sábado, 22 de setembro de 2018

DIREITO & SEGURANÇA

Desde os primórdios da sua existência, a humanidade tem a insegurança por companheira. Perigos e danos constantes. Morte e destruição provocadas por ciclones, inundações, maremotos, terremotos, erupção vulcânica, raios, colisão de meteoros com a superfície do planeta. Epidemias e doenças afligem a raça humana. Em consequência das estiagens, morre gente, gado e plantação. Diante dos reveses e da incerteza do amanhã, indivíduos e povos traçam objetivos e estratégias, buscam refúgio nas montanhas e cavernas, constroem casas, cercas, muros, diques, cavam poços e trincheiras, cultivam a terra, domesticam animais. Pessoas constroem abrigos e estocam alimentos por temor a catástrofes naturais e a hecatombe nuclear. Nessa faina, os humanos acumulam experiência, técnica e conhecimento. Os altos e baixos da marcha civilizatória inquietam, causam obsolescência, extinguem profissões, corporações de ofícios, negócios, empregos.
Em todas as épocas houve desavenças domésticas e conflitos entre grupos. Homem contra homem, tribo contra tribo, cidade contra cidade, nação contra nação, disputas pelo poder interno, por domínio territorial, rebeliões, genocídio, homicídio, agressões físicas, ofensas morais, roubos, invasões, sequestros, estupros. Revolução, pacífica ou armada, mudança de paradigmas e de rumos, dificultam a adaptação dos conservadores aos novos tempos. Crises periódicas deixam os indivíduos e os povos sobressaltados e inseguros. A barbárie pré-histórica sobrevive no período histórico até os nossos dias. Governos orientam-se por mentalidade liberal autocrática, menosprezam direitos individuais e sociais, favorecem a selvageria na atividade econômica. Na América e na Europa, revigora-se a mentalidade nazifascista que dissemina ódio e violência, discrimina classe, cor, raça, sexo, preferência sexual e origem das pessoas. Seus adeptos pretendem o domínio total da sociedade e do estado e aniquilar quem se lhes oponha resistência. A postura e a aparência física do homo sapiens melhoraram desde o seu surgimento há cerca de vinte mil anos até o presente, porém, o seu estúpido comportamento continua essencialmente o mesmo, inobstante o verniz civilizatório.
No evolver histórico, homens e mulheres sentiram necessidade: (i) de reunir condições para reduzir ao mínimo a incerteza e a insegurança (ii) de um porto seguro (iii) de planejamento relativo à vida, à saúde, à educação, à velhice, aos bens materiais. Organizaram segurança estratégica e segurança jurídica mediante regras técnicas e normas éticas de caráter utilitário para defesa individual e coletiva e assegurar a todos a oportunidade de expressarem as suas potencialidades físicas, intelectuais, morais e espirituais. As necessidades de segurança estratégica e de segurança jurídica, uma vez satisfeitas, tornam possível alguma certeza nas relações sociais, econômicas e políticas. Os dois tipos de segurança ocupam o nível superior de princípios essenciais à convivência e à coexistência humanas. Regras técnicas conexas às normas éticas abrem caminho à paz, à segurança e ao progresso.
Normas éticas de maior importância para a segurança de todos e para organizar a comunidade nacional formam um corpo normativo dotado de força coativa (constituições, códigos, leis esparsas, regulamentos, contratos, tratados, costume, jurisprudência). Esse conjunto de normas expressa direito vigente, configura a ordem jurídica da sociedade e do estado e geralmente reflete a imagem da vida e do mundo predominante no seio da nação. Tudo isto contribui para: (i) reduzir a incerteza nas relações humanas (ii) realizar o bem comum (iii) ensejar a felicidade geral. Sublimes fins ordinariamente desvirtuados por governantes e governados.  
A estrutura e o funcionamento do estado moderno (1700-2000) assentam-se em princípios e normas fundamentais de caráter imperativo cuja origem é autocrática ou democrática, segundo a cultura e a história de cada nação. As normas contidas nos códigos, nas leis esparsas, nos regulamentos, nos contratos, nos tratados, no costume, na jurisprudência, subordinam-se aos princípios e normas fundamentais postos pelo detentor do poder supremo (monarca, ditador, elite civil/militar, assembleia popular). O estado moderno caracteriza-se pela posse soberana de um território, poder político institucionalizado, burocracia estável e profissionalizada, força monopolizada, exército próprio e permanente, nação vinculada ao mesmo direito.
