segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

POLÍTICA versus MORAL

No Brasil, política e moral estão divorciadas. As cenas no plenário do Senado nos dois primeiros dias do mês de fevereiro/2019, com ofensas físicas e morais, tumulto, quebra do decoro, nada têm de novo. Confirmam o baixo nível ético, a falta de decência e a má educação dos parlamentares brasileiros A essas deficiências, agregam-se a desonestidade e a criminalidade. O deputado eleito presidente da casa dos representantes do povo e o senador eleito presidente da casa dos representantes dos estados federados, ambos agentes de delitos, exemplificam esse fato desabonador. Alguns componentes dessa ralé portam diploma universitário.
Nas duas casas do legislativo federal houve renovação de pessoas, mas não de costumes. Do ponto de vista ético e intelectual, até o momento, parece que a renovação foi para pior. Os novos parlamentares, ciosos e orgulhosos da sua iniciação, entenderam mal a mensagem do eleitorado. Prioritária não é a mudança nas leis e sim a mudança no comportamento dos legisladores de modo a: (i) exercer o mandato com probidade e elaborar leis úteis à nação (ii) combater a corrupção (iii) controlar a sede por vantagens pessoais (iv) ampliar a eficácia dos direitos fundamentais do cidadão (v) reforçar as práticas democráticas (vi) tornar efetiva a soberania nacional (vii) dar primazia ao interesse público e não ao privado (viii) proteger o patrimônio e a cultura do povo brasileiro (ix) opor-se a privilégios e a medidas incompatíveis com a forma republicana de governo (x) regulamentar as normas constitucionais faltantes. 
Alguns senadores e senadoras, estreando na casa, portaram-se pior do que os veteranos por eles criticados. Com a evidente intenção de se promoverem diante do seu eleitorado e da nação, sob a luz dos holofotes das emissoras de televisão estatal e privada, aproveitaram-se da exposição pública dos trabalhos sobre a eleição do presidente do Senado, para se inscreverem como candidatos sem chance alguma de vencer, posto que a disputa apresentava-se polarizada entre os pro-Renan e os contra. Discursavam por longo tempo, com o beneplácito do presidente da mesa, enrolavam, falavam abobrinhas, gesticulavam e depois, então, renunciavam à candidatura. Fizeram do plenário do Senado um picadeiro.   
Candidataram-se à presidência 10 senadores (9 homens e 1 mulher) dos quais 4 desistiram antes da votação: Álvaro Dias (com seu etílico modo de falar e gesticular), Major Olimpo (com o seu modo marcial de falar), Simone Tebet (com a sua postura de menina mimada) e Tasso Jeirissati (com as plumagens do seu tucano modo de ser). No curso da votação, Renan Calheiros também desistiu. Sobraram 5 candidatos: Alcolumbre (AP), Amin (SC), Collor (AL), Coronel (BA) e Reguffe (DF).  Venceu o pleito um jovem gordinho do Amapá chamado Davi, cujo sobrenome parece indicar vínculo com a produção de cana, acusado de usar notas fiscais falsas ao prestar contas à Justiça Eleitoral, constranger ilicitamente servidores públicos e praticar o nepotismo.
Os novos senadores exibiram a sua velhice ao golpear o regimento interno do Senado. Vetusta regra regimental determina expressamente a eleição do presidente mediante voto secreto. Os novos parlamentares insistiam na votação aberta, decidida na calada da noite por 50 senadores (abaixo de 2/3 da composição do Senado). A controvérsia foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF), cujo presidente deu provimento ao mandado de segurança, anulou a decisão dos 50 e determinou o cumprimento da norma regimental (voto secreto e direção dos trabalhos pelo senador mais idoso). O Senado cumpriu a decisão judicial, apesar das contundentes críticas feitas pelos inconformados.
Senadora pelo Estado do Mato Grosso do Sul declarou-se advogada e se posicionou entre os críticos. Afirmou abusiva a decisão judicial que se sobrepôs à decisão senatorial. Considerou indevida a intervenção do poder judiciário no poder legislativo. Sustentou que a vontade dos senadores está acima da “letra fria” do regimento interno. Esqueceu que regimento interno de casa legislativa (assim como de tribunal judiciário) é ato normativo com força de lei. Como tal, deve ser acatado. A mudança das regras há de ser feita mediante o devido processo legal, como exige o estado democrático de direito. Esgotados os trâmites da proposta, os senadores decidirão, em sessão plenária, se a regra será mantida ou substituída. Mudança no grito, na calada da noite, sem prévias e necessárias cautelas legais, viola preceitos éticos e jurídicos.
“Letra fria” não é argumento racional, decente e legítimo para justificar a violação de lei escrita. A Constituição, os códigos, as leis esparsas, os regimentos, são “letras frias” com bases fáticas e suportes axiológicos postos pelo legislador. A senadora utilizou mal a advertência de Paulo: “a letra mata, o espírito vivifica”. Mostrou menosprezo à regra posta e vigente. Atitude autoritária que lembra a de Napoleão quando, contra os seus propósitos imperiais, foi oposta a lei em vigor na França: “a lei, ora... a lei”. A vingar o argumento da senadora, normas constitucionais, legais e regimentais poderão ser revogadas no grito por ocasionais maiorias ensandecidas.
A letra da lei não é quente nem fria e sim expressão do pensamento e da vontade do legislador representante do povo. Inimaginável um colegiado, ainda que por maioria dos seus membros, negar cumprimento à lei por considera-la “letra fria”. Se a norma estiver em vigor, há de ser cumprida até que outra a revogue. A norma regimental em tela não era letra fria e tampouco letra morta. Os senadores tinham o dever moral e jurídico de cumpri-la. Deram um péssimo exemplo à nação ao descumpri-la.         
Senador pelo Estado de Santa Catarina bem colocou a questão: não houve intervenção do judiciário. O presidente do STF foi provocado no devido processo e prestou a tutela jurisdicional legitimamente invocada. Decidiu conforme o direito e mandou cumprir o regimento em vigor. “Óbvio ululante” diria Nelson Rodrigues (dramaturgo brasileiro).
Por experiência própria como juiz de direito, eu sei que plantão de juiz é um período inteiro e ininterrupto. Era assim na minha época e creio que assim continua a ser. Dura 24 horas nos feriados e 48 horas nos finais de semana. Nesse período, o juiz de plantão, no fórum ou em casa, vestindo terno, roupa esporte, roupão ou pijama, atende a quem o procura em busca de medidas urgentes. Acredito que o plantão de ministro de tribunal superior também obedece a esse regime. Apesar do título equivocado, ministro de tribunal judiciário também é magistrado, funciona como juiz de direito e tem o dever de atender a quem o procura a qualquer hora, se estiver de plantão.
Como disse o ilustre senador por SC, a ilegalidade foi praticada pelos senadores e não pelo juiz. No início do seu discurso como candidato à presidência, o senador catarinense declarou que aproveitou o tempo de 8 anos fora da política para cursar o mestrado e o doutorado. A senadora do MS devia seguir o bom exemplo do seu colega de SC, também voltar à universidade e cursar o mestrado e o doutorado em direito. Assim, deixaria de cometer heresias e de falar asneiras. 

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