sexta-feira, 25 de setembro de 2009

REMINISCÊNCIAS

REMINISCÊNCIAS DE UM MAGISTRADO - XXIV

Em defesa da independência dos juízes solicitei, por escrito, ao senador Bernardo Cabral, que presidia a comissão de sistematização e redação da Assembléia Nacional Constituinte, que substituísse, onde fosse encontrada, no projeto de Constituição, a expressão “juiz subordinado”, no singular ou no plural, pela expressão “juiz vinculado” no singular ou no plural, em relação aos respectivos tribunais. Onde vigora o Estado Democrático de Direito com o seu corolário da separação dos poderes, o juiz está subordinado apenas à Constituição, às leis e à sua consciência. O senador atendeu ao meu pedido como se vê dos artigos 95, I e 96, I, b, da Constituição Federal.

Encaminhei aos senadores Bernardo Cabral (do Amazonas) e José Richa (do Paraná) e a dois parlamentares do Rio de Janeiro, as minhas16 propostas justificadas, discutidas e votadas no congresso da magistratura de Recife e na convenção do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional em Porto Alegre (1987). O senador Cabral agradeceu a contribuição. O senador José Richa acusou o recebimento e posteriormente me enviou exemplar da nova Constituição devidamente autografado. Os parlamentares do Rio de Janeiro não se manifestaram. Fui informado sobre a resistência oferecida por setores da igreja e da magistratura. Relaciono a seguir, as referidas propostas, algumas das quais foram incluídas no texto constitucional. As restantes ficaram no limbo.

Extinguir os tribunais de alçada e os vogais da Justiça do Trabalho e trasladar a estrutura da justiça militar do âmbito do Judiciário para o âmbito do Executivo.
Unificar a justiça federal comum e a justiça do trabalho.
Escolha dos dirigentes dos tribunais de justiça por todos os juízes vitalícios.
Representação dos juízes de primeiro grau no Conselho da Magistratura.
Judicatura sem limite de idade, enquanto o magistrado tiver saúde e bem servir.
Suprimir o critério de merecimento ou escolha para promoção por merecimento limitada aos 10 juízes mais antigos.
Suprimir o quinto constitucional ou sua extensão ao judiciário federal.
Vedar o ingresso na magistratura sem concurso público.
Preencher exclusivamente com juízes de carreira, as vagas nos tribunais superiores.
Residir o juiz, obrigatoriamente, na comarca onde exerce a judicatura.
Subsídio único, sem adicional por tempo de serviço ou qualquer outro penduricalho.
Permanecer o magistrado, no mínimo, 5 anos no cargo antes de obter aposentadoria, ainda que completado o tempo de serviço.
Facultar ação penal subsidiária à vítima ou seus parentes quando a ação penal pública não for intentada no prazo.
Legitimar qualquer cidadão e outras entidades além do procurador-geral da República, para propor ação direta de inconstitucionalidade.
Proibir juízo de exceção (e não apenas tribunal de exceção) e símbolos religiosos nos juízos e tribunais.
Nivelar os lugares do advogado e do representante do Ministério Público nas varas e nos tribunais.

A associação dos magistrados do Estado do Rio de Janeiro nomeou comissão para atuar junto aos parlamentares na Assembléia Nacional Constituinte (ANC). A minha atuação foi individual e solitária, pois eu não fazia parte da citada comissão. Certo dia, encontrei o juiz Hamilton Lima Barros (Hamiltinho) e outros membros da comissão, em frente à referida associação estadual. Com a concordância dos demais, Hamiltinho disse que a proposta de eleição direta dos órgãos de direção do tribunal por todos os juízes vitalícios estava circulando com o meu nome: “Emenda Lima”. As propostas que despertaram maior interesse dos juízes foram as que seguem.

Subsídio x vencimento. O magistrado situa-se na cúpula do Estado ao lado do parlamentar e do chefe de governo; exerce o poder político na sua expressão jurisdicional; colocá-lo no mesmo nível do funcionário público significa rebaixá-lo do ponto de vista institucional, assemelhando-o a um barnabé de toga. Aplicar ao juiz o mesmo regime de remuneração dos funcionários implica nesse indevido nivelamento. O expediente de um vencimento base com penduricalhos para chegar a uma remuneração condigna afigura-se inconveniente à imagem de honestidade e austeridade da magistratura. Bem melhor é fixar um subsídio de modo claro e transparente, em quantia certa, compatível com a dignidade do cargo. Essa proposta foi aprovada pela ANC.

Extinção do critério de merecimento para promoção. A experiência mostra que esse critério gera distorções; prepondera o subjetivismo e a política rasteira, o que provoca insatisfação e ressentimento no seio da magistratura. Apadrinhamento e nepotismo configuram injustiças praticadas intencionalmente por membros dos tribunais, quando devia prevalecer o espírito de justiça. Improvável que entre os 10 juízes mais antigos nenhum tenha merecimento. Daí a minha proposta: caso o “mérito” não fosse extinto como critério de promoção, então que só concorressem os 10 juízes mais antigos. Com pequena alteração, essa proposta foi aprovada pela ANC.

Eleição para órgãos de direção do tribunal de justiça. Todos os juízes vitalícios devem participar das eleições. No Estado federado, o presidente do tribunal de justiça também é o chefe do Poder Judiciário. Membros desse Poder são todos os juízes. Na judicatura, o poder jurisdicional é exercido tanto no juízo singular (vara) como no juízo coletivo (tribunal). O caráter aristocrático inerente à magistratura decorre da seleção dos melhores em concurso público (afastadas as fraudes). Esse caráter não obsta, porém, procedimento democrático interno, mediante processo eleitoral que inclua todos os juízes vitalícios. A proposta não foi aprovada pela ANC.

Residência na comarca. Essa proposta foi copiada do Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Paraná e da Lei Orgânica da Magistratura. A sua importância para a sociedade, principalmente nas pequenas comarcas, levou-me a pleitear sua elevação a norma constitucional. A população sente-se segura e prestigiada com a presença do juiz e de sua família na comarca. A proximidade física do juiz com os jurisdicionados favorece a tranqüilidade social. Ali, naquele pedaço do território brasileiro, o juiz encarna o Poder Judiciário; ali, mais transparece o seu caráter de agente político lato sensu. A proposta foi aprovada pela ANC.

Condição para aposentadoria: interstício de 5 anos no cargo para obtenção da aposentadoria, ainda que o tempo de serviço do magistrado esteja cumprido. Isto evita aposentadorias de compadrio, concedidas após breve tempo no cargo, como aconteceu no Supremo Tribunal Federal durante o regime militar. Ministro houve que não proferiu um voto sequer e permaneceu poucos dias no cargo. A aposentadoria era concedida como prêmio pelos serviços prestados ao regime. Essa proposta foi acolhida pela ANC e estendida aos servidores públicos em geral.

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