Não
deixe que males pequeninos/ venham mudar nossos destinos/ O peixe é pro fundo
das redes/ segredo é pra quatro paredes/...(canção popular brasileira).
Ocultar de outrem coisa, fato,
técnica, conhecimento, sentimento, faz parte dos costumes humanos. Pajés,
feiticeiros, alquimistas, não revelam as fórmulas da sua arte. Depositários
guardam silêncio sobre material e assunto que lhes são confiados. Proprietários
ou administradores têm o conhecimento privativo dos códigos para abertura de cofres.
Acesso a contas ou a lugares protegidos requer senha. Estudos, pesquisas e
descobertas no campo da ciência ignorados do público ficam restritos à
comunidade científica. Empresas ocultam fórmulas e técnicas de fabricação dos
seus produtos. Governos classificam de confidencial assunto sobre o qual
somente poucos agentes credenciados têm informação.
Pessoas levam para o túmulo, para o
forno crematório, para o outro mundo, vivências introvertidas, esperanças
caladas, paixões e anseios secretos encerrados em seus corações. A revelação de
tais segredos antes da morte do guardião pode ter bons ou maus efeitos.
Sentimentos e projetos reprimidos quando deixam a esfera sigilosa para entrar
na claridade dos fatos abrem caminho à desgraça. Às vezes, os guardiões do
segredo exposto são pessoas comuns, amáveis, educadas, que se relacionam bem
com os familiares e com os vizinhos. Ao serem descobertos como agentes do crime
impactam a comunidade, causam espanto e incredulidade. Vem à balha a sentença
de Blaise Pascal: o coração tem razões
que a razão desconhece.
O conhecimento fechado em um círculo
restrito de pessoas é fonte de poder. Razões de segurança determinam o sigilo
de assuntos na esfera estatal, cientifica ou religiosa, visando a livrar de
entraves o que se busca, investiga, pesquisa, ou para evitar o desvirtuamento e
o mau uso pela massa ignara. Assim foi no passado e continua a ser no presente.
Servem de exemplo cerca de oitocentos manuscritos descobertos em onze cavernas
no sítio de Qumran, na Jordânia. A primeira caverna foi descoberta em 1947; as
demais, entre 1952 e 1956. Até hoje (2013) o pleno conteúdo dos manuscritos não
foi revelado ao público. Os pergaminhos lá encontrados em rolos e em fragmentos
podem revelar dados que interessam à cultura ocidental e lançar nova luz sobre
as raízes do cristianismo. Para tanto, importa manter o material intacto e o conteúdo
original sem interpolações. O grupo de estudiosos, a maioria de católicos,
mantinha os manuscritos em seu poder sem divulgá-los. A partir de 1985,
agregaram-se judeus ao grupo. O propósito era traduzir os manuscritos do
hebraico e aramaico para outros idiomas e publicá-los, porém prevaleceu o temor
de que dogmas judeus e cristãos fossem abalados.
O clima de segredo continuou. O
significado de muitos desses manuscritos continua inacessível a grande parcela
da humanidade. A Biblical Archaeology Review publicou coletânea de ensaios
organizada por seu presidente com o cuidado de resguardar a dogmática judia e
cristã. Os ensaios versam a descoberta dos manuscritos e seus vínculos com
seitas palestinas, com a bíblia hebraica, com o primitivo cristianismo, além de
outros temas. (Para Compreender os
Manuscritos do Mar Morto. Hershel Shanks, org. Rio de Janeiro, Imago
Editora, 1993).
A intuição, veículo de acesso ao
conhecimento armazenado no mundo metafísico, conduz à iluminação espiritual
(conhecimento intuitivo) e provoca mudanças na pessoa. Isto aconteceu com o
dominicano Tomas de Aquino. Após sentir um toque espiritual quando celebrava
missa em Nápoles, ele parou de escrever a Summa
Theológica (06/12/1273). Indagado sobre o motivo, ele disse que lhe foram
reveladas coisas de tal ordem que diante delas tudo o que escrevera parecia
palha (Saint Thomas D´Aquin. Des Lois. Paris, Egloff, 1946, p. 11). Três meses
depois (07/03/1274), aos 49 anos de idade, ele morre quando se dirigia a Lyon
para o concílio ecumênico (reunião dos bispos de todo o mundo convocada pelo
papa). Diante de tantos crimes praticados por papas, cardeais, bispos e padres
no curso da história medieval e moderna, cabível a suspeita de que Tomas tenha
sido envenenado para impedir que aquelas revelações íntimas viessem a público. Elas
foram sepultadas com ele. A Igreja o santificou, adotou como pensamento oficial
a “palha” por ele deixada e lhe outorgou o título máximo de Doutor da Igreja.
Mediante essa artimanha clerical a “palha” adquiriu autoridade e triunfou sobre
as revelações.
Desde a Idade Média até a Idade
Moderna a maior parte da população européia era analfabeta (calcula-se em 90%
ou mais). O vulgacho olhava com admiração e reverencial respeito os textos
escritos e dependia de uma estreita minoria alfabetizada para conhecer e
entender o conteúdo. Isto passou de geração a geração. Os textos religiosos
eram cercados de uma aura sacra. O segredo e o sagrado se entrelaçavam. Os
clérigos, senhores do mistério, convenciam os fiéis de que a Bíblia era a
“palavra de Deus”, ou escrita por pessoas especiais inspiradas por Deus. Assim, as infantilidades, falsidades e maldades contidas
na Bíblia, escritura “sagrada”, eram engolidas sem resistência e sem reflexão. Religião não se discute era o dogma para
manter o crente na ignorância e na fé cega.
Apesar
da vitória do cristianismo no ocidente, o paganismo se manteve ativo. Algumas
práticas pagãs foram cristianizadas (a festa natalina, por exemplo). Enquanto
na Europa o cristianismo vigorou como religião oficial do Estado, os europeus
se dedicavam em segredo às práticas pagãs em suas casas, nos bosques ou em
redutos ocultos. Na época atual (séculos XX e XXI) essas práticas livraram-se
do constrangimento estatal e religioso em países da Europa e da América. Servem
de exemplo: o carnaval, a festa das bruxas, os cantos e danças em locais
abertos ou fechados para invocação de espíritos. A ordem maçônica, a ordem
rosacruz e outras similares funcionam às claras na forma da lei e dos
estatutos. Aos membros dessas ordens é exigido segredo apenas no que tange aos
rituais e ensinamentos.
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