- Vocês são
fascistas, elite podre da sociedade capitalista!
- Fascistas são
vocês, bando de demagogos enganadores do povo!
A palavra fascista,
às vezes acompanhada de obscenidades, tem sido usada para xingar o adversário
da direita ou da esquerda. A palavra é de origem latina: (1) fasces (latim) = machado rodeado de um
feixe de varas representando a união do povo em torno da autoridade do Estado
romano; (2) fascio (italiano) =
feixe, grupo, bando.
Fascista, no significado próprio, é o adepto
do fascismo, seja indivíduo, grupo ou partido político. Consoante testemunho da
história, o fascista caracteriza-se: (1) por ferrenha oposição ao marxismo; (2)
por aversão ao governo democrático; (3) pelo ódio ao adversário; (4) pela intolerância;
(5) pela violência física e moral (depredação, espancamento, seqüestro,
assassinato, injúria, difamação, calúnia).
Ninguém é fascista só por estar à direita ou à
esquerda do espectro político. De um modo simples e esquemático, o quadro assim
se desenha: (1) o princípio fundamental da direita é liberdade; o da esquerda, igualdade;
(2) o modelo político da direita é aristocrático;
o da esquerda, democrático; (3) o
governo da direita é elitista; o da esquerda, populista; (4) o valor econômico
da direita é a propriedade privada; o da esquerda, a propriedade coletiva; (5)
a direita é concentradora da riqueza; a esquerda, distribuidora; (6) a direita
pende para o egoísmo; a esquerda, para o altruísmo.
De mero acidente topográfico decorrente do confronto liberalismo x socialismo na Assembléia Nacional
Francesa, quando os defensores da liberdade, dos privilégios e da propriedade
privada postaram-se à direita do plenário enquanto os defensores da igualdade,
da justa distribuição da riqueza e do bem-estar social postaram-se à esquerda, a
contraposição direita x esquerda entrou
para o vocabulário da ciência política por refletir uma realidade social e
econômica histórica: a existência de classes fundadas em princípios e interesses
conflitantes no bojo da sociedade industrial. Modos coletivos de protesto e de
reivindicação como greve, passeata, frente popular, invasão de propriedades,
atestam essa divisão no meio social.
A direita é conservadora e pragmática. A ideologia da
direita sustenta a legitimidade das forças sociais empenhadas em conservar o
modelo econômico e social que as beneficia. Só há solidariedade entre essas
forças quando se defrontam com grave ameaça aos seus comuns interesses. Fora
disto, impera entre elas a selvagem competição por lucro e crescimento patrimonial.
Esse individualismo possessivo é óbice intransponível à busca da universalidade
empreendida pelos teóricos da direita.
Fascismo é exercício autocrático do
poder político por uma elite civil/militar que acumula funções legislativa e
executiva, supressor da oposição, instaurador de um regime de tendência
totalitária e corporativista, de caráter nacionalista, idealista e romântico,
sustentado pelo capital financeiro e estribado na força e na censura. A chefia
do governo fascista é exercida, geralmente, por pessoa carismática.
No fascismo, a soberania do Estado é absoluta; perante
o Estado, o cidadão não tem direitos, só deveres (Kant dizia isto de modo
inverso: “O Chefe de Estado só tem direitos em face dos súditos, não tem
deveres”); a liberdade é dispensável na seara política embora útil no setor econômico;
o povo necessita de ordem, trabalho e prosperidade; o governo cabe à elite que
se legitima pela força e pelos ideais nacionais (autoritarismo). A nação é a mais sublime forma social com alma e
vida próprias; duas nações distintas jamais comungarão os mesmos ideais e
interesses (nacionalismo). A nação é
senhora do seu destino; a interpretação materialista da história é um equívoco
(idealismo). O espírito fascista é vontade e não intelecto; a razão é
inadequada para solucionar os grandes problemas nacionais; são necessários: fé
mística, sacrifício, heroísmo e força (romantismo).
A luta é a origem de todas as coisas; as nações que não se expandem, morrem; a
guerra enobrece o homem e regenera os povos ociosos (militarismo). A economia deve ser regulamentada e controlada pelo
Estado; as classes produtoras representam a nação sem antagonismo entre o
capital e o trabalho (corporativismo).
O Estado engloba os interesses individuais e coletivos; nada acima do Estado;
nada fora do Estado; nada contra o Estado; um só partido, uma só imprensa, uma
só educação (totalitarismo).
