quarta-feira, 5 de setembro de 2018

JUSTIÇA QUÂNTICA

CUNHAGEM

Por volta de 1972, no cargo de juiz substituto no Estado do Paraná, após observar a conduta dos magistrados mais preocupados com as promoções na carreira, com os vencimentos e as vantagens e menos preocupados em prestar tutela jurisdicional com celeridade e eficiência, em cumprir os seus deveres de urbanidade e pontualidade, cunhei a expressão “barnabés de toga”. Cerca de trinta anos depois, a ministra Eliana Calmon, em exercício na Corregedoria do Superior Tribunal de Justiça, do alto da sua experiência e diante da conduta criminosa de magistrados, cunhou a expressão “bandidos de toga”. Decorridos mais alguns anos, considerável parcela da magistratura federal se apresenta maleitosa, malevolente, enferma, picada pela mosca azul, contaminada pela bactéria da política partidária e pelo vírus do domínio do fato e do obscurecimento do direito. Essa constatação enseja novas cunhagens, tais como: “fascistas de toga” e “energúmenos de toga”.    

FÍSICA E DIREITO

A referida enfermidade gerou a justiça quântica. Constatou-se, na Física do século XX, que o elétron comporta-se como partícula e como onda. Sem perder a identidade, o elétron pode situar-se em dois lugares ao mesmo tempo (dom divino da ubiquidade?). Desse desvairado movimento eletrônico, Heisenberg deduziu o princípio da incerteza e o introduziu na teoria da mecânica quântica.
O funcionamento da justiça federal brasileira (quiçá também da estadual) segue o aludido princípio. Aplicada ao caso concreto, a mesma norma ora é azul, ora é vermelha, conforme as lentes usadas pelo juiz, desembargador ou ministro. A mesma norma tem a extensão aumentada ou encurtada, conforme a vontade, o interesse, a disposição de ânimo e a capacidade de mensurar do órgão julgador singular ou colegiado. Oscilação teorética, ou seja, diferentes posições teóricas do órgão julgador relativas ao mesmo fato e à mesma norma conduzem a distintas soluções. A decisão judicial de ontem, hoje tem o rumo modificado sem sair do lugar (no mesmo tribunal, ontem o limite era o trânsito em julgado, hoje, o segundo grau de jurisdição). Processo de ação penal com réu solto, ontem correu à velocidade da luz; hoje, preso o mesmo réu, o mesmo processo anda a passos de tartaruga. 
As pessoas naturais ou jurídicas que recorrem ao Judiciário não sabem, em termos quânticos, se encontrarão onda (caprichosas inovações, interpretações casuísticas, modismos, safadeza) ou partícula (entendimento pacífico, interpretação solidificada, estabilidade, honestidade).    
Essa dinâmica aloucada e indecorosa tem a sua fonte no interesse pessoal, na cor política partidária, na vaidade, no humor e no arbítrio dos julgadores. Desde o episódio “Mensalão”, o princípio da incerteza assumiu o lugar do princípio da segurança jurídica no âmbito da justiça federal (quiçá também no da justiça estadual). Parcela da magistratura perdeu a vergonha, não se importa com o decoro, não se preocupa em fazer justiça e se vale da argumentação falaciosa. Ao seu talante, muda a Constituição e a Lei a pretexto de interpretar, sobrepondo-se ao legislador. Manipula e torce o sentido das regras. Os interesses em jogo e os nomes das partes fazem os pratos da balança pender ora para um lado, ora para outro, sem o necessário equilíbrio resultante da razoabilidade, da sensata ponderação e do amor à justiça.

PARTIDOS ANÔMALOS

Parte (daí, “partido”) do sistema de segurança pública federal lato sensu (policiais + procuradores + juízes) constitui um partido político anômalo sem existência legal, porém mais eficiente do que os partidos legalizados. A ausência de regras escritas permite-lhe maior desenvoltura. Da base à cúpula da pirâmide, há forte coesão entre os membros do partido que garante a impunidade dos juízes, desembargadores e ministros quando agentes de ilícitos administrativos, civis e penais. Os abusos praticados nas operações do tipo lava-jato revelam a existência desse anômalo partido político integrado por delegados de polícia, membros do ministério público e magistrados. Esse partido localiza-se à direita do espectro político, tem caráter fascista e atuação agressiva, raivosa e arbitrária, manda às favas os escrúpulos, viola a Constituição e atua à margem da lei na consecução dos seus objetivos.
Fenômeno semelhante ocorre nos meios de comunicação social. Sem arcabouço estatutário, os proprietários de revistas, jornais e emissoras de rádio e televisão e os seus jornalistas atuam como partido político anômalo. Mandam às favas os escrúpulos, desprezam as normas éticas da profissão, manipulam a informação sem compromisso com a verdade, publicam notícias falsas, condicionam de modo subliminar os reflexos da população, sugam verbas públicas. Interesses e objetivos comuns de natureza política, homogeneidade no modo de pensar e de agir, caracterizam o funcionamento informal, porém eficaz, desse partido político anômalo. Esse partido localiza-se à direita do espectro político e tem duas alas: a moderada e a fascista. Alguns jornalistas mostram-se mais extremados e rancorosos do que os seus patrões. A maioria é medíocre e entra no cordão dos puxa-sacos e dos vira-latas.                 



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