segunda-feira, 26 de novembro de 2018

FALÁCIA DA ACUSAÇÃO

No seu livro “O Andar de Bêbado. Como o acaso determina as nossas vidas”, Leonard Mlodinow, estadunidense, professor, escritor, doutor em Física pela Universidade da Califórnia, trata do elemento aleatório nos assuntos humanos e da probabilidade no contexto da incerteza. Em determinado trecho do livro ele cita dois casos judiciais que não só se ajustam à maliciosa conduta da justiça federal brasileira (procuradores + juízes) em alguns casos da operação lava-jato, como também explicam a indevida transposição para o direito brasileiro de práticas do direito anglo-americano. O livro mostra como a justiça anglo-americana, no processo criminal, aceita o cálculo das probabilidades para condenar o réu na hipótese de ausência ou insuficiência de prova. [Tradutor: Diego Alfaro. Rio de Janeiro. Zahar. 2011. Páginas 155/158].
O direito positivo em vigor no Brasil não aceita fundamentação de sentença alguma com base na probabilidade. No entanto, no processo criminal em que o ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, foi acusado de cometer crime de corrupção, a sentença condenatória estribou-se na probabilidade e não na certeza extraída de fatos provados. Tanto os acusadores como os julgadores incidiram na falácia da acusação, mencionada pelo cientista no livro acima citado. Assim procederam – não por erro acidental na argumentação lógica – e sim com o propósito premeditado de afastar o acusado da vida política. Processo fraudulento. Prisão abusiva, Toga emporcalhada.
Referindo-se ao Caso Sally Clark, cujos trâmites ocorreram na justiça britânica, Mlodinow assim se expressa: “Nos círculos jurídicos americanos o erro da inversão costuma ser chamado de falácia da acusação porque os advogados de acusação frequentemente utilizam esse tipo de argumento falacioso para levar o júri a condenar suspeitos com base em provas frágeis”. Passa, então, a narrar o caso britânico. “O primeiro filho de Sally morreu com 11 semanas de idade”. Segundo a autópsia, a morte resultou da síndrome da morte infantil súbita nome que se dá quando a autópsia não revela a causa real da morte. Sally engravidou novamente. O bebê morre com 8 semanas de idade pelo mesmo motivo. Sally foi acusada de sufocar os dois filhos. [No direito brasileiro, o infanticídio está assim definido: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após” (CP 123)]. Na sessão de julgamento, os acusadores apresentaram como testemunha um pediatra que garantiu ter sido mínima a probabilidade da causa das mortes ter sido a síndrome (1 caso em 73 milhões de casos). Isto significava que, em termos estatísticos, a mãe matara os filhos. Nenhuma outra prova substancial foi apresentada. Apesar disto, o júri condenou a ré (1999). A sentença foi confirmada em segundo grau. Dois anos depois do julgamento, a Royal Statistical Society declarou publicamente que a decisão do júri se baseara “em grave erro de lógica conhecido como falácia da acusação”. O júri precisava considerar duas explicações concorrentes para a morte dos bebês: (i) pela síndrome e (ii) por assassinato. Isto não ocorreu. A este erro, somou-se outro: o patologista que trabalhava para a acusação omitira a informação de que o segundo bebê tinha uma infecção bacteriana. Ante esse duplo motivo (erro estatístico e laudo médico omisso) os advogados de defesa pediram e obtiveram a anulação da sentença. Depois de três anos de prisão, Sally foi libertada.
O segundo caso mencionado por Mlodinow foi o de O. J. Simpson, estadunidense negro, astro do futebol americano (1994). Tratava-se do assassinato da ex-mulher e do namorado. As provas da acusação consistiam em manchas de sangue. Algumas, da ex-mulher encontradas em objetos do acusado. Outras, do acusado encontradas na cena do crime. Durante o julgamento, os advogados de acusação provaram que o réu maltratava a esposa rotineiramente. “O tapa é o prelúdio do homicídio”, disseram. Essa costumeira violência e as manchas de sangue eram suficientes para demonstrar a culpa do acusado. Os advogados de defesa alegaram fragilidade da prova, suspeição e racismo da polícia de Los Angeles. Disseram que (i) os acusadores tentavam enganar o júri (ii) estatísticas do FBI mostravam que só ínfima parte dos espancadores de esposas chegavam a mata-las (iii) poucos homens que agridem fisicamente suas parceiras domésticas acabam por assassiná-las. O cálculo das probabilidades feito pelos advogados de acusação era uma falácia, por isto mesmo, imprestável para sustentar a condenação. O júri absolveu o réu. Depois do julgamento, o advogado de defesa disse que (i) o juramento de dizer a verdade aplica-se exclusivamente às testemunhas (ii) advogados de acusação, de defesa e juízes não assumem esse compromisso. Arremata dizendo que “uma das fundações sobre as quais se apoia o sistema de justiça americano é a de não dizer toda a verdade”.          
Qualquer semelhança como a justiça federal brasileira não é mera coincidência. Procuradores e juízes espelharam-se no modelo anglo-americano de modo intencional e sem amparo no direito pátrio. Introduziram mudança no sistema judicial brasileiro à revelia do Congresso Nacional. Usurparam o poder dos legisladores.
No que concerne à magistratura nacional, o código de ética impõe aos juízes o dever moral e jurídico de se comprometerem com a verdade. No plano dos fatos, porém, esse dever não tem sido cumprido pelos juízes federais, desde o grau inicial até o mais alto grau de jurisdição, como ficou claro e se tornou público e notório nos casos derivados de operações como a lava-jato e outras assemelhadas.      


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