sábado, 19 de agosto de 2017

VOTO DISTRITAL

Em trâmites pelo Congresso Nacional proposta de reforma do sistema político. Entre as mudanças pretendidas está a de incluir o voto distrital e o critério majoritário para eleição de deputados e vereadores. Há correntes a favor e contra a mudança. Alguns questionamentos mostram-se oportunos. Como nação, o que somos? O que devemos ser? O que podemos ser? O que temos? O que devemos ter? O que podemos ter? Considerando que a igualdade está na base dos conceitos de justiça e de democracia, podemos considerar democrática uma nação onde impera a desigualdade? Há democracia onde justiça não é um valor supremo e a toga dos juízes tem cor partidária?
As respostas a essas questões ajudarão a moldar um sistema político adequado ao Brasil, ainda que não seja o melhor do mundo. Os reformadores não devem imitar, como “macaquitos” (royalties aos argentinos), modelo alheio estranho ao trópico e ao povo racialmente miscigenado; devem evitar teorias estrangeiras impróprias e mal digeridas. Conveniente que as discussões sobre essa matéria fossem além do nível partidário e da preocupação do parlamentar consigo mesmo; que não girassem em torno do questionamento se a mudança fortalecerá ou enfraquecerá os partidos, beneficiará ou prejudicará alguns parlamentares, aumentará ou diminuirá a inevitável influência do dinheiro. Mais importa saber se a mudança será benéfica à nação, se trará mais efetividade ao processo democrático, se aperfeiçoará o sistema político brasileiro, se contribuirá para a elevação do nível moral dos políticos, se resgatará a credibilidade da atividade política, se respeitará a vontade do corpo eleitoral.
Os reformadores devem indagar a si próprios: [1] O que entendemos por república democrática? Quiçá, aquele estado em que se reconhece a existência de um bem comum administrado em benefício da população segundo a vontade da maioria do povo. [2] Quem deve governar esse estado? Quiçá, a parcela da população denominada povo composta de pessoas com discernimento para decidir sobre o destino da nação. [3] O povo governará direta ou indiretamente? Quiçá, os dois modos. No Brasil, convivem procedimentos diretos (plebiscito, referendo, iniciativa popular) e indiretos (parlamentares e chefes de governo eleitos pelo povo elaboram leis e administram os negócios de estado). 
A eleição dos governantes (legisladores + administradores) pelo voto popular é essencial ao funcionamento da república democrática no que concerne à defesa territorial, patrimonial e institucional do estado, à garantia dos direitos fundamentais, ao bem-estar e à cultura da população. O sufrágio (procedimento de escolha dos governantes) pode ser: [1] restrito quando inclui no corpo eleitoral só pessoas de nobre nascimento, afortunadas patrimonial e culturalmente; [2] amplo (apelidado “universal”) quando admite no corpo eleitoral maior parcela da população a partir de certa idade do cidadão, incluindo por exemplo: analfabetos, mendigos, pobres, negros, indígenas, mulheres, idosos, homossexuais; excluindo estrangeiros e eventualmente nacionais em serviço militar obrigatório e prisioneiros definitivamente condenados por crimes praticados.
Na eleição indireta, o eleitor primário (corpo eleitoral amplo) vota no eleitor secundário (corpo eleitoral restrito) que, por sua vez, vota no candidato ao cargo eletivo. Na eleição direta, o eleitor vota sem intermediário, como no Brasil, onde a eleição se faz sob duplo critério: majoritário para senador e chefe de governo (elege-se o candidato com mais votos); proporcional para deputado e vereador (em nome da minoria elege-se candidato com menos votos).
O critério proporcional, embora muito difundido, afeiçoa-se menos à democracia e se inspira na hipocrisia. A democracia supõe a prevalência da vontade da maioria do povo (na rua) e dos representantes (no tapete). As chamadas “minorias” mais pela condição social do que pelo número (pobres, mulheres, negros, indígenas, homossexuais, idosos) têm voz através dos parlamentares à esquerda do espectro político. No seio das minorias há eleitores. No governo (legislativo + executivo) há eleitos que representam essas minorias. No critério proporcional, a legenda que tiver candidato com grande força eleitoral (puxador de voto) consegue eleger seus candidatos mais fracos e menos votados do que os candidatos de outra legenda. Daí o paradoxo gerado por esse critério: candidatos com menos votos vencem candidatos com mais votos, o que é incompatível com o espírito democrático e com a soberania popular expressa no voto direto, secreto e de igual valor para todos. Sob tal critério, o voto do eleitor é desrespeitado. Deforma-se a representação popular na câmara dos deputados, na assembleia legislativa e na câmara dos vereadores.
