sábado, 22 de dezembro de 2018

JUSTIÇA FARDADA

Nos impérios antigos como o egípcio, o persa, o macedônio, o romano, assim como nos posteriores do Oriente e do Ocidente, os exércitos, ainda que não permanentes e de mercenários, eram imprescindíveis tanto para defesa como para fins expansionistas. Alguns comandantes militares bem sucedidos acabavam por assumir o governo do reino ou da república. Júlio Cesar e Napoleão são os mais lembrados. No mundo moderno, tanto os governos autocráticos como os governos democráticos confiam a segurança do estado e da nação às forças armadas organizadas, regulares e permanentes. A simples existência do poderio bélico funciona como fator de dissuasão. A violência institucionalizou-se para garantir a ordem interna e a defesa externa. A fim de atender aos propósitos dessa instituição, os militares são treinados e preparados para a guerra, para lutar, matar, ferir, espancar, prender, reprimir. Essa formação os torna insensíveis à vida, à liberdade e ao patrimônio dos inimigos da pátria e dos opositores ao regime a que servem ou à doutrina que os orienta. Portanto, ingenuidade esperar dos militares flores e perfumes. Para atingir seus objetivos, não há escrúpulo nem senso algum de humanidade que os detenha. Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos policiais civis e militares responsáveis pela segurança interna do país.
No Brasil, também a violência é o motor da atividade profissional nessa área. A moderação e qualquer freio ético e jurídico irrita os profissionais da caserna e da delegacia. A linha dura, militar ou civil, insurge-se contra limites traçados pelo direito e se vale da força. A linha moderada consegue, às vezes, manter a linha dura sob controle. Durante o período autocrático, os generais Geisel e Figueiredo conseguiram. Os agentes das forças de segurança colocam a autoridade acima da liberdade, a ordem acima do progresso, o interesse do governo acima do interesse do povo. Consideram os direitos humanos um entrave na luta contra o crime ou contra a subversão. Esse perfil também se nota nos agentes do ministério público e da magistratura. Pervertem o sentido e a finalidade da norma constitucional e da lei. Suprem a falta de prova com suposições e probabilidades revestidas de linguagem jurídica.
Todo esse procedimento dos agentes da segurança nacional (militares) e dos agentes da segurança pública interna (policiais, procuradores, juízes) comum aos países sob regime autocrático, acontece também em países sob regime formalmente democrático e materialmente oligárquico (como o Brasil). A violência estatal tem sido justificada em nome de deus, da preservação do estado, da honra nacional, do sistema político e do modelo econômico ideologicamente aceito. Usando força militar, a China invadiu e dominou o Tibete, a Rússia reprimiu a revolta na Chechênia e apoiou o governo sírio, os EUA invadiram a Coreia, o Sudeste Asiático, o Oriente Médio. Mortos e feridos aos milhares: homens, mulheres e crianças. Casas, edifícios, ruas, praças, estradas, pontes, tudo destroçado. Poderes usurpados. Culturas locais violadas. Na América Latina, os EUA apoiam e incentivam a violência da direita contra a esquerda.
Tal como a religião, a política manipula o medo das pessoas e usa o terror, virtual ou real, para garantir o domínio de um grupo civil/militar sobre a massa popular. Com esse desiderato, o grupo utiliza os meios de comunicação social, inclusive a rede de computadores. A divulgação de notícias e dados falsos como se fossem verdadeiros integra o rol das medidas para obter consenso e adesão da massa a ideias, programas e projetos. Aspirações de um grupo como se fosse da nação.   
No Brasil, o quadro foi semelhante nas quatro ditaduras: [i] a dos marechais, decorrente do golpe de 1889 contra a monarquia [ii] a de Bernardes, decorrente da insurgência dos tenentes e da coluna Prestes (estado de sítio 1923/1926) [iii] a de Vargas, decorrente da revolução de 1930 contra os costumes da república velha [iv] a dos militares, decorrente do golpe de 1964 contra o governo Goulart e a república sindicalista suspeitada. Mesmo nos períodos formalmente democráticos, indelével a presença dos militares na história republicana brasileira. A sombra da baioneta que se percebia no movimento paulista de 2013, aumentou no segundo governo Rousseff e culminou no golpe civil de 2016. A presença militar, ainda que pouco ostensiva, verificou-se também no processo judicial que condenou o líder popular. Em consequência, ele foi preso e privado do direito de concorrer ao cargo de presidente da república.
A presença do estamento militar ficou mais ostensiva para impedir a libertação do líder popular. A fraude processual, a prisão abusiva, a violência contra os direitos fundamentais declarados na Constituição da República, nada disso importa aos comandantes militares. Importa-lhes manter políticos da esquerda fora de combate e assegurar o domínio da direita em parceria com o governo dos EUA. Os militares desta geração não têm o mesmo apego e respeito ao “livrinho” (Constituição da República de 1946) como tinha o general Eurico Gaspar Dutra. Os oficiais superiores de 1964 mandaram às favas os escrúpulos do general Dutra e jogaram o “livrinho” no lixo. O mesmo fazem os oficiais de 2018 com a Constituição da República de 1988.
Aliás, não só os militares, também os civis, a começar por ministros do supremo tribunal, mandaram os escrúpulos às favas e jogaram a Constituição na cesta de papéis usados. Trouxeram à luz a espécie oculta: o invertebrado moral. A violação mais recente coloca nas trevas o espírito natalino. O presidente do supremo tribunal mostrou pavor ante a proximidade da baioneta. Bacharel em Direito, esse presidente foi por duas vezes reprovado em concurso de provas e títulos para juiz de direito do Estado de São Paulo. Há dúvida se conseguiria ser aprovado em concurso para escrivão de polícia. Advogado do Partido dos Trabalhadores (PT), ele foi nomeado pelo presidente de honra do partido, sucessivamente, para os cargos de Advogado-Geral da União e Ministro do Supremo Tribunal Federal. Deficiente intelectual, entrou pela janela nos referidos cargos graças à injunção política. Livrou-se de prestar concurso. No exercício do cargo, exibiu indigência cultural, erros de concordância ao falar, conceitos equivocados, despreparo para exercer a judicatura na mais alta corte de justiça do país.
Do atual presidente do supremo tribunal não se exigia favorecer, por gratidão, políticos do PT. O seu dever é guiar-se pelo direito, com imparcialidade, no espírito de justiça, como faz um bom juiz. Para mostrar imparcialidade não é necessário prejudicar o PT ou político filiado a esse partido, negando-lhes direitos fundamentais e agindo com sordidez. Opaco ao espírito de Natal, esse presidente revogou decisão proferida por seu colega de tribunal que poderia beneficiar o seu benfeitor. Provocado pela Procuradora-Geral da República no recesso, mais decente e em sintonia com o decoro judicial seria ele obedecer ao comando do direito processual e se declarar incompetente, suspeito ou impedido para apreciar a questão. Preferiu o caminho imoral e antijurídico. Nem a Constituição, nem o Regimento Interno, atribuem poderes ao presidente do tribunal para revogar decisão de outro ministro proferida em ação de controle abstrato de constitucionalidade. No recesso do tribunal cabe ao presidente apreciar pedido de medida cautelar. Entretanto, esse pedido já tinha sido atendido pelo relator da ação judicial. A revisão, pois, cabe ao tribunal em sessão plenária e não a outro ministro isolado. Inexiste hierarquia entre os ministros do tribunal. O presidente togado pretendeu alegrar o Natal do comandante fardado. O presente natalino consistiu em manter na prisão um cidadão septuagenário, estadista reconhecido internacionalmente, vítima de perseguição política no Brasil.

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