quarta-feira, 8 de abril de 2020

OS PARTIDOS E A CONSTITUIÇÃO

No preâmbulo da Constituição da República estão gravados os valores supremos do povo brasileiro: democracia, liberdade, igualdade, justiça, direitos sociais e individuais, segurança, bem-estar e desenvolvimento. Visível o propósito de realizar o bem comum. Evidente a incompatibilidade desses valores supremos com o nazismo, o fascismo e o regime autocrático. A vigente ordem jurídica veda apoio e estabelece pena a quem se coloca contra esses valores. 
O partido político, fundado e organizado, só terá existência legal depois de adquirir personalidade jurídica e de registrar os seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). São requisitos necessários à obtenção do registro: organização prévia, caráter nacional, aquisição de personalidade. A organização do partido deve resguardar os direitos fundamentais da pessoa humana, o regime democrático, o pluripartidarismo e a soberania nacional. Com o registro dos estatutos em cartório, o partido adquire personalidade jurídica e o direito de praticar os atos da vida civil. Com o registro dos estatutos no TSE, o partido adquire o direito de participar do processo eleitoral, de receber recursos do fundo partidário e de ter acesso gratuito ao rádio e à televisão. 
São deveres do partido político: [1] Respeitar e defender os princípios fundamentais da república: (I) dignidade da pessoa humana (II) inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (III) trabalho e livre iniciativa (IV) cidadania e pluralismo político (V) regime democrático (VI) soberania nacional; [2] Orientar as suas ações em sintonia com os objetivos fundamentais da república: (I) construir uma sociedade livre, justa e solidária (II) garantir o desenvolvimento nacional (III) erradicar a pobreza e a marginalização (IV) reduzir as desigualdades sociais e regionais (V) promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade; [3] Obedecer aos seguintes preceitos: (I) caráter nacional (II) funcionamento parlamentar de acordo com a lei (III) prestação de contas à justiça eleitoral (IV) proibição de: (i) receber recursos financeiros de entidade ou de governo estrangeiros (ii) subordinar-se a entidade ou a governo estrangeiros; [4] Acolher os valores, princípios e normas da ordem econômica: (I) vida digna (II) trabalho humano (III) pleno emprego (IV) justiça social (V) livre iniciativa (VI) livre concorrência (VII) propriedade privada (VIII) função social da propriedade (IX) favorecimento a empresas de pequeno porte (X) defesa do consumidor e do meio ambiente. 
Ao descumprirem esses deveres, os partidos políticos colocam-se fora da lei e ficam sujeitos ao cancelamento do seu registro e à perda da sua personalidade jurídica. O passado limpo não significa presente imaculado. A honestidade de ontem se esvai com a desonestidade de hoje. As ilicitudes praticadas pelos partidos podem ser questionadas judicialmente desde que não exaurido o prazo legalmente previsto para a manifestação dos interessados (perempção). Considerando a relevância dos partidos políticos para o vigor do sistema representativo (embora partido não seja essencial à democracia, ele o é quando assim qualificado na Constituição); considerando a exigência constitucional do pluralismo político; qualquer denúncia oferecida por eleitor, por representante de partido ou pelo procurador-geral eleitoral, deve estar alicerçada em prova robusta (testemunhos, documentos, exames periciais). A prova emprestada (produzida em outro processo) também deve ser idônea. Considera-se imprestável qualquer tipo de prova advindo de procedimentos criminosos como, por exemplo, os procedimentos da operação lava-jato de Curitiba. Essa operação está com a credibilidade estremecida pela malícia, arbitrariedade e ilegalidade praticadas pelos agentes do ministério público e pelos magistrados que nela atuaram. Depoimento de doleiro altamente comprometido com a criminalidade e que obteve os benefícios da delação premiada é imprestável como prova. O denunciante que, por emulação, por sentimentos hostis ao denunciado ou para afastar a concorrência, fizer acusações falsas ou com base em provas inidôneas, merece punição severa. O valor ético do direito é incompatível com falsidades, propósitos indecorosos, pretensões imorais.  