O critério majoritário e o voto distrital corrigirão essa anomalia do processo eleitoral brasileiro. Eleger-se-á o candidato a deputado e a vereador que obtiver mais votos, independente da legenda. A representação popular tornar-se-á autêntica e mais adequada ao processo democrático. O processo eleitoral brasileiro livrar-se-á (i) da complicação matemática do quociente eleitoral e (ii) da superioridade do partido político em relação ao corpo eleitoral e à escolha do eleitor.
Na república democrática quem deve ser eleito? O candidato mais qualificado física, moral e intelectualmente, segundo o axioma da ciência política: a nação deve ser governada por seus filhos mais capazes. No Brasil, quem é eleito? O candidato menos qualificado moralmente, segundo o postulado da razão prática: a nação deve ser governada por seus filhos da puta. Os partidos políticos eleitoralmente mais fortes não oferecem candidatos honestos, de espírito público, voltados para o bem geral da nação. Resultado: quadrilhas de bandidos assumem o comando da nação. Da elaboração e execução das leis e da política governamental participam traidores da pátria, estelionatários da fé religiosa, traficantes e usuários de drogas, mandantes de crimes, grileiros, enfim, toda a fauna de predadores. 
O voto distrital e majoritário combinado com a exigência de ficha limpa ajudará a mudar essa realidade, dificultará a candidatura e a eleição de pessoas desqualificadas. A proximidade permitida pelo distrito possibilitará melhor escolha e o fortalecimento do vínculo de confiança entre eleitor e eleito. O novo mecanismo não eliminará a imoralidade dos políticos, mas certamente a reduzirá e contribuirá para melhorar a imagem do Congresso Nacional, o que já é um avanço. Nas eleições de legisladores federais, estaduais e municipais, o país, o estado federado e o município serão divididos em distritos nos quais serão eleitos os candidatos mais votados, vistos de perto pelos eleitores distritais. O voto distrital acentua o aspecto sociológico da representação política ao ligar o eleito aos problemas regionais vivenciados pelos eleitores do distrito. Destarte, embora representativo, o mandato eletivo aproximar-se-á do tipo imperativo ao estimular a consciência do mandatário para os problemas comuns e gerais dos eleitores do seu distrito. 
Considera-se representativo o governo cujas decisões sobre os negócios de estado são tomadas por representantes do povo investidos de autoridade para efetivá-las. O mandato eletivo pode ser: [1] imperativo quando vincula o eleito ao programa do eleitorado; [2] representativo quando não há essa vinculação e o eleito atua segundo as suas próprias diretrizes no propósito de atender as necessidades sociais e não as individuais. Esta última modalidade vigora no Brasil. Portanto, ainda que cidadãos protestem, os parlamentares federais da direita, da esquerda e do centro representam formalmente a nação brasileira e decidem em nome de todos os brasileiros. Deputados e senadores são invioláveis civil e penalmente por qualquer de suas opiniões, palavras e votos.
Atualmente, brasileiros mostram descontentamento com o mandato eletivo do tipo representativo em decorrência do fato de os representantes se desviarem do interesse público para atender interesses privados. Apesar de vinculados aos princípios, regras e objetivos declarados na Constituição da República, alguns representantes se desviam. As normas constitucionais não esgotam a ética do governo representativo. Os bons costumes e as convenções complementam-na. A má conduta do parlamentar pode ser punida: [1] pelo órgão disciplinar da Casa Legislativa; [2] por órgão do Poder Judiciário; [3] pelos eleitores quando não o elegem nos futuros pleitos. Todo servidor público brasileiro tem o dever jurídico de agir dentro das balizas morais (CR 14, 9º + 37).

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