sábado, 29 de abril de 2017

REFORMA POLÍTICA

A experiência brasileira, desde a independência até os dias de hoje, mostra que: (1) a democracia é o regime político palatável aos pobres e parcela dos remediados; (2) a autocracia é o regime político palatável aos ricos e a outra parcela dos remediados; (3) as forças armadas republicanas, organizadas sobre os pilares da hierarquia e disciplina – por isto mesmo, refratárias ao questionamento das decisões do comando – tendem a apoiar regime autocrático. Ao longo da história brasileira, as forças armadas, aliadas aos banqueiros, fazendeiros, comerciantes e industriais, com apoio do clero e de associações de profissionais liberais, detonaram a monarquia, instituíram a república oligárquica, golpearam governos legais (nem sempre legítimos) e instauraram governos ditatoriais (nem sempre totalmente ruins). A autocracia (institucionalizada ou não) está no DNA da república brasileira.
Por exigência da lógica e do bom senso, comunidade humana (nação, estamentos sociais) deve ser dirigida por seus melhores integrantes (elite moral, intelectual e profissional). No entanto, os sistemas eleitorais no Brasil sempre beneficiaram a elite econômica e corrupta. Os representantes desta espécie de elite elaboram as leis que a beneficiam. Fazem parte do costume: explorar a pobreza e a ignorância dos eleitores, compra de votos pelo dono da bolsa, voto de cabresto, coerção dos peões pelo coronel, senadores e deputados venderem seus votos na ação parlamentar pelo melhor preço (em dinheiro ou em benesses). Os grandes partidos políticos abrigam autênticas quadrilhas de bandidos do colarinho branco.  
Na última década do século XX (1991/2000), o ex-deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que entre os membros da Câmara dos Deputados havia cerca de "300 picaretas". Na década passada (2001/2010), o desabafo da deputada federal Denise Frossard: “Mestre: quando eu entro na Câmara (dos deputados) eu tapo o nariz”. Palavras acompanhadas do gesto de prender as narinas com os dedos da mão e queixo empinado. Assim falava e gesticulava para indicar o fedor moral da casa legislativa. Na década seguinte (2011/2020), contra essa podridão pública e notória, jovens paulistanos saem às ruas (junho/2013) e manifestam o seu descontentamento: “vocês não nos representam”.
Oportuno o questionamento: dessa latrina pode vir alguma coisa boa? Que reforma política decente pode surgir desse bando de patifes e delinquentes?
Afastada a malandragem, há soluções decentes possíveis, tais como:
(1) aguardar a renovação do Congresso Nacional mediante eleições livres e candidaturas avulsas para uma reforma política legítima;
(2) emendar a Constituição da República após a renovação do Congresso;
(3) organizar um conselho constitucional para, no prazo de 180 dias, elaborar um projeto de Constituição a ser apreciado pela futura assembleia nacional constituinte; conselheiros indicados pelas assembleias legislativas estaduais e distrital (um representante por estado federado e distrito federal), pelas entidades nacionais representativas dos trabalhadores em geral (comércio, indústria, professores, jornalistas, profissionais liberais), dos estudantes, das agremiações esportivas, da magistratura, do ministério público e da defensoria pública;
(4) convocar assembleia nacional constituinte exclusiva para, no prazo de 180 dias, debater e aprovar o projeto elaborado pelo conselho constitucional; deputados constituintes com idade igual ou superior a quarenta anos, reputação ilibada, formação universitária completa, filiados ou não a partido político, eleitos pelo voto direto, mandatos extintos simultaneamente à promulgação da nova Constituição.
Na reforma política mediante emenda à Constituição, desnecessário recorrer a sistemas eleitorais alienígenas, desde que haja decência e espírito público da parte dos reformadores. Bastam as seguintes alterações no texto constitucional ainda em vigor:
Art. 14. ...
§ 1º. O alistamento eleitoral é obrigatório e o voto é facultativo a todos os brasileiros com idade igual ou superior a dezesseis anos;
§ 2ª.  ...
§ 3º. São condições de elegibilidade, na forma da lei:   
I a IV ...
V – formação universitária completa para os cargos federais e estaduais e secundária completa para os cargos municipais, idoneidade moral, pleno cumprimento das obrigações para com a família, a sociedade e o Estado.
OBS. A filiação partidária deixa de ser condição de elegibilidade.
VI – idade mínima de:
a) quarenta anos para Presidente da República, Vice-Presidente, Governador, Vice-Governador, Senador e Deputado Federal;
b) trinta e cinco anos para Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e Juiz de Paz;
c) trinta anos para Vereador.  

Art. 15. A perda ou suspensão dos direitos políticos dar-se-á nos casos de:
I a II - ...
III – condenação criminal em segundo grau de jurisdição;
IV a V - ...

Art. 17. É permitida a criação de, no máximo, cinco partidos políticos, todos de âmbito nacional, vedadas a fusão, a incorporação e a coligação, resguardados os direitos e deveres individuais e coletivos, o regime democrático e a soberania nacional, observados os seguintes princípios:
I - ...
II – proibição de:
a) recebimento de recursos financeiros de empresas e corporações públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras;
b) subordinação a governo estrangeiro ou às referidas empresas e corporações;
III e IV -  ...
§ 1º. É assegurada aos partidos políticos autonomia para se organizar e estabelecer regras de disciplina partidária, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas para cargos federais, estaduais, distritais e municipais;
§§ 2º a 4º ...

Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo eleitos em cada Estado e no Distrito Federal pelo critério majoritário, independente de filiação partidária.
§ 1º. Cada Estado será representado no máximo por dez deputados, segundo o critério demográfico definido em lei. O Distrito Federal terá cinco deputados.  
§ 2º. Suprimir.
OBS. A menção aos territórios é desnecessária, pois eles não existem. O critério majoritário corresponde à real e efetiva vontade popular. O vigente critério proporcional é enganoso, trai a vontade do eleitor e enseja a eleição de candidato que recebeu poucos votos e por isto não se qualifica como representante legítimo.   

Art. 46. ...
§§ 1º e 2º. ...
§ 3º. Suprimir. (Extinção da figura do suplente de senador). 

O êxito de uma reforma política decente exige mentalidade decente do povo e dos representantes. Regime democrático exige mentalidade efetivamente democrática e vontade firme e constante de conservá-lo. Representação autêntica da soberania nacional no Legislativo e no Executivo se faz mediante eleição dos candidatos pelo voto direto e critério majoritário, independente de filiação partidária. Para ocupar cargo de senador, de deputado, de presidente da república, o candidato deve ter, além da idade mínima e da idoneidade moral, intelectual e profissional, a preferência do eleitor, o que se verifica pelo maior número de votos. Foge-se à verdade eleitoral quando um candidato é eleito com 100 votos (graças à figura do “puxador de votos”) deixando de fora o candidato que obteve 1000 votos. Sistema eleitoral que permite tal safadeza não merece permanecer na Constituição do Brasil.  

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