domingo, 3 de setembro de 2023

PODER MODERADOR & JUDICIAL

O anseio por liberdade e poder faz pulsar a vida na comunidade humana. Liberdade vista como o poder de alguém agir sem peias, segundo diretrizes da sua vontade e da sua consciência. Poder visto como aptidão e livre disposição do sujeito (individual ou coletivo) para, com eficácia, criar, manter, modificar e extinguir coisas. Na sociedade organizada, liberdade e poder estão disciplinados por regras técnicas e normas de direito. Os costumes e as convenções sociais também orientam a conduta de governantes e governados. Nas democracias, o poder dos governantes se distribui entre órgãos distintos e independentes entre si a fim de garantir a liberdade dos governados.
Na monarquia brasileira (1822/1889) o poder político distribuía-se em quatro funções: moderadora, legislativa, executiva e judicial. A função moderadora, considerada chave da organização política, coube ao imperador. O objetivo era zelar pela independência, equilíbrio e harmonia dos outros três poderes. Moderação vista como virtude de apaziguar, mediar divergências, evitar abusos e excessos. O poder moderador consistia em (i) nomear senadores (ii) convocar a assembleia geral em caráter extraordinário (iii) sancionar as normas elaboradas pela assembleia geral para que adquirissem força de lei (iv) aprovar e suspender resoluções das assembleias provinciais (v) prorrogar ou adiar a assembleia geral e dissolver a câmara dos deputados (vi) nomear e demitir livremente os ministros de estado (vii) suspender magistrados (viii) perdoar e moderar penas de sentenciados (ix) conceder anistia. [Constituição Imperial. 1824. Art. 101].
Na república brasileira (1889/2023) o poder político distribuiu-se em três funções: legislativa, executiva e judicial. Nos períodos autocráticos (1889/1894 + 1930/1945 + 1964/1985) as funções legislativa e executiva seguiam a bússola da presidência da república. As decisões judiciais eram cumpridas enquanto não contrariassem os autocratas. No governo autocrático civil, militar, ou misto, não há falar em moderação ante a natureza ditatorial do poder. Nos períodos democráticos, a função moderadora é exercida pelos três poderes mediante a técnica dos freios e contrapesos (controle recíproco). Atribuições moderadoras do imperador passaram, mutatis mutandis, ao presidente da república. Poder moderador ao lado ou acima dos três poderes caracteriza anacronismo incompatível com a jurídica ordem constitucional em vigor. A soberania nacional é exercida exclusivamente pelos três poderes constituídos. As forças armadas são subalternas a esses poderes, têm por base a hierarquia e a disciplina e por objetivo a segurança nacional sob o comando supremo do presidente da república. Elas têm poder político quando, sob novo regime, livram-se da subordinação ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário.
O fato de serem instituições permanentes não significa que as forças armadas sejam soberanas e/ou tutoras da república. A vigente Constituição não lhes dá esse poder. A maliciosa e enviesada interpretação do artigo 142 não se sustenta diante da interpretação gramatical e sistemática. Elas já tiveram poder quando se espelharam no caudilhismo das republiquetas latino-americanas e golpearam governos legítimos em 1889/1894 +  1964/1985 + 2016/2022. Fora desses períodos, elas serviram a governo civil autocrático em 1930/1945 e a governo civil democrático em 1946/1963 + 1988/2015, como garantia dos poderes da república na ordem interna e a defesa da pátria nas relações externas. 
Afirmar que as forças armadas são “carreiras de estado” é falácia igual à do “poder moderador”. Trata-se de falsa distinção entre administração do governo e administração do estado a fim de justificar desobediências e pretensas supremacias. Convém lembrar que sem governo não há estado, sem povo não há estado, sem território não há estado. Governo, povo e território são os essenciais elementos do estado. Não há estado como entidade separada dos seus elementos constituintes. A legislativa, a executiva e a judiciária são funções do governo lato sensu, por isto mesmo, funções do estado. Magistratura, ministério público, tribunal de contas, tribunal marítimo, forças armadas, forças de segurança pública, são instituições do governo lato sensu, por isto mesmo, instituições do estado. O pessoal de cada instituição está organizado em carreira, trilha ascensional de cargos e postos que os servidores civis e militares percorrem durante as suas vidas (carreira judiciária, diplomática, burocrática, militar, policial). A ascensão na carreira obedece aos critérios de merecimento e antiguidade. Na instituição militar há carreira de servidor fardado e carreira de servidor paisano. 
Na função judicial, aplica-se o direito ao caso concreto. Exercem-na os parlamentares no caso de impeachment e os juízes togados nos demais casos. As decisões devem estar alicerçadas (i) na criteriosa análise dos fatos (ii) na inteligência, sensibilidade e consciência dos julgadores (iii) na Constituição, na lei, no costume e nos princípios gerais de direito. 
Se alguém for nomeado juiz togado sem prévio concurso público não deverá, por gratidão e/ou comunhão ideológica, ficar submisso a quem o nomeou. A judicatura exige juízes independentes. Posição postulatória de advogado não se confunde com posição julgadora de magistrado. 
Afigura-se oportuno lembrar o caso Prestes. O notável advogado de defesa situava-se à direita do espectro político, era conservador e católico fervoroso. O seu cliente era engenheiro militar, capitão do exército, ateu, culto, carismático, revolucionário, situava-se à esquerda do espectro político, líder comunista entre os maiores da América. 
Cabe ao advogado, independente das suas convicções filosóficas e religiosas, o dever moral e profissional de salientar os direitos do seu cliente e defende-lo contra ilegalidades, abusos das autoridades e excessos de poder.  

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