sábado, 8 de dezembro de 2018

PILANTRAGEM DIVINA

Nos dias atuais, nota-se a manifestação de uma rivalidade atávica entre protestantes e católicos. A Igreja de Roma enriqueceu explorando os fiéis e se aliando à nobreza. Entre outras picaretagens, vendia indulgências e fazia promessa de moradia no céu aos fiéis contribuintes. No século XVI (1501-1600), Martinho Lutero, monge agostiniano, rebelou-se contra a corrupção e a devassidão que assolavam a Igreja. Pretendia reforma-la. Foi excomungado pelo Papa e processado pelo Imperador. A rebeldia do monge alemão em prol da liberdade religiosa e da moralidade no âmbito clerical deu origem ao protestantismo, que se ramificou em seitas contrárias ao catolicismo.
No mesmo século XVI, João Calvino, filósofo francês, aderiu ao movimento rebelde, embora com alguma divergência em relação a Lutero. O seu propósito não era reformar a Igreja de Roma e sim dela se afastar e fundar uma nova igreja. Com ênfase no judaísmo do Antigo Testamento [coleção de livros da Bíblia anterior aos evangelhos cristãos] Calvino, em oposição ao voto cristão de pobreza, afirmou ser a riqueza bênção divina e defendeu a tese da predestinação segundo a qual o reino de deus é dos predestinados, independente das obras e da fé de cada pessoa. Essa válvula do materialismo nas seitas protestantes acabou por colocar o interesse pelo dinheiro acima das aspirações espirituais. Em nome de deus, justificam-se as pilhagens, os genocídios, as guerras, o domínio de uma nação sobre outra, a pobreza da maioria e a riqueza da minoria predestinada.   
A partir do século XIX (1801-1900) o capitalismo adquiriu aura de santidade, acentuada no mundo moderno, lastreada no puritanismo protestante. Conquistar o poder econômico faz do indivíduo um herói, um ente especial digno de admiração e de louvor. Essa proeminência da religião na economia foi observada e estudada pelo sociólogo Max Weber no início do século XX (1901-2000). O cientista germânico notou que o protestantismo serviu de base moral ao capitalismo. Entretanto, a partir da segunda metade do século XX (1951-2000) corroído pela desmedida ambição dos donos do capital, esse puritanismo degenerou, converteu-se num coletivo exercício de hipocrisia. O valor econômico ofuscou o político, o social, o moral e o espiritual.
Os líderes evangélicos (bispos, pastores, missionários, diáconos) das chamadas igrejas pentecostais são apegados ao dinheiro e aos truques para explorar os crentes. Esses administradores de empresas pseudorreligiosas equiparam-se aos sacerdotes católicos da época medieval contra os quais se insurgiu Lutero. Leitores da Bíblia com vocação empresarial, fundam igrejas e enriquecem nesse mercado da fé. As espertezas de que se utilizam para colocar a mão no bolso do crente tipificam-nos como estelionatários da fé. Arrancam dos crentes dinheiro e bens materiais. Garantem aos doadores lugar privilegiado ao lado de deus. Convencem-nos de que ao fazerem doações à igreja atendem a vontade de deus. Afirmam ser a prece inócua se o crente não coloca a mão no bolso em benefício da igreja. Declaram ser o dízimo instituição divina, por isso mesmo, dever impostergável do crente. Induzem os crentes a neles votar para cargos públicos eletivos (vereador, deputado, senador, chefe de governo municipal, estadual ou federal).
Sem vergonha ou constrangimento, a malta de enganadores diz conhecer e ser portadora da palavra de deus, receber ordens e conselhos diretamente de deus, saber verdades a eles reveladas por deus, ter visões do mundo divino. Invocam o nome de Jesus, ícone da religião cristã, enquanto subliminarmente passam a ideia de que eles próprios são iguais a Jesus na comunicação direta com o Pai Celestial, além do que, comportam-se como profetas modernos. 
Se a polícia federal e o ministério público resolverem investigar, certamente não sobrará bispo, pastor, missionário, fora da cadeia. Pelo menos no Brasil, trata-se de uma corja de pilantras que usa a liberdade religiosa e o nome de Jesus como escudo para explorar a boa fé e o temor a deus dos crentes. Acontece que nas instituições estatais há líderes e fiéis protestantes que se recusarão a investigar ou apoiar qualquer investigação. Bem ao contrário, tentarão impedir. Em que pese a república brasileira ser laica, grande é a influência religiosa cristã e judia no âmbito dos três poderes. O estado é laico, mas o povo é religioso. Os fiéis das igrejas pentecostais, principalmente os fanáticos, são presas fáceis dos espertalhões. 
O candidato à presidência da república eleito em 2018 é aliado aos líderes das seitas pentecostais, em especial da “Assembleia de Deus” onde recebeu o batismo depois de ter sido católico e batista. Provavelmente, nos próximos quatro anos, o Brasil será comandado pelo protestantismo em sintonia com os ricos protestantes estadunidenses. O Brasil não será mais o maior país católico do mundo. O capitalismo protestante do tipo calvinista dominará a economia brasileira. O Brasil continuará: (i) a ser apêndice do governo dos EUA (ii) a ter governantes e governados vira-latas (iii) a conviver com oligarquia de fato numa democracia de direito. Independência? Só no papel. Soberania? Só a dos oligarcas sobre a massa popular.

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