Na rede de computadores há informações sobre ação judicial proposta por deputado filiado a um partido nazifascista. Ele pleiteia o cancelamento do registro do Partido dos Trabalhadores. Alega que esse partido recebeu dinheiro de empresas estrangeiras. O agente do ministério público opinou favoravelmente à denúncia. O caso tem seus trâmites no TSE. As notícias não esclarecem (i) se o TSE já proferiu decisão sobre as contas do partido (ii) se a referida ação já foi admitida. O parecer do ministério público não tem força jurisdicional. Além disto, vem calcado em indícios, o que pode justificar instauração de inquérito, jamais de processo judicial. Indício não é prova. O estribo da denúncia deve ser a prova obtida no inquérito. O juízo de admissibilidade é privativo dos juízes. Cabe ao tribunal examinar a denúncia e o parecer. Compete ao juiz relator (ministro) decidir sobre admissibilidade. Dessa decisão cabe recurso. Em sessão plenária, o tribunal examinará o recurso; manterá ou reformará a decisão monocrática. Admitida a denúncia, instaura-se o processo; inadmitida, arquiva-se. Ante a insuficiência das informações veiculadas, resta trabalhar sobre hipóteses viáveis. 
Primeira hipótese: As doações inexistiram. A denúncia será rejeitada. Segunda hipótese: As doações existiram. Cabe verificar a origem: se estrangeira, a denúncia será procedente; se brasileira, a denúncia será improcedente. O nome estrangeiro da empresa doadora não significa, por si só, que ela é estrangeira; ela pode estar registrada como pessoa jurídica segundo a lei brasileira. Nesse caso, a doação ao partido terá sido legal. Há mulheres que se chamam Michelle. Embora o nome seja francês, elas são brasileiras, donas dos seus dotes e capazes de doar os seus bens a quem lhes aprouver. 
A denúncia gira em torno de dinheiro supostamente recebido pelo partido, portanto, imbricada com a prestação de contas que é o  lugar adequado à discussão da matéria financeira. Após a publicação do balanço pelo partido, os interessados têm o prazo de 5 dias para impugnar. As contas do partido foram apresentadas em abril de 2019. O deputado ofereceu denúncia em julho de 2019. Terceira hipótese: A impugnação foi apresentada no quinquídio legal inobstante o transcurso de 3 meses. Nesse caso, a questão deve ser resolvida nos trâmites da prestação de contas e não em processo judicial autônomo. Examinadas as razões do impugnante e do impugnado, ouvido o agente do ministério público, o TSE profere decisão colegiada aprovando ou reprovando as contas. Dessa decisão cabe embargos de declaração ao próprio TSE e recurso ao Supremo Tribunal Federal. Quarta hipótese: A impugnação foi intempestiva. Nesse caso, ocorreu a preclusão. O impugnante perdeu o direito de impugnar por não tê-lo exercido no prazo legal. A impugnação será arquivada. Brocardos jurídicos: jura vigilantibus subveniunt = o direito protege os vigilantes; dormientibus non sucurrit jus = o direito não socorre a quem dorme. Quinta hipótese: Perdido o prazo, o deputado serviu-se de ação judicial autônoma. Nesse caso, ele contornou o óbice jurídico da preclusão. Falta legitimidade ativa, pois, no fundo, trata-se de ação rescisória proposta sem os requisitos legais. Em havendo decisão do TSE sobre as contas do partido, a pretensão deduzida na denúncia implica: (i) rescindir a decisão do tribunal (ii) reabrir procedimentos findos. 
Da análise da conjuntura atual, brota a impressão de que tropa nazifascista abriu frente no campo judiciário a fim de impedir a queda do líder nazista que preside a república brasileira. Marcha para aniquilar a oposição. Desafia a Constituição da República. Derrubou a presidente Rousseff. Afastou da disputa eleitoral o líder do partido. Agora, pretende extinguir o partido. Se obtiver êxito, derrubará também outros partidos da esquerda e alguns da direita. Os requerimentos protocolados na Câmara dos Deputados pleiteando o afastamento do presidente da república por crime de responsabilidade serão engavetados, arquivados ou aproveitados para reciclagem dos papéis. O estado ficará sob controle dos partidários do nazifascismo. Com roupagem legal e jurisprudencial, o autoritarismo em vigor transformar-se-á em regime autocrático. A renúncia não está nos planos do presidente. 

Fontes.
Constituição da República. Artigos 1º, 3º, 5º, 17 + 121 §3º + 128 §5º, II, e + 142 §3º, V + 170. 
Lei 9.096/1995. Partidos Políticos. Artigos 1º a 7º, 12, 28, 30 a 37.
Lei 4.737/1965. Código Eleitoral. Artigo 22, I, a + f
Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil. Artigo 966.    

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