O direito funciona como energia ética de coesão e conservação que mantém íntegras as instituições. Além disto, no estado refratário ao absolutismo e ao comando ditatorial, o direito cristaliza conquistas da civilização e põe limites à autoridade pública e à liberdade dos cidadãos. O direito reprime os fatores de insegurança e de incerteza (excesso de poder, abuso de direito, ação lesiva aos poderes constituídos e à dignidade da pessoa humana), define o lícito e o ilícito, o permitido e o proibido. Desse modo, proporciona a confiança necessária à atividade econômica, social e política.
O direito propicia estabilidade às relações humanas do ponto de vista estrutural, o que não significa engessamento funcional. As contingências históricas moldam a função jurídica no plano concreto. As normas podem ser – e muitas vezes o são – elaboradas e executadas visando aos interesses de grupos nacionais e estrangeiros em detrimento do interesse público. A eficácia desse tipo de norma depende da inércia ou da reação do povo diante das decisões de quem exerce de fato o poder político, seja no governo autocrático, seja no democrático. O governo autocrático de extensão totalitária não se sujeita a freios morais e jurídicos. Nele, a liberdade é direito privativo do autocrata. Aos súditos cabe apenas o direito de cumprir os seus deveres.  
A natureza humana permanece a mesma de vinte mil anos atrás: angelical e demoníaca. O pensamento e a ação dos humanos refletem essa bipolaridade, ora para o céu, ora para a terra, ora para o bem, ora para o mal, ora a paz, ora a guerra. Há certeza da morte individual, mas nenhuma certeza de quando e como ocorrerá. A deslealdade e o inadimplemento rompem a certeza fincada na confiança. O conhecimento de hoje afasta ou complica a certeza oriunda do conhecimento de ontem. No conceito dos astrônomos, Plutão era planeta, mas no passado recente deixou de ser, porém no presente, voltou a ser. Ante as incertezas deste mundo, homens e mulheres buscam refúgio no mundo espiritual. Prestam culto a divindades. A fé religiosa obscurece a razão. A certeza que a ordem jurídica enseja e que a ciência proporciona, situa-se aquém da convicção mística do crente. A ilusão é mais agradável do que a dura realidade. Na América Latina, o emocional prevalece sobre o racional, paraíso dos enganadores (padres, pastores, missionários, marqueteiros, políticos, âncoras de programas da TV). Contudo, embora provisório, o estado de certeza é suficiente para orientar a conduta humana com alguma segurança. 
Dentro da sua estrutura e do período de vigência, o direito positivo é fator de estabilidade. O fundamento axiológico da norma jurídica não é volátil. Mudança na base empírica da norma jurídica é menos frequente do que se propala. No Ocidente, o sistema social da Idade Média durou doze séculos, o da Idade Moderna durou três séculos e o da Idade Contemporânea dura um século (1918-2018). O ambiente social altera-se com os modos de produção econômica (pré-industrial, industrial, pós-industrial), com a aceleração das trocas e com a variedade dos bens de consumo. A propriedade dos meios de produção econômica pode ser privada (capitalismo) ou coletiva (socialismo). Regras técnicas e normas éticas estruturam esses dois sistemas econômicos. Sem prejuízo da ideologia, países socialistas, como a China e a Rússia, adotam práticas capitalistas. Países capitalistas, como a Alemanha e a França, adotam práticas socialistas (igualdade formal e igualdade material disciplinadas no ordenamento jurídico).   
O dinamismo social inclui impulsos técnicos, econômicos, políticos, artísticos, científicos, filosóficos, religiosos. A expansão cultural assim impulsionada descortina novos horizontes, amplia o conforto e a sofisticação, porém, permanecem em vigor as exigências morais de justiça, honestidade, verdade e bondade, que devem servir de suporte axiológico às normas jurídicas e formar o caráter dos cidadãos. Apesar disto, há homens e mulheres de vestes civis e sacerdotais, togados e fardados, que são imorais, sem escrúpulo, que decidem e agem sem pudor e sem remorso, indiferentes a esses nobres valores.         

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