domingo, 7 de abril de 2019

STF APEQUENADO

O supremo tribunal federal (STF) ao realizar sessão solene para receber manifesto de apoio subscrito por entidades como OAB, CNBB, CNI, UNE, sucumbiu às razoáveis e pertinentes críticas das quais tem sido alvo. (03/04/2019). O STF estribou-se em norma regimental que autoriza sessão solene para celebrar acontecimento de alta relevância. A redação da norma enseja larga interpretação. No amplo espaço dessa subjetividade, o tribunal considerou o manifesto um acontecimento de alta relevância a merecer solenidade transmitida ao país inteiro. As entidades subscritoras do manifesto são as mesmas que apoiaram o golpe de 1964 e que agora apoiam um tribunal demagógico de tendência nazifascista conivente com um estado de exceção.
A técnica utilizada pelo STF para captar a simpatia da sociedade é a mesma utilizada pelo ex-juiz Sérgio Moro, quando atuava na vara federal de Curitiba, para obter apoio popular à sua ilegal e arbitrária conduta na direção do processo que culminou na condenação e prisão do ex-presidente da república. Moro valeu-se dos meios de comunicação social para: (i) propagar a falsa imagem de juiz corajoso, justo e heroico (ii) sujar a imagem do ex-presidente e assim favorecer o partido político do seu pai na disputa eleitoral. No que concerne à OAB (ordem dos advogados do brasil), tanto em 1964, como agora, ela agiu contra as suas finalidades de: (i) defender a Constituição e a ordem jurídica do estado democrático, os direitos humanos e a justiça social (ii) pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça, pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas (Lei 8906/1994, 44, I).
No estado democrático de direito, tribunal judiciário que se preza não necessita desse tipo de apoio (manifestos, sessões solenes). Vale por si mesmo, pela independência, imparcialidade, virtuosidade, honestidade, decoro e operosidade dos seus juízes. Ao tribunal judiciário não basta autoridade jurídica. Necessita também de autoridade moral. A existência e o funcionamento de um tribunal judiciário é importante para garantir a liberdade e a igualdade nas relações públicas e privadas visando à paz social e ao bem comum. Todavia, quando o tribunal apoia um estado de exceção, a sua autoridade se degrada perante a parcela da população afeiçoada à democracia. Degradado, o tribunal perde o respeito dessa parcela do povo e abre ensejo à sua extinção, ou remodelação, mediante movimento popular revolucionário. 
O manifesto diz, acertadamente, que a instituição (no caso, o STF) deve ser respeitada, pois, “sem ela, nenhum cidadão está protegido”. Realmente, a instituição judiciária é relevante para o vigor e a eficácia da ordem jurídica e a consequente proteção da pessoa e dos bens dos cidadãos. Entretanto, esse relevo se torna estéril quando a conduta dos juízes fica abaixo da ética institucional como, aliás, tem acontecido. Serve de exemplo, o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vítima de um processo judicial fraudulento. Apesar da relevância da instituição judiciária na esfera dos princípios, Luiz Inácio, no plano dos fatos, está sendo massacrado por juízes federais. Injustiça evidente, proposital, escancarada, cruel. A correção da injusta condenação e da abusiva prisão está sendo protelada pelos tribunais superiores, o que pode gerar revolução social e política. 
No Brasil, o século XXI trouxe à luz do dia, em vivas cores, a subterrânea existência de magistrados parciais, medíocres, vaidosos, pretensiosos, indecorosos, nazifascistas, partidários políticos no exercício da função judicante. O perene e elevado valor da instituição judiciária para a democracia e para os direitos humanos não significa, necessariamente, bom caráter dos juízes. De um modo geral, o povo espera dos magistrados [juízes de piso (varas e juizados), juízes de tribunais ordinários (desembargadores) e juízes de tribunais superiores (ministros)] imparcialidade, independência, respeito à Constituição e aos direitos humanos, senso de justiça, honestidade, decoro, pontualidade, espírito público, cultura geral e jurídica.   
