domingo, 14 de setembro de 2025

JULGAMENTO

Nas sessões dos dias 9, 10 e 11 de setembro de 2025, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente o pedido de condenação formulado pelo Ministério Público (MP) na ação penal pública originária proposta contra Jair Messias Bolsonaro e outros acusados da prática de crimes contra o estado democrático de direito e o patrimônio público. Foram aplicadas penas privativas de liberdade e pecuniárias. A sentença condenatória (acórdão) conterá os nomes dos réus, sucinta exposição da acusação e da defesa, os motivos de fato e de direito que fundamentaram a decisão, os artigos de lei aplicados e o dispositivo (juízo final). Publicado o acórdão, começa a fluir o prazo para recursos processuais. Transitado em julgado, inicia-se a execução do acórdão. 
Os votos vencedores lastrearam-se nas provas. A defesa reclamou da abundância de provas e do pouco tempo para examiná-las. Como há réu preso, o prazo não podia ser dilatado. Interessante notar, nas sessões, as posturas dos ministros Moraes e Fux: pareciam disputar a autoria do voto mais longo e erudito. Fux venceu. Ele realizou formidável ginástica cerebrina para absolver os réus: considerações iniciais, premissas teóricas, questões preliminares, pletora de citações doutrinárias e jurisprudenciais, inexistência de prova da autoria dos delitos (?!?!), divagações e 14 horas para concluir o seu voto divergente. 
Serenidade mandada às favas. Moraes assemelhava-se a um guerreiro do MP e Fux a um guerreiro da advocacia. Durante a dosimetria, Fux retornava ao seu voto, numa insistência intempestiva. Deixou a impressão de que ele queria mostrar empenho extraordinário para agradar ao líder da tentativa de golpe e ao presidente dos Estados Unidos, a fim de escapar às sanções da Lei Magnitsky. Interessante, também, a coincidência. Há alguns anos, ambos foram acusados de plágio por omissão da fonte. Fux, em obra de direito processual civil. Moraes, em obra de direito constitucional. A extrema direita também pode plagiar a frase do dólar americano, tal como fizeram os chicaneiros da operação lava-jato de Curitiba, atualizando-a: “In Fux, Fachin, Marques, Mendonça, We Trust”. 
Para preencher vagas no STF, o governo de esquerda nomeou Fux e Fachin. O governo de extrema direita nomeou Marques e Mendonça. No cargo, todos se posicionaram à direita. Isto, por si só, não significa desprimor ao cabedal ético, jurídico e cultural dos magistrados. Na democracia, a bipolaridade esquerda-direita é legítima, produto do evolver da civilização ocidental a partir da Assembleia Nacional Constituinte da França de julho de 1789 a setembro de 1791. [Os deputados conservadores ocupavam os assentos à direita e os deputados proressistas os assentos à esquerda do Plenário].    
Lamentáveis são as relações de ódio, violência, intolerância e rancor geradas nos extremos. Nos processos judiciais, o desprimor pode acontecer durante o exame dos casos concretos quando se infiltram pontualmente: amizade, cortesia, antipatia, esperteza enganosa, retribuição de favores, crença religiosa, afinidade política ideológica. 
Quando o juiz diz que o seu julgamento não será político e sim jurídico, acende-se a luz amarela. Vem à memória, os versos de Vinicius de Moraes: “aquele que diz sou, não é, pois quem é mesmo, não diz”. Parlamentares, chefes de governo e magistrados são agentes políticos que, nas democracias, exercem o poder do estado nos limites da Constituição. Na verdade, o juiz está a dizer: meu juízo é imparcial; não tenho lado nas disputas políticas partidárias. Entretanto, pode acontecer de o magistrado tergiversar valendo-se dos seus dotes intelectuais e culturais para atender compromissos extravagantes. Contudo, essa não é a regra. A honestidade, a juridicidade e o espírito de justiça são as regras. 
Fux cumpriu promessa anterior à sua nomeação para o STF. Com a autoconfiança que caracteriza o portador da faixa preta na arte marcial (jiu-jitsu), em atitude de quem espera receber voto de confiança, diz à presidente Rousseff que, a seguir, o nomeou: deixa comigo que “eu mato no peito”. Realmente, ele “matou no peito” a operação lava-jato e, agora, “matou no peito” o Caso Bolsonaro. Nos tribunais, a divergência entre os julgadores é normal e bem aceita. Todavia, essa normalidade não encampa a chicana, mesmo coberta com o verniz da erudição.    
As diferentes definições de democracia trazidas à colação nos votos dos ministros da 1ª Turma, merecem ponderação. A origem do vocábulo democracia é grega. Demo = povo + cratos = poder. Na polis ateniense, em certo período da história antiga, reconhecia-se a capacidade do povo para governar a si próprio dentro do seu território. No sentido estrito, povo era a parcela da população do sexo masculino e de certa idade, proprietária de bens, com direito ao sufrágio. Ante o declínio da monarquia na Europa moderna, as revoluções americana e francesa (1787 e 1789), com fulcro na liberdade, trouxeram à luz a democracia como forma de governo, deferindo o direito de sufrágio à parcela da população do sexo masculino, homens livres, alfabetizados e de certa idade. Nas democracias americanas e europeias do século XX, as mulheres adquiriram direito ao sufrágio e passaram a integrar o povo no sentido de corpo eleitoral. A vida privada (doméstica, social, econômica) compenetrou-se dos princípios democráticos. Com a revolução russa (1917), entra mais vigorosamente no conceito de democracia, o elemento ideológico. Democracia liberal nos estados capitalistas: prevalecem ideias de liberdade limitada pelo direito (burguês), igualdade formal e de propriedade privada. Democracia igualitária nos estados socialistas: prevalecem ideias de liberdade limitada pelo direito (proletário), igualdade material e de propriedade coletiva dos meios de produção. Nos dois modelos de estado democrático, a sociedade civil é a séde do poder. Os seus representantes são eleitos de forma direta e/ou indireta, conforme as regras vigentes em cada estado. 

Constituição da República Federativa do Brasil. Preâmbulo. Artigos 1º, p.u. + 2º + 5º caput + 102 caput. 
Código de Processo Penal. Artigos 381 + 387.
Lei 8.038/1990. Artigo 12, inciso II.
Regimento Interno do STF. Artigos 230 + 245.


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