descabe ao juiz brasileiro: (i) criar direito para o caso sob sua apreciação (ii) instruir as partes (iii) impedir a produção de prova ou ignorar a que foi produzida (iv) atuar com parcialidade. Compete-lhe assegurar às partes igualdade de tratamento, velar pela rápida solução do litígio, prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça. 

Cohen, Morris. Introducción a la Lógica. México. Fondo de Cultura Económica. 1952.
Lévi-Strauss, Claude. O Pensamento Selvagem. SP. Nacional. 2ª edição. 1976.
Russell, Bertrand. ABC da Relatividade. Rio. Zahar. 2005. 
CR/1988, 5°, LII/LVI + CPP 251/256 + CPC 125/128 + DL 4.657/1942, 4º/5º .


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