domingo, 18 de fevereiro de 2024

APOCALIPSE

Noite de sábado. 10/02/2024. Multidão na rua. Carnaval baiano. Duas mulheres maduras, uma na faixa etária dos setenta e a outra na faixa dos cinquenta. Ambas cantoras famosas, de microfones nas mãos, nos respectivos trios elétricos. Inesperadamente, trava-se, entre elas, insólito debate religioso. A idosa anuncia, com fervor, o advento do apocalipse dentro dos próximos 5 ou 10 anos. A mais nova contesta com veemência. Pelas vozes delas, amplificadas por alto-falantes, a Bíblia entrou no carnaval de Salvador sacudindo as cadeiras ao som da intrépida bateria pentecostal. 
Bispos, pastores e crentes evangélicos descumprem o dever cívico de respeitar os seguidores de outras religiões. Abusam do exercício da liberdade de religião constitucionalmente assegurada aos brasileiros. Aquele povo estava reunido na capital baiana para brincar o carnaval e não para ouvir sermão religioso. 
O Apocalipse tem 1.898 anos de idade, aproximadamente. Trata-se de um livro (produto cultural) e não de uma hecatombe (fenômeno natural). Então, pode ser macetado, como sugeriu a contestante. Basta desentranhá-lo da Bíblia e nele bater com a maceta ou colocá-lo numa prensa e comprimi-lo até se tornar finíssima folha de papel. Macetando-o ou prensando-o, nada se perderá de importante e de verdadeiro. 
O primeiro livro da Bíblia, intitulado Gênesis, tratou da criação do mundo. O último livro da Bíblia, intitulado Apocalipse, tratou do fim do mundo. Esses dois livros foram esterilizados pelas modernas Antropologia, Biologia e Astrofísica. Isto constitui mais um motivo para as sinagogas, as igrejas católicas e os templos protestantes demonizarem a Ciência. 
A autoria do Apocalipse é atribuída ao apóstolo João. Esse livro foi escrito no início do século II (101-110 d.C.) na ilha Patmos (Turquia), onde João estava homiziado. Dizendo-se “arrebatado” e “em êxtase”, o apóstolo afirma ter recebido instruções ditadas por voz forte como trovão de alguém parecido com Jesus postado entre 7 candelabros. A descrição mais parece a de um robô, ou, a de uma nave metálica semelhante à que foi vista e descrita por Ezequiel. As aparições naqueles dias não ocorriam em goiabeiras. 
Apocalipse é palavra grega que significa revelação. Com tal palavra, João inicia o seu livro: “REVELAÇÃO de Jesus Cristo, que lhe foi confiada por Deus para manifestar aos seus servos o que deve acontecer em breve. Ele, por sua vez, por intermédio de seu anjo, comunicou ao seu servo João, o qual atesta como Palavra de Deus e testemunho de Jesus Cristo, tudo o que viu. Feliz o leitor e os ouvintes se observarem as coisas nela escritas, porque o tempo está próximo”. 
Esse “tempo próximo” para o juízo final está muito distante e demorado: dois mil anos! Segundo a cantora gospel, agora vai acontecer. Acabou a espera. Em 10 anos, no máximo, a profecia tornar-se-á realidade. 
Pois, é. O Apocalipse já veio há dois milênios. O horror descrito e profetizado nesse livro é que ainda não aconteceu. Além do prólogo e do epílogo, o livro contém:
1. As epístolas de João às sete igrejas da Ásia sob domínio romano: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia. Dessas cartas que João escreveu inspirado por um anjo, consta que Jesus afirma conhecer as obras de todas aquelas igrejas, as suas virtudes e fraquezas. A todas, ele dirige palavras encorajadoras, fala das tribulações de cada uma delas e de como serão punidas em caso de desídia, desânimo ou desistência da fé. 
2. As visões de João: I. Do livro dos 7 selos aberto por Jesus: (i) os cavalos branco, vermelho, negro e amarelo (ii) as almas dos mártires (iii) o grande terremoto (iv) os 144 mil assinalados (v) a multidão dos outros assinalados (vi) o silêncio no céu. II. Das 7 trombetas: os efeitos do som da trombeta de cada um dos 7 anjos. III. Dos 7 portentos: (i) a mulher e o dragão (ii) a besta que saiu do mar (iii) a besta que saiu da terra (iv) o cordeiro (v) os três anjos e a voz do céu (vi) as foices e as vindimas dos pecadores (vii) o mar de vidro. IV. Dos 7 anjos com seus 7 cálices. V. Da besta de 7 cabeças e a prostituta: (i) queda da Babilônia anunciada por um anjo (ii) lamentações sobre a Babilônia (iii) cântico triunfal no céu (iv) morte das duas bestas. VI. Dos mil anos: o anjo amarra o dragão (diabo) e o manterá preso por mil anos. VII. Da batalha final e do juízo universal. VIII. Do novo céu e da nova terra. IX. Da nova e santa Jerusalém (reminiscência do judaísmo nacional vivido por João na infância e juventude). 
O texto das visões do futuro do mundo e da igreja, miscelânea de dados e imagens, brotou da mente delirante do autor. Alucinações, sonhos e fantasias decorrentes do estado senil de João e do seu amor pelo mestre. Ainda que levado a sério pelos crentes e pelos crédulos, com sua linguagem esotérica e suas figuras simbólicas, o texto se presta a múltiplas e opostas interpretações, adaptável a quaisquer épocas e tendências, tal qual as profecias de Nostradamus, águas turvas onde navegam vigaristas de variados matizes. 
Esse torvo texto que trata da luta do bem contra o mal, da catástrofe planetária, da extinção da raça humana, da severa punição dos pecadores, é o que mais impressiona e apavora os crentes e os crédulos. Semente lançada no solo fértil do medo e da ignorância. Colheita farta para os silos dos bispos e pastores que acumulam tesouros na Terra. Freguesia cativa dos mercadores da fé religiosa. Rebanho vulnerável sob pastoreio dos estelionatários da fé, terrivelmente evangélicos, que enredam a sociedade e o estado. 
Eventos com mortes e destruição, tais como as guerras santas cristãs e muçulmanas e as guerras profanas mundiais, são vistos e adjetivados como apocalípticos. Líderes religiosos, como Maomé e o Papa Urbano II, e líderes profanos, como Átila, Gengis Khan, Hitler e os chefes de governo de Israel e dos Estados Unidos da América, são vistos e adjetivados como cavaleiros do apocalipse. 

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