O fascismo supera a tensão teoria x prática mediante um pragmatismo radical: sepulta a teoria
e prestigia a ação. (L´azione há
seppellito la filosofia, escreveu Mussolini). Na Itália fascista ouvia-se o
histriônico ditado: Filosofia é a ciência
com a qual ou sem a qual o mundo resta tal e qual. O fascismo é rebento
italiano gerado pelos negativos efeitos sociais e econômicos da primeira guerra
mundial. Graças à sua proposta de combater o comunismo e preservar o capital e
a propriedade privada, o fascismo recebeu a simpatia e o apoio de banqueiros,
industriais, comerciantes e latifundiários. Com auxílio da imprensa e do rádio,
as lideranças fascistas serviram-se da retórica e da propaganda para obter o
consenso da massa popular. Foi junto à pequena burguesia que o fascismo
conquistou o maior número de adeptos. A classe operária inclinava-se para o
socialismo.
De acordo com o saudosismo fascista, a Itália devia conquistar
e iluminar o mundo, como fizera ao tempo do império romano e da renascença. A
Itália devia sobrepor-se ao italiano, o interesse da nação sobrepor-se ao
interesse do indivíduo. Entre os fatos geradores da revolução fascista contam-se:
especulação, demagogia, corrupção, inflação, desemprego, salários baixos,
greves freqüentes, fechamento do mercado estrangeiro, ativismo socialista do
operariado, aumento das cadeiras socialistas no Parlamento, filiação à
Internacional Socialista de Moscou em 1918 (radicalismo econômico). O fascismo
brotou: (1) do caldo de cultura produzido pela primeira guerra mundial; (2) da
reação capitalista ao radicalismo econômico dos socialistas; (3) do fracasso do
governo parlamentarista (nenhum partido conseguia maioria no Parlamento
italiano; governar era missão quase impossível).
A partir da tese de Hegel (o Estado é a manifestação de Deus na Terra) e da tese de Heráclito
(o mundo real deriva do ajuste de
tendências opostas, da harmonia dos contrários) o filósofo Giovanni Gentile
e o historiador Giuseppe Prezzoline forneceram base teórica ao fascismo. Teses
de Marx foram adaptadas. A luta de
classes, ao invés de expressar situação transitória que terminaria no
comunismo (marxismo), expressa
situação permanente da vida em sociedade (fascismo).
A uma elite cabe disciplinar essa luta. A prevalência da ação sobre a teoria,
no fascismo, tem raiz marxista: Os
filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de diversas maneiras; a
verdadeira tarefa é transformá-lo (Karl Marx).
Benito Mussolini (1883-1945), cujo pai admirava o
herói mexicano Benito Juarez, era italiano, professor, jornalista, político,
chefiava o fascio de Milão e fundou o
Partido Nacional Fascista (Roma, 1921). Benito abandonou o marxismo e se tornou
o corifeu do fascismo. Escorou-se nas imagens de Julio César, Bonaparte e
Garibaldi, mui presentes na cultura italiana; usou linguagem bombástica e
bravatas; sob a sua liderança, a Itália progrediu. O rei Vitor Emanuel III manteve
as prerrogativas do trono. Parte da burocracia e dos oficiais militares era
fiel ao rei e, às vezes, se opunha aos projetos de Benito. O Papa era outra
pedra na bota do Il Duce. Apesar
disto, Benito conquistou lugar na história como pioneiro de um novo modelo
político.
O pensamento de Benito é um coquetel: (1) mais do que
teoria e palavrório, o que importa é agir; (2) segundo as circunstâncias de
tempo e lugar, o fascista pode ser aristocrático, democrático, conservador,
progressista, reacionário e revolucionário; (3) algo absoluto paira acima
dessas coisas relativas: a nação. Por
ser complexa, conflituosa e dividida em classes, a nação real não serve aos desígnios fascistas. Criar o mito era
necessário; corresponder à realidade era desnecessário. No mito, envolvido em persuasiva
retórica, a nação é vista como unidade política homogênea. Seguindo essa linha
ficcional, os fascistas do século XXI afirmam que a oposição direita x esquerda está superada, embora
a realidade mostre o contrário.
O fascismo difundiu-se com tintas locais por países
como Alemanha, Espanha, Portugal, Turquia, Líbia, Egito, Japão, Coréia, Brasil,
Argentina. Na segunda metade do século XX, em decorrência da guerra fria (EUA x URSS), o fascismo
grassou nos países da América Latina e impediu que o comunismo vicejasse no
continente americano (com exceção de Cuba). O capitalismo de Estado estimulou o
fascismo. Apesar da derrota dos governos fascistas na segunda guerra mundial
(1939/1945), o fascismo sobreviveu como visão de mundo (pensamento único,
linguagem e ação homogêneas, sublimação dos antagonismos) e como ativismo político,
quer em partido próprio, quer infiltrado em partidos conservadores.
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