domingo, 10 de setembro de 2023

RECLAMAÇÃO

Na esfera judicial, reclamação é um processo jurídico destinado (i) a preservar a competência dos tribunais ou (ii) a garantir a autoridade das decisões dos tribunais. Baseado no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva reclamou contra o Juízo da 13a Vara Federal de Curitiba por descumprir ordens do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o acesso da defesa dele às provas no bojo da famigerada operação lava-jato. O reclamante insistiu no acesso e requereu a declaração de nulidade dos atos lá praticados. Inicialmente, o relator da reclamação deferiu os pedidos (i) de acesso ao material probatório e instrutório da ação penal e do acordo de leniência e (ii) de suspensão do prazo para alegações finais no processo da ação penal. Posteriormente, em definitiva decisão de mérito, o relator (i) confirmou a decisão inicial (ii) julgou prejudicado o pedido de declaração de nulidade dos atos praticados naqueles processos (iii) entendeu suficiente a suspensão do prazo das alegações finais e (iv) estendeu o acesso aos elementos conexos ainda que se referissem a outras pessoas jurídicas além da Odebrecht. 
Encerrado o processo de conhecimento por essa definitiva decisão, o relator se aposentou. Restava a execução do julgado. Entretanto, o novo relator reabriu a cognição. A marcha processual retrocedeu. Foram incluídos no processo: (i) o Juízo da 10ª Vara Federal de Brasília (ii) a Diretoria-Geral da Polícia Federal (iii) as mensagens apreendidas na operação spoofing (hacker). Tais mudanças violam as regras (i) da progressividade da marcha processual e (ii) das imutabilidades do pedido inaugural do processo e da coisa julgada. Em atenção ao princípio do contraditório, a parte contrária e o ministério público deviam ser cientificados da mudança operada no pedido inicial. 
O novo relator decretou a imprestabilidade: (i) das provas produzidas a partir do acordo de leniência e (ii) de todos os elementos que dele decorrem em qualquer âmbito ou jurisdição. Determinou, ainda, que fossem apresentados ao tribunal os conteúdos integrais: (i) à Diretoria Geral da Polícia Federal, das mensagens apreendidas na operação spoofing e todos os seus anexos e apensos (ii) ao Juízo da 10ª Vara Federal de Brasília, das referidas mensagens (iii) ao Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, dos documentos, anexos, apensos, relacionados ao acordo de leniência.
Os relatores atual e anterior queixaram-se do descumprimento das suas ordens, apesar dos ofícios enviados. Parece que os queixosos temiam a força dos nazifascistas da república de Curitiba. Ter medo é natural, porém, diante do relevante papel da magistratura na sociedade, o juiz não pode ser medroso, tem que vencer a fraqueza e não ocultar a sua tibieza sob aparência de delicadeza, de educação refinada, de bom-mocismo. Diante da recalcitrância dos desobedientes, os ministros tinham o dever de usar o poder jurisdicional e expedir mandado de busca e apreensão com ordem de prisão a quem oferecesse resistência. Se constatada conivência da polícia federal, eles requisitariam força ao comandante do exército para o eficaz cumprimento das ordens judiciais.
Nos fundamentos da decisão proferida pelo novo relator há dados cujo lugar adequado é o relatório. Na forma da lei: [1] Do relatório devem constar: (i) os nomes das partes (ii) o resumo do pedido da parte autora e da resposta da outra parte (iii) as principais ocorrências no curso do processo [2] Dos fundamentos devem constar as questões de fato e de direito conformadoras da lide [3] Do dispositivo deve constar a solução dada nos limites em que a lide foi proposta. A decisão judicial deve respeitar os lindes do pleito, estribar-se na prova e aplicar o direito com serenidade e imparcialidade. Dispensável mencionar os esforços do juiz na direção do processo. Basta contá-los na hora do lanche dos magistrados. A prova não pode ser utilizada se o modo da respetiva aquisição for ilícito, consoante vedação constitucional. Cabe exceção quando, apesar da mácula, a prova for essencial à inocência do réu. 
A prolixidade da decisão do novo relador [71 páginas para o relatório + 60 para os fundamentos + 3 para o dispositivo] é desproporcional à simplicidade do caso: acesso a provas obstado por juízes e procuradores embora autorizado pelo tribunal. Nota-se excesso de transcrições, algumas repetidas. O atendimento à condição estabelecida no RISTF para decisões monocráticas mostra-se insatisfatório. As graves consequências da decisão (anulação de processos, violação da coisa julgada) recomendam julgamento colegiado. Na decisão do mérito, o antigo relator indeferiu o pedido de declaração de nulidades. Em descabida e deselegante revisão horizontal, o novo relator revogou a definitiva decisão do colega quando a competência revisional era da Turma e do Tribunal Pleno. 
As apreciações do novo relator sobre: (i) a operação lava-jato, ovo da serpente, armação com fins políticos (ii) o fabuloso movimento de dinheiro (iii) a intervenção estrangeira (iv) a prisão injusta (v) o clamoroso erro judiciário [erro proposital, diga-se de passagem], correm à margem da causa petendi, sem tipificar razões próprias do ato judicial de decidir o mérito da lide efetivamente proposta. O cenário exibido pelo novo relator retira a validade das confissões. Aliás, confissão perdeu o trono de rainha das provas. O uso corriqueiro de constrangimentos físico e psicológico para obtê-la acabou por desvalorizá-la e a exigir do juíz redobrados cuidados, inclusive o de recorrer a entrevistas pessoais a fim de certificar-se da liberdade e da espontaneidade do agente ao manifestar a sua vontade de confessar. 

Código de Processo Civil. 2015. Artigos 329 + 489/494 + 988/993.
Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Artigos 5º: LIV, LV, LVI + 142. 
Supremo Tribunal Federal: Regimento Interno. 1980. Artigos 156/162. + Súmula Vinculante 14 +  Reclamação 43.007-DF. 2ª Turma. 

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