sábado, 13 de abril de 2019

SEMANA SANTA

Aproxima-se a semana santa, período do ano em que os cristãos celebram a paixão de Cristo. Cuida-se de um capítulo fundamental da história da religião cristã: a última ceia, a prisão, o julgamento, a condenação, a crucifixão, a morte e a ressurreição de um palestino galileu chamado Jesus, cognominado “o ungido” (cristo, em grego). Das intensas polêmicas entre os primitivos cristãos, destacava-se a crítica aos ortodoxos por: (i) apegarem-se ao nome de um homem morto (ii) atribuírem a essa morte a salvação (iii) prestarem culto à morte e não à vida eterna.
A semana santa é de 4 dias (quinta, sexta, sábado e domingo), porém, no Brasil, as repartições públicas, principalmente os tribunais, decretam ponto facultativo a partir da segunda-feira, inclusive. A folga é aproveitada mais para descanso e turismo e menos para celebrar, usufruída não só por brasileiros cristãos (católicos, protestantes, espíritas) como também por brasileiros judeus, muçulmanos, budistas, ateus e outros. Da celebração, que consiste em missas, procissões e espetáculos públicos, quiçá participem cerca de 1% da população.  
Minoria do povo palestino (galileus + samaritanos + judeus) reconheceu Jesus como enviado de Deus. Da maioria daquele pequeno povo ele recebeu incredulidade, escárnio, agressões, tentativas de morte, acusações de blasfêmia e de subversão, que acabaram por levá-lo à prisão e à execução da pena de morte. A história bíblica inclui milagres, circulação pelo território palestino, embates com os escribas e sacerdotes judeus. Essa história vem narrada: [1] nas cartas escritas ou ditadas pelos apóstolos [2] nos atos dos apóstolos contados por Lucas [3] nos quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas, João). Esse material foi selecionado no século IV (301-400) por Jerônimo, padre erudito, para compor o Novo Testamento (NT) aprovado durante o Concílio de Niceia (ano 325). Fora da seleção ficaram outras cartas e outros evangelhos como os de Tiago, Felipe, Judas Tadeu, Tomé e Maria Madalena, considerados apócrifos e incompatíveis com os dogmas que a Igreja pretendia consolidar. O objetivo era afastar as divergências entre os vários grupos cristãos que se digladiavam desde a morte de Jesus e formar um corpo doutrinário coerente e pacificador.
O clero organizou o NT como unidade teológica. A superior autoridade hierárquica da Igreja determina: [1] em que os fiéis devem acreditar [2] como devem ser tratados os assuntos administrativos, pastorais, litúrgicos (missa, sacramentos, ofício divino) e ritualísticos (regras procedimentais) [3] quais os textos e livros compatíveis com as escrituras sagradas. Os ensinamentos de Jesus, pessoal e oralmente transmitidos aos seus apóstolos e aos seus contemporâneos galileus, samaritanos e judeus (anos 30), passaram à forma escrita entre os anos 50 e 100. A autoria desses textos foi atribuída aos apóstolos. A cristandade apoia-se nas decisões dogmáticas dos concílios ecumênicos da Igreja [reuniões periódicas de todos os bispos presididas pelo Papa] unificadoras da doutrina e sancionadoras da crença. Profissão de fé do cristianismo, prece fundamental da Igreja, o Credo foi elaborado durante os concílios de Niceia (ano 325) e de Constantinopla (ano 381), como regula fidei (regra da fé).
Em linhas gerais e básicas, o Credo consiste nos seguintes dogmas: [i] há um só Deus, criador do céu, da terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis [ii] há um só Senhor, Jesus Cristo, filho unigênito de Deus, gerado pelo Pai desde a eternidade, encarnado pelo Espirito Santo, no seio da Virgem Maria e que se fez verdadeiro homem [iii] há o Espirito Santo, fonte da vida que procede do Pai e falou pelos profetas [iv] há uma só Igreja, santa, católica e apostólica [v] há um só batismo para remissão dos pecados [vi] padecimento de Jesus (açoites, crucifixão, morte e  sepultamento) sob as jurisdições do Sinédrio (tribunal judeu) e de Poncius Pilatos (fórum romano) [vii] ressurreição ao terceiro dia [viii] subida aos céus, onde está sentado à direita do Pai [ix] retorno glorioso no futuro para julgar os vivos e os mortos e instaurar o seu reino eterno [x] ressurreição dos mortos e vida no mundo vindouro.
Após a reforma provocada por Lutero (1517-1529), os dogmas da virgindade de Maria e da infalibilidade papal foram rejeitados pelos cristãos que aderiram ao movimento. A reforma proscreveu a autoridade e a intermediação do clero católico e a justificação pelas obras. Bastava ao crente a justificação pela fé, relação direta e pessoal com deus. Os gnósticos questionam os dogmas da fecundação sobrenatural, da natureza divina de Jesus, da unidade da Igreja, da ressurreição, da ascensão e do juízo final. Esse grupo acredita: [1] no processo natural da fecundação e do nascimento [2] na vida e morte de Jesus como homem e profeta e não como cristo [3] nos ensinamentos básicos a ele atribuídos pelos apóstolos [4] na injustiça do julgamento (os judeus consideravam Jesus um estrangeiro (gentio) igual aos galileus, aos samaritanos, aos egípcios, sírios, gregos, romanos) [5] na impossibilidade biológica da ressurreição dos mortos [6] na diversidade das igrejas cristãs primitivas.
Da morte de Jesus aos primeiros concílios da Igreja decorreram cerca de 350 anos, interregno suficiente para esquecer, modificar ou inventar atos e fatos. Os mitos surgem paulatinamente na fluência do tempo, mediante repetições e acréscimos constantes até que o conhecimento racional e objetivo das leis da natureza e da comunidade humana rompe os grilhões da ignorância, da fé cega, do tabu, do preconceito, das discriminações injustificadas.
Quando, a partir do século XVIII (1701-1800) a liberdade ampliou-se na Europa e na América, multiplicaram-se as pesquisas e as ciências, descobriram-se novos documentos, as técnicas e os conhecimentos evoluíram em progressão geométrica, os mistérios que cercavam o “sagrado” foram se desvelando. A partir do século XX (1901-2000) houve uma pletora de livros, filmes, artigos, documentários, sobre temas religiosos e esotéricos que colocaram em xeque as versões tradicionais. Entretanto, no propósito de sobreviver, as instituições religiosas defendem o seu credo, buscam ampliar o rebanho de crentes, amoldar-se estrutural e funcionalmente aos tempos modernos, conservar e aumentar o seu tesouro.     



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