sábado, 16 de março de 2019

JUSTIÇA & INJUSTIÇA

Brasil, Nova Zelândia, Noruega, cada país no seu continente (América, Oceania, Europa), palco de ação violenta e covarde exportada dos EUA através da televisão. Quantas vezes assistimos reportagens em que pessoas suplicam por justiça diante de tragédias desse tipo. Maridos, esposas, pais, filhos, adultos, adolescentes, crianças, mortos por balas perdidas e por balas certeiras cuspidas pelos canos das armas de fogo. As pessoas clamam por justiça diante do episódio injusto e doloroso. Se o atirador não se suicidar, exigem que ele seja punido. O ato injusto mexe com os nervos, as glândulas, a estrutura psicossomática das pessoas, provoca dor, sofrimento, ultraje, horror, reações de repúdio, indignação, desejo de vingança, revide e castigo.
Ainda que não tenha clara compreensão do conceito de justiça exposto por filósofos, toda pessoa tem senso de justiça e de injustiça. A pessoa mais se entristece com a injustiça do que se alegra com a justiça. A injustiça é intuída de imediato e causa impacto emocional. A intuição da justiça não é chocante e sim tranquilizante. Realidade lógica e psicológica. Saber intelectual e saber sensorial formam parelha na esfera do conhecimento vulgar, artístico, cientifico e filosófico. Alternam-se conforme o objeto, o assunto, o momento, o ambiente, as circunstâncias. 
Justiça consiste em “pagar o bem com o bem e o mal com o mal, na terra ou no céu” (Platão). O fulcro dessa definição é a ideia de retribuição. Justiça consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na proporção em que se desigualam” (Aristóteles). O fulcro dessa definição é a ideia de ponderação. Justiça consiste em "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Jesus). O fulcro dessa definição é a ideia de distribuição. Justiça consiste em “viver honestamente, não lesar o outro e dar a cada um o que lhe é devido” (Ulpiano, jurisconsulto romano). O fulcro dessa definição é a ideia de obrigação moral (imperativo da consciência).
Do ponto de vista individual, justiça consiste no assegurado e legítimo gozo da vida, da liberdade, da igualdade e do patrimônio. O fulcro dessa definição é a ideia de centralidade e prioridade do homem, do seu bem-estar e da sua felicidade.
Do ponto de vista social, justiça consiste na erradicação da pobreza, no afastamento da marginalização perversa, na redução das desigualdades, na ausência de discriminação arbitrária, na promoção do bem de todos (segurança, trabalho, educação, saúde, moradia, transporte, comunicação, lazer, cultura, benefícios da técnica e da ciência, proteção da família e do meio ambiente). O fulcro dessa definição é a ideia de dignidade da pessoa humana.
Do ponto de vista institucional, dá-se o nome de justiça ao conjunto de órgãos do estado cuja função é zelar pela eficácia do direito positivo (tribunais, procuradorias, defensorias, delegacias) embora isto não garanta decisões justas. Essa justiça humana envenenou Sócrates, crucificou Jesus, queimou Joana D´Arc, decapitou Lavoisier, enforcou e esquartejou Tiradentes, deportou e asfixiou Olga Benário, perseguiu Lula e lhe tirou a vida política, a liberdade e direitos mediante processo judicial fraudulento. A chance de um julgamento justo é maior quando não há interesse pessoal ou envolvimento emocional do juiz.
Parcela da humanidade acredita na justiça divina aplicada pela divindade (deus nacional, deus solar, deus universal) ou por um filho da divindade (Krishna, Jesus). O julgamento divino tem caráter punitivo. O pecador será castigado de acordo com a gravidade do mal que praticou. Quem com ferro fere, com ferro será ferido; olho por olho, dente por dente. A justiça divina, nos moldes cristãos, é misericordiosa, perdoa quem se arrepende dos pecados. No retorno de Jesus, o Cristo, haverá um julgamento final separando os bons dos maus e estabelecendo, em definitivo, o reino de deus. 
Outra parcela da humanidade acredita na justiça kármica. Nesse tipo de justiça não há misericórdia, perdão e nem o exclusivo propósito de punir. Justiça implacável, lei cósmica de caráter ético, inflexível, cujo mecanismo é acionado pelas ações e omissões humanas das quais podem resultar prêmios e castigos. Cada resultado vem ao seu tempo e ao seu modo. A incidência dessa lei não é apenas individual, mas, também, coletiva. Família, grupo, governo, nação, humanidade, são destinatários dos efeitos positivos e negativos do funcionamento desse mecanismo.
Na vida social, justiça vigora como valor moral, decorre da natureza emocional e racional do homem e se caracteriza pela bilateralidade. Realiza-se entre duas ou mais pessoas como experiência individual e coletiva simultânea. Ao buscar o que lhe é necessário, útil ou interessante, o indivíduo, ou o grupo, depara-se com propósitos de outros membros da sociedade em sentido contrário. Quando isto acontece, o senso de justiça e de injustiça se manifesta e a razão busca a solução adequada dentro das variáveis que se apresentam, pois tal sentimento abarca nuances objetivas e subjetivas as quais geram desacordo dos indivíduos entre si, do indivíduo em relação ao grupo, ou dos grupos entre si. O estado participa dessas relações, ora como sujeito ativo, ora como sujeito passivo, ora como fiscal, mediador, legislador ou julgador.
Na tentativa de reduzir as chances do desacordo mediante critérios objetivos de justiça, os homens elaboram normas técnicas, morais e jurídicas com base na experiência coletiva e histórica (pretérita e atual). Essas normas retornam à vida social materializadas nos costumes, nos contratos, nos regulamentos, nas leis e nas constituições. Sob este prisma, justiça consiste na obediência à ordem ética e jurídica formada por essas normas.Cabe aqui, considerar a advertência de Gustav Radbruch inspirada no jusnaturalismo de Cícero: “Há um direito superior à lei, um direito natural, divino, racional, segundo o qual a injustiça é sempre injustiça ainda quando essa injustiça venha modelada sob a forma de uma lei”. 
Frustrado o entendimento direto, as partes recorrem a mediadores e árbitros na busca de solução justa para os seus problemas. No Brasil, esse estágio conciliatório tem sido pouco utilizado. Os interessados recorrem diretamente à autoridade estatal. Todavia, o senso de justiça, a honestidade, o bom caráter, podem ser mais agudos e estar mais presentes no analfabeto do que no magistrado. Na sua metafísica dos costumes, Kant afirma exatamente isto: um rústico sem estudo sabe distinguir entre o justo e o injusto. O sentimento de justiça e de injustiça não depende da escolaridade, posto ser intuitivo, intrínseco, natural, semelhante à tendência para a verdade (lógica), para a beleza (estética), para o bem (moral), para a ordem (direito), para o sagrado (religião), para o que é bom e útil ao indivíduo e à sociedade (práxis).

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