sábado, 13 de abril de 2013

MUNDO ESPIRITUAL



Os costumes, crenças, aspirações, sentimentos, idéias, vigentes em uma sociedade conformam a existência religiosa, moral e jurídica dos seus membros. Ao se falar no espírito do povo, no espírito da lei, no espírito científico, no espírito religioso, está se reconhecendo um substrato mental e emocional, uma dimensão espiritual da cultura humana à qual temos acesso por intermédio da nossa inteligência e sensibilidade. Desde a infância somos educados para penetrar nesse mundo e trabalhar com o material nele existente (aritmética, álgebra, estética, regras do decoro, explicações científicas, opiniões filosóficas, doutrinas religiosas). 

Além desse mundo imaterial criado pela mente humana, acredita-se na existência de outro mundo também imaterial organizado segundo leis divinas e povoado por seres desprovidos de corpo físico. Essa crença é o alicerce do espiritualismo que está na base das religiões. Aniquilada essa crença que inclui a continuidade da vida após a morte do corpo físico, religiões desmoronariam e igrejas perderiam poder. Secaria a fonte de renda dos mercadores da fé. Cada líder religioso constrói a imagem do mundo espiritual como lhe parece e a transmite ao público. A necessidade humana do pão espiritual torna viáveis a mitologia e a religiosidade. Desse pão, a ilusão é o fermento. Entre os padeiros estão os estelionatários da fé. Sociólogos consideram a religião fenômeno social com base nessa necessidade sentida pelo grupo humano desde remota antiguidade quando ainda não havia templo nem teologia (Émile Durkheim. Las Formas Elementales de la Vida Religiosa. Madri. Akal, 2007, p. 8).

O medo, a ignorância, a insegurança, a incerteza, o sentimento de impotência diante das forças telúricas, o desejo de se proteger da doença e do perigo, as inquietações da vida enfim, levam os humanos a crer em entidades poderosas exteriores ao mundo físico. Essa base psicológica leva à solidariedade e à comunhão. Rituais e fórmulas são engendrados para agradar à divindade, aplacar a fúria da natureza, obter proteção, cura dos males, êxito nos empreendimentos e prosperidade. A religião do antigo Egito tinha por base a crença na imortalidade da alma e na vida no além. O paganismo grego e romano prescindia desse tipo de preocupação embora houvesse espírito religioso (deuses com atuação histórica, templos, devoção, cultos domésticos). O judaísmo, o cristianismo e o islamismo colocam fé e esperança na salvação da alma. Segundo a Bíblia hebraica, os humanos são pecadores. A igreja cristã assombra os fiéis com o pecado: poucos ganham o Céu, cuja porta é estreita; a maioria arde nas labaredas do Inferno. Essa doutrina contradiz a tese de que Jesus veio para salvar a humanidade e tirar os pecados do mundo. De acordo com o próprio Jesus, a maioria dos humanos já está condenada; só a minoria que atravessa a porta estreita se salvará. Durante sua passagem pela Terra coube a Jesus criar o embrião dessa pequena comunidade de santos.

Religião e mito são aparentados. O humano cria o mito: narrativa, deuses e heróis. Os membros do clã, da tribo ou da nação compartilham do mito. A tradição conserva-o. Segundo Joseph Campbell, o mito é uma pista para as potencialidades espirituais da vida humana. Ao invés de um sentido para a vida, busca-se uma experiência de estar vivo de modo que essa experiência no plano puramente físico tenha ressonância no interior do ser humano. Essa ressonância provoca o enlevo de estar vivo. O mito ajuda a colocar a mente em contacto com a experiência de estar vivo (O Poder do Mito. São Paulo, Associação Palas Athena, 1990, p. 5/6).

A busca por essa experiência não exclui a busca pelo sentido da vida. Ainda que a vida não tenha sentido algum e a salvação da alma seja uma quimera ou um pretexto, o fato é que fiéis do judaísmo, do cristianismo e do islamismo procuram tal sentido e nessa procura podem perceber o enlevo de estar vivo. O terreno da espiritualidade é metafísico e nele se caminha com a intuição; prepondera a crença; o raciocínio é coadjuvante. Diz Huberto Rohden: entre o entendimento intelectual do homem profano e o compreender espiritual do iniciado medeia um grande sofrimento. Ninguém chega a Deus só pela força do pensamento (“O Triunfo da Vida Sobre a Morte”. São Paulo, Martin Claret, 1991, p. 17).

Em se tratando de uma dimensão cósmica imaterial, o mundo espiritual se constitui no habitat dos seres imateriais inteligentes que ocuparam corpos físicos nos rincões do universo. No mundo espiritual será impossível uma torre de babel, pois os seres imateriais não necessitam do aparelho da fala próprio do organismo físico. Idiomas são dispensáveis. A personalidade anímica não está sujeita aos limites da matéria. Os seres encarnados na Terra usam diferentes idiomas para expressar a mesma idéia (céu, cielo, sky). No mundo espiritual há transparência, a expressão das idéias é direta e imediata e o meio de circulação é vibratório.  

Em decorrência da sua arquitetura mental, os humanos pensam o mundo espiritual em termos de espaço e tempo. O brocardo místico assim como encima é embaixo exemplifica essa transposição. Vem de Platão essa imagem espacial e hierárquica do mundo material como sombra do mundo espiritual. Místicos orientais afirmam a necessidade de esvaziar a mente para acessar ao mundo espiritual. Para eles, aquelas categorias são inoperantes no mundo espiritual. A estrutura lógica do pensamento humano coloca ordem nas idéias, mas o raciocínio dificulta a harmonização no plano espiritual. A mente vazia é a senda para o êxtase espiritual.

A radical separação entre os mundos material e espiritual pode ser enganosa. Espírito e matéria formam unidade cósmica em faixas vibratórias distintas. A célula animal serve de exemplo. Além da matéria (membrana plasmática, citoplasma, cromossomos, ribossomos, mitocôndrias) a célula está provida de energia e de inteligência para realizar sua função, ou seja, provida de substrato espiritual.

Inferno e purgatório não são lugares e sim condições terrenas criadas pela morbidez humana e materializadas pela conduta dos crentes. Na avançada concepção de Santo Agostinho, o paraíso era um lugar de paz e alegrias harmoniosas onde Adão e Eva se relacionavam sexualmente com prazer e sem pecado, sob o beneplácito divino. Esse lugar jamais existiu. Paraíso é sonho esperançoso. O primeiro casal é concepção infantil da mente primitiva. No mundo material atua a lei do karma nos dois níveis: individual e coletivo. Plantado o bem, colhe-se o bem; plantado o mal, colhe-se o mal. Cogita-se do perdão. Recebe-lo não significa neutralizar o karma. Pedir perdão com arrependimento gera efeito compensador. Conceder perdão com sinceridade gera crédito. Alguns perdoam porque se julgam divinos; outros perdoam porque se julgam civilizados e bondosos. A natureza não perdoa. A rigidez das suas leis mantém o universo estável apesar do caos aparente. Flexíveis porque ditadas por conveniência, as leis humanas geram instabilidade apesar da ordem aparente.   

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