domingo, 27 de agosto de 2023

PODER SECULAR & ESPIRITUAL

Pilatos (autoritário): Tu não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar e para te crucificar?
Jesus (altivo): Não terias poder algum sobre mim se de cima não te fora dado.
A expressão “de cima”, na frase do profeta israelita, indica superioridade, não a superioridade hierárquica do imperador de Roma sobre o governador da Judeia e sim a superioridade do Deus do céu, imperador do universo. A frase serviu de base teológica para justificar o poder do Papa e dos reis. Na Europa, durante a Idade Média, o Papa, vigário de Deus, interferia nos negócios de estado, coroava os reis e os tinha submissos. No propósito de se livrarem do jugo papal, os reis europeus apoiaram-se na doutrina da origem divina: os poderes reais vinham “de cima” como os de Pilatos; reis governavam por direito divino; igreja & estado iguais perante Deus. Poder espiritual distinto do poder secular. Independência entre as duas esferas de poder. A César o que é de César, a Deus o que é de Deus. 
A partir da reforma religiosa promovida por Lutero no século XVI (1501-1600), a igreja cristã protestante recém-nascida serviu-se das técnicas da igreja católica: (i) de enriquecer mediante exploração dos fiéis (ii) de condicionar a mente dos fiéis com valores morais e bases materiais (iii) de influir nos negócios de estado. Lutero defendia a separação igreja x estado e abominava dogmas e práticas da igreja católica. Na França, durante o reinado de Luís XIV (1643-1715) o poder absoluto do rei e o vigor da doutrina do direito divino atingiram o apogeu. “O estado sou eu” dizia o soberbo rei. No dourado penico ele depositava a sagrada matéria produzida por seus divinos intestinos. A Revolução Francesa (1789-1791) manteve a separação entre o poder civil e o poder eclesiástico, transferiu a soberania do príncipe ao povo (burguesia) e, num fechado sistema de competências, traçou limites jurídicos ao poder do governante. 
No Brasil, atualmente, os protestantes “evangélicos” intrometeram-se no Legislativo, no Executivo e no Judiciário. Os pastores das igrejas protestantes mentem e insuflam no espírito dos fiéis ideias e sentimentos contrários à democracia. Homens e mulheres desse naipe disputam cargos eletivos e também ocupam cargos de livre nomeação. No exercício desses cargos, eles e elas fazem proselitismo, colocam a Bíblia acima do Direito, misturam religião e política apesar da laicidade da república brasileira. “Terrivelmente evangélicos”, expressão aceita como elogio, significa, na realidade, “terrivelmente antidemocráticos”. Fundamentalistas, eles e elas comungam a ideologia nazifascista. 
Segundo noticiou a imprensa, um deles, em sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a tese da ilegalidade legítima ao justificar conduta ilegal de deputada nazifascista. Na experiência forense, há casos de legalidade ilegítima: a conduta da pessoa tem amparo legal, porém, considerada ilegítima por ferir a ética. O juiz do STF inverteu os termos da equação: a conduta ilegal da pessoa considera-se legítima quando afinada com a ética protestante nazifascista. O juiz considerou justa causa portar ilegalmente arma de fogo em perseguição a homem negro na via pública por divergência política! Se a composição do Senado permitir, seria o momento de requerer o impeachment dos dois juízes do STF “terrivelmente evangélicos”, portanto, nazifascistas.
Escaldados pelo estado autocrático (1964-1985), os representantes do povo brasileiro reuniram-se em assembleia nacional (1987-1988) para instituir um estado democrático estruturado juridicamente e formalizado no documento escrito denominado Constituição da República Federativa do Brasil. As ideias contidas nesse documento são opostas à autocracia. O regime autocrático de governo é próprio da ideologia nazifascista. Daí, ser inconstitucional a ocupação de cargos eletivos, ou, de livre nomeação, nos poderes da república, por pessoas da extrema direita. Os direitos dessas pessoas assegurados na Constituição não significam licença para destruir a democracia, dividir a nação, semear o ódio, aniquilar a liberdade do povo, apropriar-se das joias e do dinheiro do tesouro nacional. 
O pluralismo político não deve chegar ao ponto a que chegou em 2018, de permitir o acesso de nazifascistas ao poder supremo da nação colocando em risco a democracia, os direitos e as garantias fundamentais. A criação de partidos políticos é livre desde que resguardado o regime democrático
O nazifascismo com a sua natural vocação autocrática, racista, sexista e elitista não se coaduna com o sistema constitucional brasileiro porque este sistema refuga os polos extremos do espectro político e se propõe a construir uma sociedade livre, reduzir desigualdades sociais, promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor e idade, garantir a prevalência dos direitos humanos, defender a paz e o regime democrático. Destarte, enquanto vigorar no Brasil a atual ordem jurídica constitucional, pessoas impregnadas da ideologia nazifascista não podem ser agentes políticos e nem atuar em áreas estratégicas. 
Auxiliado por segmentos da imprensa, o grupo nazifascista (civil + militar + religioso) cujos crimes estão aflorando à superfície e se tornando públicos e notórios, tenta desqualificar o testemunho do hacker que desvendou: (i) a corrupção dos juízes e membros do ministério público da curitibana e fraudulenta operação lava-jato (ii) a rede criminosa que tinha o propósito de desmoralizar o processo eleitoral e de golpear o estado democrático de direito. 
Premissa moral: depoimento de testemunha ficha suja tem credibilidade fraca. Todavia, essa premissa não autoriza, por si só, concluir pela falsidade do testemunho. Os atos e fatos que o hacker afirma ter visto, ouvido, participado, gravado, ajustam-se aos eventos sociais e políticos do país, desde aquela fraudulenta operação até o movimento subversivo de 08/01/2023 e o episódio das joias sauditas.

Bíblia. Novo Testamento. João 19: 10/11.
Assembleia Nacional Constituinte. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Preâmbulo + artigos: 1º + 3º: I, III, IV + 4º: II, VI + 5º: VIII + 17: caput + 23: I + 34: VII, a) + 52: II +  90: II + 127: caput.
Hodgett, Gerald A.J. História Social e Econômica da Idade Média. Rio. Zahar. 1975.
Lima, Antonio Sebastião de. Poder Constituinte e Constituição. Rio. Plurarte. 1983.
Neuman, Franz. Estado Democrático e Estado Autoritário. Rio, Zahar, 1969.

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