Durante as recentes investigações sobre corrupção
endêmica na administração pública brasileira, os inquéritos policiais e
processos criminais sofreram infiltração de interesses políticos partidários e
de projetos pessoais de ascensão na carreira jurídica e de obtenção de lucro e prestígio.
Foram cometidos abusos e arbitrariedades. Neles atuaram juízes suspeitos e procuradores
bandalhos, inclusive em foro incompetente. Tais anomalias desmoralizaram a
justiça federal [polícia + ministério público + magistratura]. Vergonhoso
capítulo da vida forense que ficará registrado na história geral do Brasil.
Na sessão de julgamento dos dias 25/09,
26/09 e 02/10/2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu pedido de habeas
corpus formulado contra decisão proferida em ação penal lastreada na
operação lava-jato. O tribunal respeitou o princípio do devido processo legal. Aplicou
norma que consta do arcabouço processual brasileiro segundo a qual, antes da
sentença, cabe ao réu a última palavra. Resolveu o problema da norma processual
incompleta gerado nas ações penais em que delatores e delatados figuram como
réus no mesmo processo. Em caso anterior, o STF já havia decidido que falta
legitimidade aos delatados para interferir nos acordos de delação premiada.
Portanto, em relação aos delatados, tais acordos são res inter alios acta. A confissão do delator importa em acusação ao
delatado. Destarte, se ambos forem réus no mesmo processo, cabe ao delatado,
amparado na garantia constitucional do contraditório, argumentar contra a
versão do delator que o incrimina. Das garantias constitucionais, da lógica do
sistema processual e do bom senso, extrai-se o direito do delatado de apresentar
suas alegações finais depois de o delator apresentar as suas. Ao negar esse
direito, o juiz enseja a impetração de habeas
corpus pelo delatado. [CR 5º: LIV + LV + LXVIII; CPP 403].
Os votos vencidos na referida sessão negaram
o habeas corpus. Sustentaram: (i)
inexistência de previsão legal que determine a precedência das alegações do réu
delator (ii) incidência do princípio da legalidade estrita. Confundiram situações
diferentes. O direito penal compreende: [1] a parte substantiva: definição dos
delitos e cominação das penas; [2] a parte adjetiva: conjunto de regras
processuais visando a apuração da responsabilidade criminal. No estado brasileiro
(e na democracia), a parte substantiva é tarefa exclusiva do legislador, vedada
ao chefe de governo, aos juízes e tribunais. Nesta área, incide o princípio da
legalidade estrita. “Não há crime sem lei anterior que o defina”. A parte
adjetiva, o legislador compartilha com o juiz. O processo é instrumental, suas
normas, postas pelo legislador ou pelo juiz, têm aplicação imediata e podem retroagir se beneficiarem o réu. Como os
ministros são pessoas de notável saber jurídico, lícito concluir que a confusão
deles foi intencional. Prestar tutela jurisdicional honestamente não é favor e
sim obrigação moral do magistrado. [CR 5º: XXXV + XXXIX + XL; CPC 139: I, III; CPP 251/254; LC 35/1979: 35, I].
As lacunas da legislação, preenchem-nas
os juízes, caso a caso. “A lei processual penal admitirá interpretação
extensiva e aplicação analógica, bem como, o suplemento dos princípios gerais
de direito”. “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. A lacuna evoca norma
implícita que o juiz torna explícita ao julgar o caso concreto. O acréscimo à norma
vigente, sem desvirtuá-la, feito pelo STF ao deferir o habeas corpus, permitirá vista dos autos para alegações,
sucessivamente, ao defensor do réu delator e ao defensor do réu delatado. [CPP:
3º + 403; DL 4.657/1942: 4º].
Em países americanos e europeus, a
delação é vista como ato moralmente repugnante. Há pessoas que se negam a
delatar mesmo sob tortura. No STF – O
tempora! O mores! – a delação é tratada com carinho e afeto. Quanto ao
julgamento do habeas corpus, os votos
vencidos insistiram na falta de lei expressa. No entanto, lei existe, embora
omissa quanto ao efeito processual da delação. O curioso é que em outro caso
para o qual havia norma expressa, clara e completa, os ministros tergiversaram.
