segunda-feira, 11 de junho de 2018

TREINO E JOGO

A frase antológica de Didi, o fabuloso armador das seleções de 1958 e 1962 (o melhor do mundo segundo a imprensa esportiva francesa) permanece viva no ambiente futebolístico brasileiro: “treino é treino, jogo é jogo”. Justificava o menor esforço dos jogadores durante os treinos e a maior dedicação durante os jogos. O seu discurso opunha-se às azedas críticas dos torcedores, treinadores e jornalistas. Na sua generosidade, Didi partiu do pressuposto de que todos os jogadores eram craques. Portanto, treino descontraído e não exaustivo era suficiente. Ao treinador cabia distribuir as camisas e informar o esquema básico deixando o resto por conta dos jogadores na dinâmica do jogo conforme a concreta situação em campo. O treinador ficava mais tempo sossegado no banco a observar a partida e até se dava ao luxo de cochilar, como acontecia com Vicente Feola (1958).
De 1970 para cá, adotou-se o planejamento, o estudo do adversário com preleção e filmes, o cuidado físico e psicológico com os jogadores, instruções do treinador antes, durante e no intervalo da partida, material esportivo moderno e de melhor qualidade. Racionalizou-se o esporte até o exagero de automatiza-lo, como se os jogadores fossem robôs. Nenhuma alteração em campo sem a ordem do treinador. Isto ocorria nos clubes e nas seleções. Prevalecia a ideia europeia do “futebol de resultado”. Quê arte, coisa alguma! O que mais importava era aplicar a matemática e o conhecimento científico ao esporte e derrotar o inimigo. Atitude bélica.
Treino é exercício para aprendizado e aprimoramento. No esporte, os atletas treinam para: (i) aprender os fundamentos da modalidade esportiva que escolheram (ii) aprimorar a performance nas competições. No esporte coletivo (futebol, basquetebol, voleibol) além dos cuidados individuais, os atletas treinam em conjunto. O treino geralmente é interno: sob orientação do treinador, um grupo joga contra outro. Time principal contra time reserva, por exemplo. Trata-se de jogo no sentido amplo da palavra, a saber: atividade lúdica. O treino externo consiste no jogo de um clube contra outro, ou de uma seleção contra outra, fora de torneio oficial, sem promessa de prêmio ou taça a quem vencer. Trata-se do jogo amistoso com finalidade de treinar as equipes (diferente do amistoso com finalidade humanitária). No futebol masculino, tal amistoso é jogado com virilidade, rispidez e até violência, a indicar a gana de vencer. O modo vibrante dos treinadores ao comemorar cada gol nos jogos amistosos preparatórios para esta copa evidencia esse fato (2018).        
Em recente entrevista a um repórter de canal de televisão (SporTV, salvo engano), Tostão, que integrou a seleção de 1970, disse que nunca se considerou um jogador excepcional; que a sua função não era a de goleador e sim a de meio-campista ofensivo; que vestia a camisa 9 porque a 10 era do Pelé. Realmente, na crítica esportiva e histórica, as posições de armador e defensor são menos valorizadas do que a de atacante goleador. Há exceções, como a de Gerson – e esta foi outra afirmação do entrevistado a chamar atenção: “Ele era um técnico dentro do campo”. No meio esportivo, o armador excelente era considerado “cérebro do time”. Gerson enquadrava-se nesse conceito. Tostão completou a extensão do conceito. Gerson atuava como se fosse treinador “ad hoc” orientando os companheiros dentro do campo (o que exige inteligência lúdica acima da média) sem que isto tipificasse intromissão indevida no trabalho do treinador comandante. Nenhum treinador queixou-se dessa característica do Gerson. Tampouco, algum companheiro. E ele nem era o capitão!
Dunga, ao exercer esse papel na seleção de 1994, teve ríspida discussão com Bebeto em pleno jogo. Quase foram às vias de fato. Outrora, Didi orientava o conjunto com suave autoridade e elegância. Cuida-se mais de uma vocação do jogador do que de uma determinação do treinador. A liderança pode ser exercida por jogador carismático, independente da sua posição no esquema do treinador. Já o papel de capitão é mais adequado ao defensor.
Os jogos amistosos preparatórios para a copa mundial de futebol masculino Rússia/2018 não foram encarados como simples treinos indiferentes ao resultado, apesar das experiências feitas pelos treinadores. As seleções jogaram para valer. Muita pancadaria. Contra a seleção austríaca, a alemã escondeu um pouco o seu potencial. As seleções espanhola e brasileira nada esconderam, porém sofreram ao vencer a tunisiana e a croata, respectivamente. Na partida contra a seleção austríaca, da boa sintonia entre armadores e atacantes saíram o primeiro e o terceiro gols marcados por Gabriel e Coutinho (10/06/2018). Os dois jogadores exibiram calma e segurança nos lances bem finalizados. O segundo gol saiu do fundamento que encanta nacionais e estrangeiros aficionados do esporte: o drible. Neymar foi o autor da façanha. Ele e William são os que mais driblam. Com menos frequência (até por razões táticas) outros jogadores também driblam e brilham. Neymar sofreu mais desarmes e pancadas do que William. A defesa está bem postada e não perdeu a eficiência com as substituições experimentais. A equipe está sincronizada e cadenciada. Velocidade, só a necessária. Melhorou a qualidade do passe. Quase joga por música, credenciada para o sucesso. Enfrentará retrancas.

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