quarta-feira, 22 de julho de 2020

CLASSES EM LUTA

Na conversa durante recente almoço em família, entre outros assuntos, entrou o da luta de classes. O tema foi provocado por minha filha Gabriela (1975...) mulher inteligente, culta, laboriosa (e bonita), candidata pelo Partido dos Trabalhadores (PT) ao cargo de Prefeito Municipal de Resende/RJ. Portanto, natural que o assunto viesse à baila. Involuntariamente, escandalizei a confraria com a minha opinião negativista. Colocaram-se contra a minha opinião: Gabi e Evandro, meu filho mais velho (1972...), advogado, mestre em ciências jurídicas pela UFRJ. Minha esposa, minha nora e meu genro se mantiveram equidistantes. Inspirado nesse episódio e sem o clima polêmico que o cercou, resolvi escrever o presente artigo. 
Tanto na vida tribal como na vida civilizada sempre houve diversidade de ideias, de interesses, de sentimentos e de posições hierárquicas no meio social. Esse fato histórico recebeu tratamento ideológico através da teoria marxista lastreada na realidade social e econômica da Europa do século XIX (1801-1900). As relações econômicas entre o capital e o trabalho, realçadas pela nascente industrialização, serviram de substrato fático à teoria. Entretanto, a atual realidade social e econômica da Europa e da América está diferente. Após os estudos de Carlos Marx (1818-1883), genial filósofo prussiano, o corpo social europeu cresceu, vivenciou duas guerras mundiais (1914/1918 + 1939/1945), diversificou-se técnica e cientificamente. Hoje, falar em luta de classes soa como anacronismo. A roupa ideológica usada no corpo social de 1820 não cabe no corpo social de 2020, tal como a roupa da infância não cabe no adolescente. 
Classificar por semelhança e diferença é operação da inteligência humana tanto na observação vulgar das coisas quanto na investigação científica e filosófica. Significa reunir e arrumar racionalmente coisas da natureza, da sociedade e do estado para fins cognitivos. Carlos Lineu (1707-1778), naturalista e médico sueco, considerado pai da taxonomia, criador da classificação científica num encadeamento lógico partindo do geral ao particular, segundo semelhanças estruturais e funcionais, assim hierarquizou os seres vivos: vida, domínio, reino, filo (animais), divisão (plantas), classe, ordem, família, gênero, espécie. Quando o objeto da observação e da investigação for o organismo social, a classificação, por implicar a conduta humana, será precária ante as frequentes mudanças - no tempo, no espaço e nas causss - geradas  pela vontade, pelo sentimento, pelo interesse, pela utilidade ou pela necessidade dos humanos. Na busca de soluções para problemas existenciais misturam-se a ânsia de poder, a curiosidade de saber, a sede de justiça, o propósito de bem-estar, o desejo de paz e a esperança de felicidade.  
Classe supõe base empírica constituída de coisas, de pessoas, de ideias, reunidas por características comuns que lhes conferem certa identidade ou certo parentesco. Daí falar-se, na esfera social, de elite contraposta à massa popular. Elite econômica formada pelos grupos dos banqueiros, dos industriais, dos comerciantes, dos latifundiários. Elite intelectual composta pelos grupos dos escritores, dos professores, dos estudantes, dos jornalistas, dos artistas, dos cientistas, dos filósofos. Elite política formada por líderes partidários, parlamentares, chefes de governo, ministros, magistradosElite religiosa integrada pelos membros da superior hierarquia das igrejas e das instituições místicas. Massa popular constituída pelos grupos das pessoas pobres, das remediadas, dos pequenos comerciantes, dos trabalhadores urbanos e rurais. Os indivíduos pertencentes a esses grupos podem ser incluídos em diferentes classes, ordens ou famílias, segundo o critério classificador: [i] social (alta, média, baixa) [ii] ideal (ideias concretas, ideias abstratas) [iii] política (centro, direita, esquerda) [iv] administrativa (executivos, auxiliares, funcionários) [v] jurídica (advogados, procuradores, magistrados) [vi] econômica (empresários, comerciários, industriários). 
Consciência de classe inexiste nos seres vivos. A vida, a estrutura e o funcionamento dos vegetais e dos animais independem da taxonomia criada pela inteligência humana. No que concerne aos animais racionais, a consciência de pertencer a uma classe, a uma ordem, ou a uma família cultural, advém do trabalho dos cientistas, filósofos e líderes. Esse tipo de consciência não é natural e sim artificial, produto ideológico. Incorporada à mentalidade do indivíduo, a ideologia da classe passa a guiar os seus passos, a governar a sua vontade. A liberdade do eu individual fica submetida ao determinismo e ao nivelamento do eu coletivo. Os ditames da consciência coletiva condicionam a consciência individual. Disciplinado, o indivíduo deixa de contestar, divergir, ou de criticar os mandamentos e propósitos ditados pelas lideranças. Isto acontece quando o indivíduo “veste a camisa” do clube, da empresa, da igreja, da ordem, do partido, do grupo, da tribo ou da nação a que pertence. A pessoa pode pertencer a dois ou mais grupos e a duas ou mais classes, tanto ao mesmo tempo como sucessivamente. As diferentes condições físicas, intelectuais, morais, profissionais, patrimoniais e doutrinais determinam a classe, a ordem, a família cultural, nas quais o indivíduo pode ser enquadrado. O sentimento de pertencer a alguma clásse não é geral. Há quem zele por seu individualismo, quem não aceita ser classista, quem se nega: (i) a abdicar da sua liberdade em favor de um estatuto (ii) a sacrificar direitos em prol da coletividade. De modo ocasional, as diferenças provocam conflitos. Embora os integrantes de classes diferentes convivam pacificamente, há sempre a probabilidade do desacordo. Atualmente, nos tribunais de justiça dos estados europeus e americanos funcionam juízes de direita e de esquerda jungidos à Constituição.   
Onde vigoram a supremacia da Constituição e a primazia da Lei, cada classe defende os seus direitos e interesses nas assembleias constituintes, nos parlamentos e nos tribunais, se não houver solução consensual direta ou mediante arbitragem. No Ocidente, até o século XVIII (1701-1800), o poder de ditar regras e de julgar era reservado à realeza e à nobreza (sacerdotal e profana). Depois das revoluções francesa e norte-americana, esse poder passou para os donos do capital. Nos séculos XX e XXI (1901 a 2020), estimulados por lideranças esclarecidas, os donos da força de trabalho tomaram consciência do seu valor social e econômico. Diante da cruel exploração de que foram vítimas e do desamparo a que foram lançados na era da industrialização, os operários passaram a reivindicar direitos, inclusive de representação no parlamento, de organização em sindicato, de greve, de remuneração digna e suficiente ao sustento próprio e da família. Outras categorias profissionais seguiram a trilha aberta pelos operários. Direitos trabalhistas foram incorporados à ordem jurídica de países europeus e americanos. Mais de 180 estados filiados à Organização das Nações Unidas aderiram aos princípios e regras sobre trabalho e justiça social estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho. No século XX (1901-2000), na Rússia, México, Itália, Alemanha, China, Cuba, camponeses, operários, trabalhadores de diferentes categorias, desempregados, lideranças sociais, morais, intelectuais, religiosas, promoveram revoluções e assumiram o governo do estado.  



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