O manifesto apresentado pelas mencionadas entidades provavelmente não reflete a opinião e as expectativas da maioria do povo. Se, de um lado, 57 milhões de eleitores (com suas famílias) mostraram-se favoráveis à direita, tanto a moderada como a extremada, e à militarização do governo, elegendo um estúpido nazifascista que confessa ter nascido paramilitar (miliciano), convém lembrar que, de outro lado, 89 milhões de eleitores (com suas famílias) posicionaram-se, quer diretamente (47 milhões), quer indiretamente (42 milhões), contra a direita febril e mentalmente enferma. Para aferir o “sentimento social”, esses números do tribunal eleitoral são mais confiáveis do que a equivocada opinião do ministro do STF. Barroso tenta ocultar a politicagem, sua e dos seus colegas de toga, com aquele sofisticado cobertor (“sentimento social”), plágio de literatura alheia para enganar.
No Brasil, não existe “sentimento social” homogêneo tendo em visa: (i) o pluralismo político e as distintas ideologias (ii) a abismal desigualdade econômica (iii) a distribuição da população em camadas sociais (iv) a diversidade das crenças e práticas religiosas. Atualmente, o “social” sentimento está assim fragmentado: (i) ódio dos partidários da direita contra os da esquerda e vice-versa, com reflexo em toda a nação (ii) repúdio da maioria da população à militarização do governo e à brutal ignorância do governante (iii) desprezo de grande parcela do povo à classe política; os políticos são vistos como a escória da sociedade (iv) ojeriza aos magistrados de piso e de tribunais, vistos como politiqueiros, desonestos, impontuais, preguiçosos e engavetadores (v) desconfiança mútua entre as massas de um lado e as elites de outro (vi) desencanto e frustração da classe trabalhadora (vii) desespero das famílias dos desempregados, dos sem recursos financeiros, dos sem assistência, sem-teto e sem-terra. Se fosse possível captar algo comum nesses fragmentos [além de um sentimento de inferioridade perante a cultura dos países desenvolvidos e colonizadores] seriam necessários instrumentos especiais e confiáveis e não mera opinião sem base histórica e racional.       
O judiciário dos EUA recebeu o seguinte comentário fundado na experiência: “Dando à Constituição um valor absoluto de Justiça, os juízes a santificam” (Swisher). Nessa esteira, Orlando Bitar diz: (i) a supremacia constitucional nos EUA não se deve exclusivamente à sua forma escrita e solene (ii) a imperatividade da Constituição é mais subjetiva e emocional do que objetiva e legal (iii) ela sublima um sentimento que tem o seu processo na história (iv) há um misticismo em torno da Constituição paralelo ao misticismo em torno da Lei na França e do Parlamento na Inglaterra (v) a lealdade à Constituição converteu-se em matéria de sentimento e não de razão. [A Lei e a Constituição “in” Obras Completas. Brasil. Conselho Federal de Cultura. 1978, p. 75/77 + 136]. 
No Brasil, nada disto acontece. O tal sentimento não existe. A guarda da Constituição cabe ao STF, porém, os seus juízes, bem longe de santifica-la, vilipendiam-na. Em casos de maior impacto, as cláusulas da Constituição, inclusive as pétreas, são por eles violadas. Sofismas, interpretações capciosas, aplicações maliciosas, disfarçam a violação. A esperteza enganosa parece envaidecer os juízes. 
Nos dias atuais, o exemplo mais contundente nessa área é o da garantia de presunção de inocência. A cláusula pétrea da Constituição é clara: o espaço da garantia vai até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Essa cláusula sequer devia ser objeto de discussão. Contudo, motivo político eleitoreiro a provocou. Escassa maioria do STF, liderada pelo ministro Barroso, colocou-se acima da decisão soberana do legislador constituinte e reduziu esse espaço ao segundo grau de jurisdição. O tribunal extrapola a sua competência quando reduz a compreensão e a extensão dos direitos fundamentais assegurados na Constituição. O STF usurpou competência do Congresso Nacional nessa matéria. Aliás, nem o Congresso pode reformar cláusula pétrea. No sistema jurídico brasileiro, só uma assembleia constituinte pode alterar cláusulas pétreas e até elaborar nova Constituição. O tribunal desrespeitou a separação dos poderes, princípio essencial da república democrática. Dita separação “é um princípio orgânico da Constituição que faz o lugar de uma viga-mestra” (Karl Engisch. Introdução ao Pensamento Jurídico. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. 1979, p. 266). Essa maioria do STF (Alexandre, Barroso, Carmen, Fachin, Fux, Rosa) aderiu ao vale-tudo característico do estado de exceção.     

Nenhum comentário: