sábado, 25 de abril de 2020

O PRESIDENTE E O POLICIAL

O tema do programa vespertino da Globo News foi a demissão do ministro da justiça (24/04/2020). Ficou visível a encenação, o cuidado na seleção da linguagem e das imagens, a ênfase em atos e fatos para encorpar e impactar, tudo no propósito de enaltecer o pupilo da emissora, de lhe devolver a capa de super-herói e de colocar o presidente da república na posição de bandido, à semelhança das histórias em quadrinhos. A tibieza dos jornalistas indicava falta de convicção, dificuldade na montagem da crítica no calor da notícia, inteligência mediana, deficiência cultural. Eles definiram como criminosos os atos do presidente narrados pelo demissionário. Atuaram como membros de um partido político em defesa do futuro candidato à presidência da república. Contam com a admiração e o apoio da numerosa parcela da população contrária aos partidos de esquerda. Certamente, a emissora, tal como acontece há mais de 30 anos, incentivará entendimentos entre o seu candidato e outros candidatos filiados à direita do espectro político. O enquadramento da conduta do ex-juiz e ex-ministro em tipos penais (concussão, corrupção passiva, prevaricação, violação de sigilo funcional) talvez impeça o êxito desse planejamento político mediático e empresarial.           
A demissão em tela alvoroçou a média nacional. [Recuso-me a falar e escrever mídia, pronúncia inglesa da palavra latina media = meios. O nosso idioma é latino. No vocabulário português existe a palavra média e não mídia como pronunciam os americanos de língua inglesa e os brasileiros colonizados]. Em ligeira e superficial análise, os jornalistas da citada emissora de TV exibem a sua simpatia pelo pronunciamento e pelas justificativas do ex-ministro. Nota-se interesse em ocultar as patifarias do seu pupilo praticadas: (i) no comando da operação lava-jato (ii) ao negociar a sua nomeação para o cargo de ministro (iii) ao exercer o cargo ministerial. Na outra ponta, essa média politiqueira demoniza a atitude do presidente da república qualificando-a de ilegal. 
Cabe lembrar que ministro é órgão auxiliar do presidente, cargo de confiança, sem garantia de estabilidade. Nomear e exonerar ministros é competência privativa do presidente da república (CR 84, I). Os motivos da nomeação e da exoneração podem ser administrativos, políticos, estratégicos, técnicos, científicos ou pessoais. O mesmo ocorre em relação a outros cargos de confiança na administração pública federal (superintendências, chefias). Para exonerar – e nisto o atual presidente mostra certa volúpia – basta perder a confiança no ministro, no superintendente de organismo administrativo, no chefe de departamento, discordar da atuação desses auxiliares, ou mudar o relacionamento pessoal. O presidente não está juridicamente obrigado a justificar ou comunicar previamente a exoneração. Em nome do povo, o presidente exerce poder político soberano só limitado pelos cânones constitucionais. Por sua vez, ministro, superintendente e chefe de departamento quando descontentes podem se demitir livremente. No governo Cardoso, o advogado e professor de direito Miguel Reale Jr., discordou do presidente e se demitiu do cargo de ministro da justiça. Exerceu o seu direito livremente sem alvoroço e sem escândalo. Hoje, no governo Bolsonaro, a demissão do bacharel Sérgio Moro do cargo de ministro da justiça causou furor na tendenciosa média corporativa. Na iminência de ser exonerado pelo presidente, o ministro antecipou-se ágil e espertamente e pediu demissão no intuito de salvar a sua imagem perante o eleitorado que rejeita o atual governo. Cedo, pela manhã, reuniu a imprensa amiga (já de prontidão) e lançou acusações contra o presidente.   
A polícia federal, instituída e organizada pela União Federal, zela pela segurança pública segundo as atribuições outorgadas pela Constituição da República (CR 144). Inexiste a autonomia mencionada pelos jornalistas do citado programa de TV. A autonomia da qual a polícia gozou durante o governo do PT foi deferência especial sem amparo na Constituição. Não se trata de autonomia funcional institucionalizada e sim de uma equivocada política do governo petista que redundou na perda da liberdade e dos direitos políticos do seu líder. Ele confiou na lisura dos delegados, procuradores e juízes federais. Enganou-se. Ingenuidade e política não combinam. 
A polícia da segurança pública (judiciária) integra a administração pública e está subordinada às autoridades superiores (ao presidente e ao ministro da justiça na esfera federal; ao governador e ao secretário de segurança pública na esfera estadual). No exercício das suas atribuições, a polícia não pode negar informações a essas autoridades superiores, nem delas ocultar procedimentos sigilosos, sob pena de subversão da ordem hierárquica. Além disto, a atividade policial está sujeita ao controle externo do ministério público (CR 129, VII). Como integrante da administração pública, a polícia judiciária deve obediência aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência e publicidade (CR 37). Na república democrática, o sigilo das investigações é exceção. O conhecimento do conteúdo da investigação pode ser negado ao público, mas não à autoridade superior. Na hipótese de esta autoridade usar a informação para fins ilícitos, arrisca-se a perder o cargo e a ser processado judicialmente.      
Nos termos da Constituição, ao presidente da república compete: (i) a direção superior da administração pública federal (ii) o comando supremo das forças armadas (iii) a defesa do estado e das instituições democráticas. Portanto, a restrição que a polícia federal pretende impor aos poderes do presidente da república é inconstitucional e tipifica ato de insubordinação. O fato de a polícia gozar de autonomia num governo não lhe dá o direito de exigir do governo seguinte igual privilégio. A democracia e os direitos humanos ficam ameaçados por esse inconstitucional privilégio.  
O acordo entre o ex-juiz e o presidente sobre a nomeação e o exercício da função ministerial é res inter alios acta. As questões derivadas desse acordo celebrado entre os dois delinquentes devem ser resolvidas entre eles na esfera individual e particular. A encrenca estava escrita nas estrelas (da bandeira dos EUA inclusive). Na encenação dos jornalistas no mencionado programa havia teatralidade. Ao contrário do que disse um deles, o presidente não está “desesperado”, porém, naturalmente apreensivo quanto (i) a instauração de processos parlamentar e judicial (ii) ao comprometimento da sua saúde com o vírus da moda (iii) ao destino dos seus filhos. O presidente sabe que a chance de ser reeleito é pequeníssima. Antes de findar o seu mandato ele poderá ser afastado do cargo: (i) por decisão lavrada em processo parlamentar de impeachment (ii) por decisão da suprema corte proferida em processo judicial (iii) por renúncia, doença grave ou morte. 
A cláusula do acordo relativa à pensão despertou curiosidade. Certamente, não se trata de pensão previdenciária paga por instituição pública ou privada. Provavelmente, trata-se de constituir capital cujo rendimento mensal equivalerá ao subsídio do juiz federal. A fonte pagadora não foi revelada. Para assumir o ministério, o ex-juiz pleiteou compensação pela perda das garantias da magistratura. Pensou na segurança financeira da sua família quando deixasse o ministério. Caso fosse nomeado para o supremo tribunal, ele recuperaria as garantias perdidas. Nesta hipótese, o capital constituído voltaria à origem. Satisfeita a condição securitária, o ex-juiz assumiu o compromisso de bem servir aos governos do Brasil e dos EUA, de proteger o presidente, os filhos, a tropa miliciana e os interesses dos demais indivíduos e grupos direta ou indiretamente ligados à presidência. O acordo recebeu o aval do prestígio do ex-juiz como baluarte contra a corrupção, imagem criada astuciosamente por emissora de televisão.  

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