sábado, 15 de setembro de 2018

DIREITO & JUSTIÇA

A política partidária e a política judiciária no Brasil forneceram, nos últimos quatro anos, farto material à pesquisa científica. A realidade brasileira desmente teorias sobre direito e justiça. As teorias fundadas na realidade do hemisfério norte nem sempre aclimatam-se no hemisfério sul. Esta constatação levou o povo brasileiro a dizer: “a teoria na prática é outra”. O caso Lula é modelar e útil a esse estudo pela riqueza das suas notas políticas, sociais, jurídicas e culturais. Certamente, esse material será utilizado nas faculdades de direito, história e sociologia.   
Justo é agir ou decidir dentro da lei. “A lei é igual para todos”, preceito ético com fulcro na ideia de retribuição: merece castigo quem: (i) age ou decide contra a lei (ii) aplica a lei de modo diferente a casos iguais (iii) serve-se da lei para perseguir inocentes e/ou satisfazer escusos propósitos. Desse preceito serve-se quem pretende simular justiça. Feito bandeira, acena com o preceito para indicar justiça no caso aqui tomado por modelo (Lula). A lei da ficha limpa aplica-se a todos. Justiça aparente brotada da hipocrisia e da má-fé. A análise honesta e racional do caso aponta injustiça. O foro em que o processo teve seus trâmites não era o competente. Os juízes que atuaram no caso eram parciais e suspeitos. A materialidade do suposto delito não estava suficientemente provada. O ato de ofício da definição do crime não existiu. Portanto, no caso aqui tomado por modelo (Lula) não houve justiça, quer sob o aspecto formal, quer sob o aspecto material.
O que se entende por justiça? Supõe sociabilidade e solidariedade. Cuida-se da íntima disposição de dar igual tratamento a todos no plano social e tratamento proporcional à concreta situação de cada um no plano individual. De modo abstrato e geral, entende-se por justiça a correspondência da decisão da autoridade com a situação de fato e com a norma de direito. No caso concreto tomado como modelo (Lula), a decisão está viciada e a situação de fato foi criada de maneira artificiosa. A norma de direito é justa enquanto posta pelo legislador em sintonia com as aspirações do povo. Em tese, a lei é elaborada segundo o senso de justiça do legislador em harmonia com o senso de justiça da maioria do povo e aplicada segundo o senso de justiça da autoridade pública. No caso concreto tomado como modelo (Lula), a lei foi aplicada com justiça? A resposta é negativa, como se vê acima.
Do ponto de vista individual, ainda vigoram os preceitos romanos de justiça: viver honestamente, não lesar o outro e dar a cada um o seu. Zelo pelo ser, pelo ter e pelo dever. Seguir os bons costumes e as leis é próprio de quem é justo. No caso concreto tomado como modelo (Lula) faltou prova idônea de que o réu fosse desonesto, tenha lesado o próximo ou se negado a cumprir sua obrigação. 
Do ponto de vista social, entende-se por justiça o tratamento igualitário das pessoas nas suas relações bilaterais e multilaterais observada proporcionalidade entre situações distintas. Nas trocas, a justiça está na equivalência dos ganhos e das perdas, na equitativa distribuição dos bens e vantagens entre as partes. "Todos são iguais perante a lei”. Preceito nobre fundado no espírito de justiça. Esse preceito absoluto no plano moral relativiza-se no plano social ante a multicolorida realidade a exigir mensurações. No caso concreto tomado como modelo (Lula), quer na justiça eleitoral, quer na justiça comum, houve tratamento desigual em relação a casos semelhantes. A autoridade judiciária praticou injustiça embora invocando lei justa. O juiz cala a voz da consciência para não atrapalhar o seu desonesto propósito. Modo político e caviloso de prestar tutela jurisdicional. O cidadão comum, quando se depara com situações contrárias aos princípios da ética e do direito, sente tristeza no seu coração pela injustiça testemunhada. Afetando o povo, a injustiça pode motivar rebeldia e revolução.
Do ponto de vista institucional, entende-se por justiça o aparelho de segurança do estado (polícia, ministério público, magistratura) cujo objetivo é preservar o respeito à lei e manter a ordem na sociedade. Os agentes desse aparelho devem guiar suas ações e decisões pelo ideal de justiça. Não se trata de uma justiça divina absoluta ou metafísica e sim da justiça como virtude moral, portanto humana, corporificada no direito (Constituição e leis infraconstitucionais). O saber complementa a justiça. Situação que à primeira vista mostra-se justa pode se mostrar injusta após análise racional, honesta e imparcial.
Justo é o governante (legislador, chefe de governo, juiz) cujos atos visam ao bem comum e buscam a felicidade dos governados. A justiça institucional respeita a vida, a liberdade e o patrimônio dos cidadãos e se contém nos limites da lei. Nos litígios, a justiça institucional se manifesta como prudência no sentido de dar à parte litigante o que for do seu direito. A justiça se revela no processo judicial pela paridade de forças entre os litigantes, meio eficiente de se dar solução adequada e correta às controvérsias. Tal solução se pauta pela ideia de justiça que se expressa na norma jurídica e pelo sentimento de justiça que vibra no coração do julgador.
A ciência do direito consiste no racional e sistemático estudo das normas jurídicas, dos fatos que lhes servem de base empírica e dos valores que as informam. A arte do direito consiste no conjunto de normas coativas postas pelos humanos a fim de regular suas recíprocas relações. Por sua fonte humana, a lei pode ser injusta. Em decorrência do julgamento humano, a aplicação da lei pode ser injusta. Ciente da força coativa do direito positivo e disto se aproveitando, o legislador pode legislar em proveito próprio e/ou do seu grupo. O mesmo comportamento tem o juiz ao prestar a tutela jurisdicional de forma indecorosa. A experiência brasileira é rica em exemplos.
Legisladores e magistrados brasileiros carecem dessa virtude intrínseca à noção de bem. Prevalece o mal. O escrúpulo tem sido visto como peça de museu, fora de moda, coisa superada pelo oportunismo e pela esperteza enganosa. O interesse privado em detrimento do interesse público, o patrimônio público tratado como particular. Ódio, crueldade, malícia, indecência, desonestidade, parcialidade, proliferam nos altos escalões da república de forma despudorada. O brasileiro cordial mostrou a sua ferocidade. A barbárie veio à tona. Delegados, procuradores e juízes perderam a compostura, prenderam no intestino o senso de justiça e se movem por paixão partidária e interesse político.

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