Enxergaram algo inexistente. Miragem politiqueira com o propósito de afastar do
pleito eleitoral um forte concorrente à presidência da república, processá-lo,
condená-lo e prendê-lo sem prova idônea da autoria e materialidade de prática
delituosa. No direito brasileiro, quem acusa tem o dever de provar. Na ação
penal pública, o ônus da prova cabe ao ministério público. Na ausência ou
insuficiência de prova (inclusive quando forjada) o réu deve ser absolvido. As
autoridades, insensíveis à generosidade do direito pátrio, atingiram com
frieza, cinismo e crueldade, o candidato e a sua família. “Nenhuma pena passará
da pessoa do condenado”. [CR 5º: XLV + LVII; CPP: 156 + 386].
Insatisfeitas com as desnecessárias e
humilhantes medidas impostas de modo implacável ao indiciado e réu, as
autoridades pretendem obriga-lo a aceitar o regime semiaberto de cumprimento de
pena, incluindo mais um item humilhante: uso de tornozeleira eletrônica. Condução coercitiva, algemas e tornozeleira devem
ser usadas só quando absolutamente necessárias. A antecipada
e precipitada execução da pena do ex-presidente da república é provisória e
ocorre em sala do prédio da polícia federal. Está esgotado o tempo do regime
fechado de cumprimento de pena que, nos termos da lei, devia ser em
estabelecimento de segurança máxima. Está iniciado o tempo do regime
semiaberto. Depois de ouvir o ministério público e o sentenciado, de considerar
a conduta e os atributos pessoais do sentenciado, o juiz da execução penal determina,
segundo o seu prudente arbítrio, a permanência, a progressão ou a regressão no
regime legal (fechado, semiaberto, aberto). As autoridades têm o dever
constitucional e legal de respeitar os direitos e a integridade física e moral
do preso. A execução definitiva da sentença depende do trânsito em julgado, o
que ainda não ocorreu no caso do ex-presidente cuja situação, jurídica e
política, ampara a brava e justa resistência. Entre outras probabilidades, a sentença
poderá ser modificada, o processo anulado, o réu absolvido. A pena pecuniária
não pode ser cobrada antes do trânsito em julgado da sentença. [CR 5º: XLIX; CP:
33 + 38; CPP: 686; Lei 7.210/1984: 40 + 105 + 164].
No que tange ao episódio da presunção de
inocência, não havia lacuna alguma a ser colmatada. “Ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Há nessa
norma constitucional alguma lacuna que permita encaixar “até decisão de segundo
grau de jurisdição”? Evidente que não. Os ministros não suplementaram essa
norma, substituíram-na. A norma posta pelo STF retirou a exigência do trânsito
em julgado. Mediante ginástica cerebrina e intenções execráveis, os ministros derrogaram
cláusula pétrea da Constituição e usurparam competência do legislador
constituinte. [CR 5º: LVII + 60: §4º, III, IV].
A maliciosa interpretação dada ao
preceito constitucional debita-se ao interesse dos concorrentes em afastar o
candidato. Os mosqueteiros togados tinham de proteger e apoiar a rainha da
corrupção. As vísceras dessa realeza foram expostas ao mundo pelo site jornalístico
“The Intercept Brasil” cujas reportagens foram aprovadas no teste da
autenticidade e da verdade. As gravações constituem prova documental que se
agrega a outras provas. Revelam ao público a autoria e a materialidade das
condutas ilegais e indecorosas dos juízes e procuradores da operação lava-jato.
Compreensível que os juízes tenham
humanas fraquezas, porém, algumas delas são intoleráveis e indesculpáveis. O
que dizer de juízes que não respeitam a Constituição, as leis, os princípios
gerais do direito e a ética judiciária? Que não respeitam decisão da ONU? Que
sofismam descaradamente? Que colocam os seus interesses e sentimentos acima dos
mais preciosos valores éticos e jurídicos secretados pela civilização
ocidental? Emporcalharam a toga. Enterraram a magistratura numa cloaca. Fizeram
o Brasil regredir ao nível de republiqueta. Colocaram no Brasil o barrete de violador
de tratado internacional. Contribuíram para rebaixá-lo da 8ª para 10ª economia
do mundo.
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